O aquecimento global tem sido um tema exaustivamente comentado e discutido, por todos os setores da sociedade, que buscam soluções e alternativas para detectar as causas e conter o avanço desse processo. No entanto, enquanto isso não acontece de fato é preciso voltar a atenção às conseqüências desse aumento de temperatura. O Brasil é um país que depende economicamente de seus agronegócios, que representam 1/3 do PIB nacional. É indiscutível a interdependência da agricultura às condições climáticas. Dessa forma, a economia do Brasil terá algum tipo de conseqüência nesse processo de aquecimento global. Mas qual será?
É exatamente em busca dessa resposta que a Unicamp está participando, por meio do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), de uma pesquisa inédita no Brasil cujo objetivo é determinar que conseqüências o processo de aquecimento global trará para a economia do país. O estudo está sendo financiado pela Embaixada Britânica e irá avaliar o cenário gradual desses impactos nas áreas da agricultura, saúde e energia no período de 100 anos.
O resultado desse trabalho, iniciado em junho último e com prazo de conclusão de dez meses, será apontado em um relatório semelhante ao notório Relatório Stern, que em 2006 apontou que o Produto Interno Bruto (PIB) mundial poderá sofrer uma perda de 3% (algo como US$ 1,3 trilhão), caso a temperatura do planeta se eleve em três graus Celsius.
No tocante aos agronegócios, os estudos estão a cargo do Cepagri em parceria com a Embrapa Informática, cuja sede está localizada no campus da Unicamp em Campinas.
O diretor-associado do Cepagri, professor Hilton Silveira Pinto, explicou que serão analisados os efeitos do aquecimento global para o gado de corte – mais especificamente nas pastagens – e em nove diferentes culturas: algodão, cana-de-açúcar, milho, soja, feijão, arroz, café (arábico e robusto) e mandioca. “Não se trata de uma previsão, mas de um estudo científico que apontará um cenário o mais próximo possível da realidade”, explica.
Ele disse que isso é viável porque há informações seguras e oficiais sobre cada cultura existente no Brasil e quais as condições para esses cultivos. “Desde 1996 o Brasil possui um zoneamento de risco agrícola, que diz onde, quando e o que plantar em cada município do país” – explicou. Com base nesses valores, que incluem temperaturas e variabilidade de chuvas é possível transportar para um clima futuro e entender as conseqüências, que podem ser negativas ou positivas, dependendo de cada espécie cultivada.
O pesquisador explicou que não há intenção de provocar alardes, mas permitir que essas informações auxiliem numa eventual necessidade de reorganização econômica, dando visibilidade, nesse caso, de uma nova geografia agrícola e até mesmo de estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias (melhoramentos genéticos) que permitam adequações, como a introdução de novas espécies e controles mitigadores dos impactos decorrentes das mudanças climáticas. Apontará também quais as regiões que poderão ser mais adequadas ao cultivo de determinadas culturas.
“As projeções brasileiras em torno dos impactos do aquecimento global têm sido baseadas em estimativas mundiais, principalmente as formuladas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), mas precisamos considerar que o aumento da temperatura deverá variar conforme a região de cada país. Para o estudo da agricultura precisamos de uma estimativa mais detalhada” – disse o professor.
E é exatamente em busca desse cenário brasileiro que a pesquisa caminha. Para isso, os pesquisadores do Cepagri e da Embrapa Informática contarão com a colaboração do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Cruzando informações sobre clima, relevo, solo, concentração de CO2, imagens de satélite, dentre outros dados, será possível projetar o comportamento da temperatura em quadrantes com 50 quilômetros de área.
Estudos anteriores dos pesquisadores do Cepagri e da Embrapa Informática já indicam algumas possibilidades em caso de aumento de temperatura. A pesquisa concluída em 2005 refere-se às culturas de café, arroz, feijão, milho e soja. Na oportunidade, os cientistas alertaram que as áreas de cultivo desses produtos serão drasticamente reduzidas caso a temperatura média do planeta suba 5,8 graus Celsius. Considerando essa condição, o café arábico simplesmente desapareceria dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás. Nesse caso, as condições climáticas do Sul do país seriam mais adequadas à cultura deste café.
Em relação ao arroz, o acréscimo de apenas um grau na temperatura do planeta faria com que a área cultivável caísse de 3,7 milhões para 3,4 milhões de quilômetros quadrados. No pior dos cenários considerados, com 5,8 graus Celsius a mais, a área seria reduzida para somente 1,8 milhão de quilômetros quadrados.
Os prognósticos no caso do feijão, milho e soja não diferem muito e no caso de acréscimo de cerca de 5 graus, as áreas aptas para a produção dessas culturas seriam seriamente reduzidas. Algumas delas em mais de 50%, como no caso da soja, que passaria dos 2 milhões de quilômetros quadrados atuais para algo em torno de 900 mil quilômetros quadrados.