POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Nascido em Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1900, formou-se bacharel em Ciências e Letras e posteriormente mestre em Ciências Sociais pela Columbia University de Nova Iorque, realizando doutorado em diversas instituições no decorrer da carreira.
Sua principal obra foi publicada em 1933: “Casa-grande & Senzala”, livro que revolucionou a intelectualidade da época ao apresentar novos conceitos sobre a formação da sociedade brasileira, considerando a mistura de “três raças”: índios, africanos e portugueses.
Durante o período de estudos na universidade americana, Freyre teve contato com o antropólogo Franz Boas, que viria a ser a principal referência na elaboração de uma linha de pensamento que diferenciava raça e cultura, separava herança cultural de herança étnica e considerava o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro.
Hoje, mesmo tendo aspectos de sua obra criticados (veja abaixo), Gilberto Freyre ainda inspira estudos e conquista admiradores.
Ele foi tema de exposição majestosa no Museu da Língua Portuguesa, entre novembro de 2007 e maio de 2008, que reuniu acervo da Fundação que leva seu nome, criada meses antes de sua morte, ocorrida em 18 de julho de 1987. E, no ano passado, foi tema do livro “Gilberto Freyre-Social theory in the tropics”, lançado pelo conhecido historiador da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Peter Burke e sua mulher, a brasileira Maria Lúcia Garcia Palhares Burke, do Centro de Estudos Latino-americanos da mesma universidade. A obra situa-o em seu contexto cultural e político, sem ocultar as críticas, mas reconhecendo também suas enormes contribuições à compreensão da sociedade brasileira.
Mas, afinal, quais são essas contribuições?
Certamente são muitas, mas destaca-se, no aspecto da historiografia, a maneira inovadora de considerar a história, não por meio de grandes feitos, mas sim pela análise da vida cotidiana, incluindo-se aí relatos orais e documentos manuscritos.
Teria sido ele, então, um dos primeiros a pensar em “patrimônio imaterial”? Muitos acreditam que sim. “Ele foi o precursor do conceito de patrimônio imaterial, conceito este que se concretizou com enorme sucesso”, afirmouAntonio Carlos Sartini, superintendente-executivo do Museu da Língua Portuguesa, no site da Fundação Gilberto Freyre.
Outra contribuição da obra de Freyre foi a tentativa de desmistificar a noção de determinação racial na formação de um povo, apontando a miscigenação conferida no país como elemento positivo.
Em “Casa-Grande”, o papel de índios e negros na formação do povo brasileiro évalorizada de forma praticamente inédita.
Autor não é unanimidade
Mesmo tendo alcançado sucesso dentro e fora do país, as ideias defendidas por Gilberto Freyre não são unanimidade.
Membro da classe dominante pernambucana (o pai era juiz de Direito e catedrático de Economia política da Faculdade de Direito do Recife, e o avô senhor de engenho), é por vezes acusado de manter postura elitista, mostrando-se benevolente com a escravidão, na qual via consequências positivas do ponto de vista cultural, no contato de brancos e negros.
Apesar do termo nunca ter aparecido em sua obra, seus estudos foram interpretados como defensores da miscigenação como mecanismo desencadeador da “democracia racial”.
Outros estudiosos da época, porém, refutavam esta ideia, ressaltando a injustiça e violência do regime escravista, no qual não vinham qualquer ponto positivo. Era o caso do sociólogo paulista Florestan Fernandes.
No ponto de vista defendido por Florestan, não há igualdade racial no Brasil e a miscigenação é um mecanismo, não de ascensão social para negros e mulatos, mas, ao contrário, que promove a hegemonia da raça dominante.
O embate de ideias dava-se porque, enquanto Freyre baseava-se na escola culturalista da antropologia de Franz Boas, Florestan utilizava o método histórico dialético de Karl Marx.
A discussão continua, mas não diminui a importância do legado de Gilberto Freyre, ainda considerado um dos melhores “intérpretes do Brasil”.
Depoimentos
“E então apareceu Casa-Grande & Senzala. Saíamos do terreno da ficção, da pura criação literária, agora abria-se um nôvo caminho para o estudo, para a ciência. Foi uma explosão, um fato nôvo, alguma coisa como ainda não possuíamos e houve de imediato uma consciência de que crescêramos e estávamos mais capazes. Quem não viveu aquêle tempo não pode realmente imaginar sua beleza. Como um deslumbramento. Assisti e participei dêsses acontecimentos, posso dar testemunho. O livro de Gilberto, foi fundamental para tôda a transformação sofrida no país, verdadeira alavanca. O abalo produzido na opinião pública por CasaGrande & Senzala foi decisivo. Uma época começava no Brasil, o aparecimento de tal livro era a melhor das provas”.
Jorge Amado
“Felizmente o Brasil futuro não vai ser o que os velhoshistoriadores disseram e os de hoje repetem. Vai ser o que Gilberto Freyre disser. A grande vingança dos gênios é essa”.
Monteiro Lobato
“O que o Brasil e os brasileiros devem a Gilberto Freyre poderia ser definido como tomada de consciência histórica. Através da interpretação gilbertiana, o Brasil ‘reconhece-se’ e foi ‘reconhecido’ pelo mundo, o que é, por sua vez, um fato decisivo, uma data na história brasileira”.
Otto Maria Carpeaux
Fonte: Biblioteca Virtual – Fundação Gilberto Freyre – http://bvgf.fgf.org.br/
FICHA
Gilberto de Mello Freyre
Nasceu no Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1900, filho do Dr. Alfredo Freyre – educador, Juiz de Direito e catedrático de Economia Política da Faculdade de Direito do Recife – e Francisca de Mello Freyre.
Sociólogo, antropólogo, escritor, pioneiro da Antropologia Cultural Moderna Brasileira com a obra “Casa-grande & Senzala”.
Foi doutor pelas Universidades de Paris (Sorbonne), Colúmbia (EUA), Coimbra (Portugal), Sussex (Inglaterra) e Münster (Alemanha). Em 1971, a Rainha Elizabeth lhe conferiu o título de Sir (Cavaleiro do Império Britânico).
Obras:
Casa-Grande & Senzala, 1933.
Sobrados e Mucambos, 1936.
Nordeste: Aspectos da Influência da Cana Sobre a Vida e a Paisagem…, 1937.
Assucar, 1939.
Olinda, 1939.
O mundo que o português criou, 1940.
A história de um engenheiro francês no Brasil,1941.
Problemas brasileiros de antropologia, 1943.
Sociologia, 1945.
Interpretação do Brasil, 1947.
Ingleses no Brasil, 1948.
Ordem e Progresso, 1957.
O Recife sim, Recife não, 1960.
Vida social no Brasil nos meados do século XIX, (1964).
Brasis, Brasil e Brasília, 1968.
O brasileiro entre os outros hispanos, 1975.
Influências
Franz Boas (18598-1942) – crítico feroz dos determinismos biológicos e geográficos. Apontava que cada cultura é uma unidade integrada, fruto de um desenvolvimento histórico peculiar. Dentre suas obras principais, destacam-se: “The Mind of Primitive Man”, 1938 (A Mente do Homem Primitivo), e “Race, Language and Culture”, 1940 (Raça, Linguagem e Cultura).