A definição de especialistas para o termo “construção sustentável” vai muito além da utilização de materiais ecologicamente corretos. “Trata-se de um conceito amplo que inclui os aspectos ambientais, econômicos, sociais e culturais. Ela deve ser uma construção ambientalmente correta, economicamente viável, socialmente justa e culturalmente adequada e aceita” – conceituou a arquiteta Silvia Manfredi, diretora-geral da Associação Nacional de Arquitetura Bioecológica – ANAB-Brasil.
Para atender esses critérios, o setor deveria adotar de início, de forma sistemática, cuidados que incluem a análise do impacto local do empreendimento, trabalho de conscientização junto aos funcionários e usuários, redução da informalidade do segmento, agregado à melhoria de vida dos operários, preocupação com o desenvolvimento da comunidade local, assim como atuar dentro do marco legal (impostos, licenças e alvarás).
A obra em si deveria privilegiar a substituição de recursos naturais não renováveis por materiais de baixo impacto ambiental e de menor energia embutida, gestão e tratamento dos resíduos, não utilização de materiais poluentes, utilização de madeiras provenientes de manejo sustentável e certificadas, e eficiência na utilização dos materiais. A arquiteta acredita que vinculado a esses rigorosos critérios estaria o benefício econômico, na redução do custo operacional e de manutenção, assim como a acessibilidade à população.
O engenheiro Roberto de Souza, Presidente do Centro de Tecnologia de Edificações (CTE ), e do CBCS – Conselho Brasileiro de Construção Sustentável, entende que as práticas sustentáveis também englobam programas de investimento social privado, voluntariado, educação e cultura, gestão participativa, inclusão digital, alfabetização de adultos, capacitação e desenvolvimento, combate à corrupção, combate à discriminação e ao trabalho infantil e outras ações de responsabilidade social empresarial.
Para o presidente da CBCS, a construção sustentável começa na fase de projeto, identificando as necessidades dos clientes, as condições climáticas, os materiais locais, as potencialidades e as tecnologias sustentáveis passíveis de serem desenvolvidas e implantadas.
O Ritmo Brasileiro
Manfredi explicou que as mudanças no Brasil ainda são lentas se comparadas aos países da comunidade européia. “Nos países mais desenvolvidos já existem edifícios “zero carbon”, ou seja, que produzem a própria energia, e a sobra da demanda é devolvida à concessionária local e o edifício ainda recebe por isso! Ao invés de pagar uma conta de energia, ele vende a energia!! Também já não se comercializam imóveis na comunidade européia, atualmente, sem se apresentar um atestado de eficiência energética do edifício” – exemplificou ela, que disse ainda que, no Brasil, as principais tecnologias adotadas são: aproveitamento de água de chuva, reuso de água, sistemas e equipamentos de conservação de água, equipamentos e produtos com maior eficiência energética, painéis de aquecimento solar, utilização de madeiras certificadas, utilização de tinta e colas com solventes à base de água ou naturais, dentre outros, além de gestão de resíduos em canteiro de obras e a responsabilidade social em empreendimentos imobiliários
Para Souza, no entanto, o processo é irreversível. “A visão do CTE, que está envolvido em mais de 60 projetos sustentáveis, é que, paulatinamente, estamos construindo uma cultura de sustentabilidade no setor da construção” – afirmou. Para ele, há um enorme potencial para incluir as práticas socioambientais em sua gestão e operação, agregando valores como a ética, a transparência, a comunicação e as boas práticas de governança corporativa. O engenheiro cita ainda a ecoeficiência como uma das práticas relevantes, por meio da qual as incorporadoras e construtoras optam por produzir mais com menor utilização de energia, água e materiais, seja graças à melhoria de eficiência nos processos existentes, seja por abordagens inovadoras em projeto, materiais, equipamentos e construção. “Podem-se destacar a inovação dos projetos de edificações visando à redução do consumo de energia, o reuso e a economia de água, a gestão de resíduos de obra, a coleta seletiva e a reciclagem do lixo. Trata-se de uma questão de visão estratégica e decisão empresarial que resultará em ganhos tanto para a companhia quanto para os clientes, a comunidade, a sociedade e as gerações futuras”. – defendeu.
Um novo perfil profissional
O tema tem exigido dos profissionais que atuam na construção civil uma nova postura e atuação. Tanto Souza quanto Manfredi acreditam que algumas competências precisarão ser desenvolvidas como a visão sistêmica de todo o processo e envolvidos, assim como a utilização de conhecimentos multidisciplinares para a aplicação de ferramentas de sustentabilidade, dentre as quais estão os estudos de viabilidade, gestão de custos, biodiversidade, estudos de clima e geotecnia, desenvolvimento de produtos, eficiência energética, arquitetura bioclimática, uso racional de água, materiais sustentáveis, conforto no ambiente construído, processos e tecnologias construtivas sustentáveis, gestão de resíduos, responsabilidade social, dentre outras.
Custo & Benefício
Os argumentos para o investimento num edifício sustentável são convincentes, por se tratar de um produto com maior valor agregado e percebido. “Ele é melhor em vários aspectos, desde o baixo consumo de água e energia até o alto nível de conforto para seus usuários, além, é claro, dos benefícios da imagem do produto e dos empreendedores” – justificou Souza, que, baseado na experiência do CTE, informa que pode haver um aumento no custo de construção entre 1% e 8%, se comparado às tradicionais. No entanto, ele aponta que diversas pesquisas americanas têm comprovado que o valor agregado é superior aos investimentos. “Outras pesquisas demonstram que um edifício certificado green building, por exemplo, pode reduzir em até 30% o consumo de energia, 35% as emissões de carbono, 30% a 50% o consumo de água e de 50% a 90% o descarte de resíduos” – afirmou.
Para os habitantes, Souza afirma que os impactos são extremamente significativos por apresentar um desempenho superior aos convencionais em diversos critérios relacionados ao conforto e bemestar dos usuários, tais como: renovação adequada do ar, iluminação natural e adequada, temperatura, umidade, visão para o exterior, áreas verdes e de convívio, filtragem do ar, materiais com baixa emissão de CO V (Compostos Orgânicos Voláteis) e sem resinas tóxicas, entre outros. “Assim, a construção sustentável, além de gerar redução de despesas com energia e água, também propicia um maior conforto térmico, acústico e visual aos usuários” – disse.
Habitante Sustentável
A diretora geral da ANA B Brasil acredita que o comportamento ainda é fator decisivo nessa proposta. “Não basta investir em produtos sustentáveis, é preciso ser sustentável! Isso representa 90% de comportamento e atitude e 10% de tecnologia. Não adianta, por exemplo, instalar equipamentos de redução de consumo de água e usá-la para varrer a calçada! Primeiro é preciso uma conscientização e mudança de comportamento, aí sim, adotar produtos e tecnologias mais sustentáveis” – afirmou. Manfredi exemplificou também a questão da reciclagem de lixo. “Antes de mais nada, deve-se Reduzir, depois Reutilizar, e somente depois Reciclar! E tem gente que vai além e inclui mais 2 “Rs”, o Repensar e o Recusar” – concluiu.