POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Quem educa nossos filhos?
A falta de tempo é um dos principais argumentos utilizados para justificar, atualmente, as deficiências e lacunas na educação dos filhos. Afinal, os pais saem cedo para o trabalho e ficam fora durante todo o dia. Um cenário diferente do vivido por gerações anteriores onde no núcleo familiar havia funções mais claramente definidas. Especialistas afirmam que as mudanças ocorreram rápido demais, incluindo-se ai novas tecnologias, acesso à informação, assimilação da mulher no mercado de trabalho e estímulo à sociedade de consumo. Surgiu então um novo dilema. Nesse contexto atual, quem deve assumir a tarefa de formar os valores e princípios da educação das crianças, antes atribuição prioritária da família?
Para a professora e psicopedagoga Isabel Parolin, a estrutura familiar pode ter mudado, mas não suas responsabilidades. Isabel, que é autora do livro: “Quem tem tempo de educar?” garante que o grande problema não é a falta de tempo, mas a falta de clareza e autoridade dos adultos, o que provoca desperdício de um tempo valioso na educação e no desenvolvimento de crianças e jovens.
A autora revela que essa questão do tempo tem um aspecto mais psicológico do que real. Isso pode ser verificado nos diversos e-mails que ela recebe, pedindo sugestões e conselhos sobre como conciliar essa carência de tempo e a educação dos filhos. “Há pessoas que me enviam mensagens enormes, escaneiam documentos, anexam fotos. Fico imaginando o tempo que gastaram e como ele poderia ter sido direcionado à reflexão ou solução do problema” – considera ela.
Mas o fato é que, com essa pseudo falta de tempo, muitos pais acabam transferindo para as escolas e o estado a responsabilidade de cumprir seu papel. As escolas, por sua vez, também cobram dos pais questões que deveriam ser resolvidas pela própria instituição de ensino.
A especialista alerta que, apesar do consenso de que a escola e a família precisam ser parceiras e complementares, há uma falta de clareza das funções de cada uma e a confusão tem alvo certo: as crianças e adolescentes, que demonstram dificuldades e inabilidades para lidar com questões de hierarquia, respeito às diferenças, organização, responsabilidade…
A família mudou
Isabel, autora de diversos livros de educação voltados aos pais e educadores, explica que o núcleo familiar, antes composto pelas figuras do pai, mãe e filhos, hoje está diferente. Um lar hoje pode ser constituído por uma avó, um neto, uma mãe e um tio. “Que seja, isso não é ruim. continua a ser uma família” – afirmou.
O descompasso, segundo ela, acontece porque, mesmo com a mudança na organização familiar, suas obrigações precisam ser mantidas. “São três os papéis da família: provedor (sustento), cuidador e autoridade. Não importa quais os membros que assumirão ou acumularão essas funções, mas elas precisam estar presentes” – garantiu a psicopedagoga.
Segundo ela, diante da realidade atual, a escola, que sempre foi uma instituição educadora, também passou a ser exigida como formadora de valores, o que não é ainda uma prática comum e que também jamais isentará a família do intransferível papel de educar seus filhos. Na era do conhecimento e da aprendizagem, espera-se das escolas a construção de instrumentos que viabilizem ao aluno o bom convívio social e o essencial exercício da cidadania. “Sendo assim, a escola também precisa assumir o papel que lhe cabe, de filtrar informações, promover o conhecimento e favorecer a socialização e os relacionamentos” – disse.
Empurra-empurra
O que a especialista constata nas palestras que profere e nos atendimentos clínicos é um jogo de empurra-empurra, a escola responsabilizando a família por questões que ela própria deveria solucionar. “Um exemplo é cobrar dos pais, quando o aluno não faz a lição de casa. Ou ainda chamar os responsáveis pelo aluno para resolverem problemas de descumprimento das regras escolares” – explicou. Ela salienta que essas questões dizem respeito ao aluno e, portanto, devem ser resolvidas pela escola. O inverso também ocorre. Cita como exemplo, o caso de uma criança que estava sofrendo com a separação dos pais e que se recusou a vestir o uniforme da escola. A avó o levou à escola sem uniforme e pediu que a professora intercedesse junto à criança para que a mesma o utilizasse. “Isso deveria ser resolvido no âmbito familiar e não pela escola” – esclareceu.
Entendendo os papéis
Conforme a psicopedagoga, há uma dificuldade de refletir sobre os papéis que cabem a cada instituição. A escola tem caráter público, atende a um grupo. Enquanto que a família tem conotação particular. “O aluno é responsabilidade da escola e o filho, da família”.
Numa longa lista de exemplos, há ainda os casos de inversões de critérios como o pai que reclama da escola, que instituiu a recuperação aos sábados, alegando que este é o único dia que ele tem para dormir um pouco mais. “Ele deveria reclamar é com o filho que precisa de recuperação e o fará acordar no sábado, cedo”. Há também os casos de mães que levam os filhos atrasados à escola, justificando que a culpa não é da criança, mas dela. “Ela não é a aluna. Quem deve se justificar com a escola é a criança, porque dessa forma irá criar responsabilidade e cobrar da mãe o cumprimento dos horários.” – explicou.
Isabel analisa que, com a desculpa da falta de tempo, não há espaço também para refletir sobre as ações. Assim, o grande volume e a rapidez das informações disponíveis, fizeram surgir a figura do “homem light”, que recebe uma enorme carga de informações gerais, através dos meios de comunicação, mas que tem um conhecimento superficial sobre os assuntos e não se mostra preparado nem confiante para discernir sobre questões importantes como seu papel na educação dos filhos.
Adaptação às mudanças
Mas nem tudo está perdido; a especialista é otimista e concorda que as transformações foram realmente muito rápidas e geraram esses desajustes, mas que a grande procura e o questionamento das famílias e da escola para abordar essas questões mostram um desconforto da sociedade que já dá sinais de entendimento de que é hora de encontrar soluções de adaptação ao novo contexto da vida moderna.