Ingrid (em destaque), do SESI, participou do grupo que, sob a orientação da pós-doutoranda Lilian, cultivou em laboratório células de um rim humano.
Por: Noêmia Lopes (Agência FAPESP). Foto: CTC/USP
Em 2001, Ádamo Davi Diógenes Siena tinha 12 anos e queria ser goleiro de futebol. Ele estudava na rede pública de ensino de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e não imaginava que participar de um programa sobre pesquisa científica daria um novo rumo aos seus sonhos de criança.
Foi naquele ano que Siena conheceu a Casa da Ciência, então recém-criada no Hemocentro de Ribeirão Preto como braço educacional do Centro de Terapia Celular (CTC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.
Ali, pesquisadores, professores de ensino básico e estudantes têm um ponto de encontro e de troca de conhecimentos – que toma forma principalmente por meio da orientação para a investigação científica, com apoio de palestras temáticas, práticas de laboratório, observações e coletas em campo, registros de processos e resultados e avaliação de projetos.
O contato com essa atmosfera fez Siena trocar a bola pela biologia molecular. “Gostei tanto de estudar microrganismos que não parei mais”, disse à Agência FAPESP.
Foram poucos anos entre os primeiros experimentos e a graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal. Também não demorou para Siena voltar à Casa da Ciência, onde trabalhou como integrante da equipe até 2013. Hoje, ele é mestrando na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP) e colaborador da Casa.
Histórias como a de Siena fazem com que Marisa Ramos Barbieri, coordenadora de Educação e Difusão do Conhecimento do CTC e professora aposentada do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP), comemore a consolidação de um método de trabalho que, há 14 anos, vem aproximando ensino e pesquisa.
“Hoje, funcionamos como uma ponte entre a escola e a universidade. Mas foi uma conquista lenta, que requer uma permanente renovação de vínculos. Isso porque a formação dos professores de ensino básico falha ao afastá-los da pesquisa e a formação dos pós-graduandos falha ao distanciá-los do ensino. Precisamos investir em parcerias duradoras, capazes de ir muito além de ações como visitas ao campus”, disse.
Um exemplo desse investimento era o que se via em um dos pátios do Hemocentro de Ribeirão Preto no dia 25 de junho, quando mais de 80 alunos, com idade a partir de 12 anos, apresentavam os resultados de investigações científicas conduzidas ao longo de um semestre com apoio de seus professores de escola e sob a orientação de pós-graduandos e pesquisadores da USP e do Hemocentro.
O evento, batizado como Mural da Casa da Ciência, está em sua 21ª edição e é a culminância bianual dos programas Adote um Cientista e Pequeno Cientista, mantidos pela Casa da Ciência. O primeiro deles, criado em 2004, realiza encontros semanais no contraturno das aulas regulares e consiste em palestras e grupos de estudos sobre temas ligados a áreas como terapia celular, neurociência, genética, epidemiologia e parasitologia.
“Já em 2012, foi implantado, como um desdobramento, o Pequeno Cientista: os alunos participantes do Adote um Cientista são convidados a integrar projetos mais próximos da iniciação científica, planejados previamente pelos palestrantes, pós-graduandos que atuam também como orientadores”, explicou Barbieri.
Ao longo de seis meses, os estudantes se reúnem semanalmente com seus orientadores, sempre após as palestras e por cerca de 45 minutos. Quase todos os encontros ocorrem na Casa da Ciência do Hemocentro, mas alguns grupos se deslocam pelo campus da USP conforme as exigências do trabalho que estão desenvolvendo. “Neste ano, por exemplo, um deles foi à radiologia e outro à genética da Faculdade de Medicina. Um terceiro, que estudava depressão, foi ao Hospital Dia”, contou Barbieri.
“A diversidade de temas é muito rica. Como somos parte de um centro de pesquisa vinculado à saúde, a maioria dos projetos acaba inserida nas ciências biológicas. Mas também há projetos que abordam música, fotografia, matemática, entre outros temas”, disse o biólogo Fernando Rossi Trigo, integrante da equipe da Casa da Ciência.
Além do apoio da FAPESP, a Casa da Ciência também conta com financiamento do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Terapia Celular (INCTC), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Hemocentro de Ribeirão Preto.
Impacto no ensino e na aprendizagem
O conteúdo discutido e investigado nas atividades do Pequeno Cientista é considerado de grande relevância para os estudantes, tanto que, para que mais alunos da região possam participar, os professores promovem uma espécie de rodízio dentro de suas respectivas unidades. Além disso, atividades similares às do programa são promovidas em janeiro e julho, pela mesma equipe, para quem não consegue frequentar a Casa da Ciência durante os meses letivos. Mas a experiência de Barbieri mostra que o reflexo na aprendizagem ultrapassa os limites curriculares.
“Quando perguntamos a ex-participantes qual a maior influência que a Casa da Ciência exerceu em suas vidas, eles são unânimes em afirmar que, aqui, aprenderam mais do que conteúdos: aprenderam a estudar. Como? Relacionando conceitos nas palestras e nos grupos de pesquisa, registrando as aprendizagens e principalmente fazendo perguntas”, disse ela.
Nas palavras de Olavo Caetano Inácio, 13 anos, aluno da EMEF/Técnico em Química da cidade de Luiz Antonio, a cerca de 50 quilômetros de Ribeirão Preto, durante as apresentações do Mural: “A gente começa a ver o mundo de outro jeito, com um olhar científico, querendo entender como as coisas funcionam”.
“Fica claro, para nós, que os estudantes se percebem como construtores de conhecimento, capazes de ter ideias, relacionar conceitos e criar hipóteses, assim como fazem os cientistas”, afirmou Flávia Fulukava do Prado, veterinária e bolsista da Casa da Ciência pelo INCTC. “E tudo isso em grupo, com a riqueza da troca de conhecimento entre diferentes idades, escolas e repertórios. Dá muito certo”, completou.
Barbieri, Rossi Trigo, Fulukava do Prado e os demais membros da equipe relatam que a mudança de atitude é tão grande que termina por extrapolar as aulas de Ciências – os alunos tentam levar procedimentos e práticas do Pequeno Cientista para aulas de História e Geografia, por exemplo.
As atividades regulares do programa muitas vezes também se estendem, por iniciativa dos próprios grupos, para fóruns, blogs, perfis coletivos em redes sociais e peças de teatro encenadas nas escolas.
“Mais interesse em estudar e melhorias no desempenho escolar são outros ganhos que percebemos com frequência, assim como um amadurecimento para editar o material das investigações e fazer apresentações orais, habilidades exercitadas no planejamento do Mural”, afirmou Barbieri. “Sem contar que há vários casos de alunos que chegam sem conhecer tarefas simples, como fazer medições e trabalhar com tubos de ensaios, lupas e microscópios, e terminam por dominá-las aqui conosco.”
Os demais atores envolvidos no processo também acumulam ganhos. “Os professores podem participar das palestras e demais iniciativas dos programas. Já oferecemos cursos de especialização e formação para docentes. Acreditamos que, no mínimo, a pesquisa tem uma contribuição enorme a fazer àqueles que ensinam, que é transmitir a cultura da documentação, do registro para a criação de memória e para a avaliação de resultados”, disse Barbieri.
Já entre os pós-graduandos, a coordenadora lembrou que há um bom treino de orientação, importante tanto no presente, ao compartilharem conhecimentos com os estudantes do ensino básico, quanto no futuro, se vierem, em suas carreiras acadêmicas, a orientar mestrandos e doutorandos.
O número de pessoas interessadas em atuar como orientadores de alunos e avaliadores do Mural vem aumentando. No dia do evento, quem avaliava observava se os projetos tinham uma pergunta inicial, se ela tinha sido respondida, se novas hipóteses surgiram ao longo do processo e se o desenvolvimento da investigação e de seus resultados estavam sendo bem comunicados, entre outros aspectos.
“O ciclo virtuoso que tem se formado em torno dos programas da Casa da Ciência faz com que cada vez mais gente conheça a iniciativa. Sempre fomos às escolas e secretarias de educação de Ribeirão Preto e região convidar alunos e professores. Desde o ano passado, temos mais procura do que vagas – embora persistam obstáculos como a necessidade de se conseguir transporte junto às prefeituras”, contou Barbieri.
Outras iniciativas
Desdobramentos que nascem de atividades presenciais enriquecem o conteúdo disponibilizado no site da Casa da Ciência, que recebe, em média, 36 mil acessos mensais e já contabiliza quase 1,6 milhão de acessos desde que a atual plataforma foi criada, em 2009.
A seção Adote em Pauta, por exemplo, reúne textos produzidos pela equipe da Casa a partir das filmagens dos encontros semanais do Adote um Cientista.
“Os registros são baseados nas palestras, na interação entre os profissionais que as ministram e os alunos, e estão se transformando, conforme podemos notar pelos comentários e e-mails que recebemos, em artigos de divulgação científica, utilizados em aulas de escolas e faculdades”, disse Gisele Oliveira, jornalista da Casa da Ciência. Para ilustrar o alcance da repercussão, ela cita um texto sobre teratomas, assunto de uma palestra de 2013, que já recebeu quase 30 mil cliques.
Adote uma Experiência é outro caso semelhante. Trata-se de uma seção de vídeos organizada por Ádamo Siena enquanto era integrante fixo da equipe. “Víamos que muitos alunos tinham pouco contato com a prática de realizar experimentos e gostaríamos de trazer mais grupos ao nosso laboratório. Como isso não era possível, decidimos investir em filmagens de três a quatro minutos, com perguntas, procedimentos e um desafio, utilizando instrumentos simples, como sementes, folhas e bexigas, para que a proposta pudesse ser replicada”, contou.
Se no passado a Casa da Ciência produzia um jornal impresso e reservava ao site apenas complementos, hoje a dinâmica se inverteu e há a produção de conteúdo exclusivo e completo para a plataforma on-line. “A página é um instrumento fundamental. Não imaginava o papel que ela teria – é mais barata de produzir, propicia interação, por meio dos comentários e dos links para as nossas redes sociais, e amplia o alcance do Pequeno Cientista”, disse Barbieri. A equipe tem intenção de reformular a página, aprimorando o apelo visual e a organização das informações.
Educação e difusão do conhecimento
Os 17 CEPIDs mantidos atualmente pela FAPESP têm como missão desenvolver investigação fundamental ou aplicada, com impacto comercial e social relevante, contribuir para a inovação por meio de transferência de tecnologia e oferecer atividades de extensão para professores e alunos dos Ensinos Fundamental e Médio e para o público em geral.
Nesta semana, representantes dos centros de pesquisa estão presentes na 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorre na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), para apresentar projetos e resultados.
Para saber mais, acesse: http://cepid.fapesp.br.