POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Quioto, ex-capital imperial do Japão foi fundada no ano de 794 para ser a Heiankyo, capital da paz e tranqüilidade, cercada de montanhas por todos.
Dizem que o plano da cidade tem a forma de um dragão, cabeça ao norte, e o coração no local onde se localiza o Palácio Imperial. Tendo a presença da corte imperial e da nobreza, desenvolveu-se sob várias influências que se intensificaram com os samurais que estimularam o zen budismo e a cerimônia do chá. Sofreu vários terremotos, incêndios e guerras até que ao final do período Edo sua importância começa a declinar, e, em 1868 perde a condição de capital para a cidade de Tóquio. Contudo, até hoje, guarda a importância de ser centro da cultura japonesa: circundada por colinas, ao pé das quais se encontram jardins, parques, monumentos, templos, santuários budistas e xintoístas.
O ano é marcado por festivais: matsuri – celebrações ligadas aos ciclos naturais. Por exemplo, a festa das cerejeiras no início da primavera; a floração da Sakura (cerejeira) estimula a todos para se reunirem ao ar livre e comemorarem o recomeço da vida sob a chuva de pétalas das cerejeiras.
Pelos parques e jardins circulam milhares de pessoas reunidas para a celebração do desabrochar das flores; o Rio Kamo circundado de cerejeiras de várias tonalidades constitui uma festa para os olhos e para os turistas que tiram fotos e fotos. Não por acaso, a cidade foi escolhida como local para discussão e aprovação do Protocolo Sobre as Mudanças Climáticas, reunindo representantes de vários países que apresentaram resoluções para proteção ao meio ambiente que posteriormente deveria ser implementado: reformar setores de energia e transporte, promover uso de fontes energéticas renováveis, eliminar mecanismos financeiros e de mercado inapropriados aos fins da convenção; limitar as emissões de metano no gerenciamento de resíduos e dos sistemas energéticos; proteger florestas e outros sumidouros de carbono.
O Protocolo Quioto é um instrumento para a implementação da convenção das nações unidas sobre mudanças climáticas. As nações industrializadas que ratificaram o tratado devem reduzir, até 2012, as emissões de gases que agravam o efeito estufa, em 5,2% abaixo dos níveis registrados em 1990. Os países em desenvolvimento não têm metas obrigatórias para diminuição de suas emissões. Como sabemos, os governos dos países que mais poluem o meio ambiente não assinaram esse Protocolo; o Brasil é signatário do mesmo. Estamos perto de expirar a primeira etapa do Protocolo de Quioto, que estipula níveis de redução da emissão de gás carbônico para os países desenvolvidos até 2012, mas, o ritmo de cumprimento das metas causa preocupação em ambientalistas e em representantes de movimentos sociais. Contudo, aqui em Quioto, tais resoluções são levadas a sério e implementadas. Gostaria de destacar alguns fatos, como um primeiro exemplo do que me foi dado observar no dia-a-dia da cidade.
Cheguei em Quioto no dia 31 de março deste ano, pouco mais de um mês. O primeiro fato que me impressionou e continua a impressionar diz respeito ao modo pelo qual as pessoas tratam o lixo. No primeiro dia em que cheguei ao apartamento, a mim destinado pela universidade onde trabalho, fui apresentada ao responsável pelo prédio e à senhora presidente da associação de moradores; recebi uma espécie de regulamento do condomínio, com as explicações sobre o uso das áreas comuns e a forma pela qual se dá a coleta e separação do lixo: rigorosamente em quatro recipientes, ou seja, lixo não reciclável, depois papel / papelão / plástico; a seguir latas e vidros e depois as embalagens tipo Pet. São usadas diferentes cores nos invólucros para contenção dos resíduos, transparentes, para que o conteúdo seja visível. Sacos plásticos de cor preta são proibidos. Na área de serviço ficam os contêineres tampados onde os moradores devem colocar o que desejam se desfazer. Caso o morador queira se desfazer de móveis, equipamentos eletrônicos ou algum outro objeto deve telefonar para que a coleta seja realizada, havendo um custo para essa remoção. Existe, ainda, um local nos arredores da cidade onde se pode ir e retirar objetos que lá são colocados.
Por todo o lado da cidade a prática do lixo seletivo é a mesma: na universidade, metrô, pontos de ônibus, parques, ruas. Impossível errar, mesmo não entendendo nada sobre os caracteres em japonês, as cores e ícones falam por si mesmos. As ruas são limpíssimas, surpreendi-me um dia ao ver uma bituca de cigarro atirada numa calçada… Confesso que pensei…será que foi um estrangeiro? Teria sido um brasileiro? A educação ambiental é levada a sério pelas autoridades, pelos educadores, pela população como um todo. As frases: poupar energia, limpar o planeta, proteção ao meio ambiente, não desperdice água… estão por todo o lado, em várias línguas…Em todas as embalagens. A prefeitura da cidade distribui material informativo sobre o tema, nas escolas, e nos meios de comunicação o assunto é sempre abordado.
Lembramos ainda que neste ano de 2008, em julho, o Japão planeja organizar uma cúpula sobre a mudança climática, com presença de líderes de 25 países, durante a reunião presidencial do G-8 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo, mais a Rússia). A reunião do G-8 será realizada na província de Hokkaido, no norte do país, e, o assunto referente às mudanças climáticas será abordado.
Para mim ficou para sempre esta lição: reaproveitar o que seja possível, usar somente o que for necessário, reciclar todo e qualquer material que possa ter reaproveitamento. Penso que cada um de nos é responsável pelo que fazemos, pelo exemplo a ser dado aos jovens e as crianças; somos sim responsáveis pelos regulamentos que aprovamos e implementamos visando um mundo melhor para todos em nosso planeta, mesmo que os governos os deixem de lado. Quioto pode ser um desses exemplos.
* Correspondente especial de Quioto (Japão). Professora doutora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, socióloga pela FFLCH\USP, mestre pela Universidade de Uppsala, Suécia e Professora convidada para ministrar aulas sobre Cultura Brasileira na Universidade de Estudos Estrangeiros.