Isolados dos grandes centros, populações tradicionais tentam fazer valer a Constituição.
Entre a imensidão das árvores, dos rios e dos animais na Floresta Amazônia existe muito mais do que os olhos podem ver através de vídeos, fotos e livros – como é conhecida pelo restante do Brasil. Ali habitam populações que têm suas raízes arraigadas àquela região, longe dos grandes centros, da tecnologia e muitas vezes, à margem da cidadania, essa população ainda precisa lutar por direitos fundamentais, assegurados na constituição.
Há 1500 anos os indígenas somavam um número incerto, mas grandioso, entre um e dez milhões de habitantes. Hoje, segundo dados da Fundação Nacional do Índio – FUNAI , vivem cerca de 460 mil índios, distribuídos entre 225 sociedades indígenas, sendo aproximadamente 0,25% da população brasileira. Redução que se deu pela contração de doenças antes desconhecidas, pela miscigenação e pelos constantes conflitos por seus direitos e terras. Batalha que persiste até os dias atuais.
Conforme explica a antropóloga Alcida Rita Ramos, em sua publicação Sociedades Indígenas, “para os povos indígenas, a terra é muito mais do que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento. Não é apenas um recurso natural – e tão importante quanto este – é um recurso sócio-cultural”.
É da terra que os nativos retiram sua subsistência, para tanto, é necessário demarcar o território, direito registrado na Constituição Federal de 1988, na qual se determina que é dever da União resgatar uma dívida histórica com os primeiros habitantes destas terras, propiciar as condições fundamentais para a sobrevivência física e cultural desses povos e preservar a diversidade cultural brasileira.
No entanto, fora do papel, a morosidade provocada pela burocracia governamental na execução direta das ações nas áreas indígenas, a falta de preparo das comunidades e o preconceito, que ainda permeia a sociedade brasileira, impedem que a legislação seja aplicada nessas comunidades.
“Um dos maiores problemas que o povo indígena enfrenta é a mentalidade discriminatória e antiga de que, por causa da nossa cultura diferente, somos inferiores e por isso, discriminados. E infelizmente, muitas vezes, aqueles que fazem com que a lei seja cumprida, também pensam assim” – declara o responsável geral pela Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão – COAPIMA, Lourenço Krikati.
Segundo Krikati, em função desta discriminação, não há pudor em invadir as terras que já foram homologadas, para exploração da madeira e pesca predatória. Além disso, não há fiscalização para garantir a proteção destas reservas.
“O que as pessoas não entendem é que não só dependemos da terra para sobreviver, como também conhecemos e cuidamos dela. Durante anos éramos nós nesta terra e mesmo caçando e explorando nunca a destruímos. Então, quando defendemos o nosso espaço, defendemos também a natureza em favor de todos” – destaca o indígena.
Uma das críticas às reivindicações dos nativos é que a área solicitada representa “muita terra para pouco índio”, mas Krikati rebate dizendo que, mesmo restrito à sua área de direito, o entorno interfere em sua subsistência. Ele diz que geralmente as áreas vizinhas fazem cultivo de soja, eucalipto e outros, e o fazem utilizando agrotóxicos contaminando o solo e a água dos rios, que percorrem as suas terras levando doenças à comunidade. “E estamos isolados, na maioria das aldeias não chega o atendimento à saúde” – ressalta.
Investimento na educação
Para reverter este quadro, a COAPIMA tem investido, junto aos governos estaduais, para promover a educação de melhor qualidade nas aldeias. “Temos que ter um ensino diferenciado, que valorize também a nossa cultura, a nossa história e a nossa língua, para que os nossos jovens dêem continuidade às tradições indígenas. Mas também tenham base para lutar por nossos direitos, formando profissionais como advogados, juízes, promotores…” – declara Krikati. Segundo ele, hoje existem 2.600 indígena nas faculdades.
Outros povos
A Amazônia também abriga outras populações que enfrentam problemas similares aos dos indígenas, como os quilombolas, descendentes de negros escravos que vivem nos chamados Quilombolas ou Quilombos, cujo maior desafio é a permanência nas terras dos seus ancestrais.
De acordo com o responsável geral da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ, Francisco da Conceição, conhecido como o Diomar, boa parte das terras que são requeridas hoje pelos negros foram heranças deixadas pelos senhores das fazendas. Porém, os documentos que comprovariam isto não foram regularizados, por falta de conhecimento da comunidade e deixaram de ter validade, permitindo a invasão e posse de fazendeiros e empresas.
“A fazenda onde é a minha comunidade, Santa Maria dos Pretos/Itapecurumirim, foi doada aos nossos antepassados pela sinhazinha da fazenda. Na época eram 82 negros e 13 mil ha, hoje temos somente 6.602 ha” – ressalta o coordenador. Assim, como os indígenas, os quilombolas retiram da terra sua subsistência e também lutam por diretos fundamentais: alimentação, moradia, saneamento básico e educação.
Conheça os termos que designam algumas populações tradicionais: |
• Babaçueiros: Extrativistas que têm como base de subsistência a exploração do babaçu, uma espécie de palmeira oriunda do Norte do Brasil; • Caboclos: mestiços de negros e índios que vivem em comunidades rurais; • Caiçaras: mestiços de índios e portugueses. São pescadores tradicionais; • Seringueiros: Sua principal atividade é a extração do látex, matéria-prima da borracha, embora possam também praticar alguma agricultura e criação de gado. As primeiras Reservas Extrativistas criadas no País foram em grande parte resultantes das ações dos seringueiros; • Quebradeiras de Coco: Mulheres de comunidades extrativistas do Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí que coletam e quebram o coco da palmeira de babaçu, utilizando para a produção de óleo e sabonete de coco, por exemplo. Fonte: Almanaque Brasil Socioambiental |