Reaprender a andar ele cumpriu, num processo lento e de sofrimento. Quanto à vida de limitações, nem pensar. Por orientação médica, começou a se envolver com atividades físicas para obter condicionamento. Iniciou caminhadas com muletas, passou às corridas de até 15km, praticou ginástica em academia, patinação, natação, surfe, frescobol, futebol, caça submarina e tornou-se mergulhador pro?ssional.
A partir de 1984, descobriu a bicicleta como forma de lazer e, daí para as corridas de ciclismo e de mountain bike, sua grande paixão, foram poucos passos, aliás, muitas pedaladas. Alarico mantém um ritmo intenso de treinamento, utilizando a bicicleta como meio de transporte e estilo de vida. Pedala diariamente cerca de 70 km. “Em 1994, ?liei-me à Confederação Brasileira de Ciclismo e à Federação Estadual de Ciclismo e passei a participar o?cialmente de vários eventos de ciclismo, dando início assim a uma série de conquistas”. Um detalhe é que não participava como de?ciente físico, ele competia com atletas que tinham as duas pernas, na categoria sênior.
Ele coleciona não apenas vitórias esportivas. Entre os troféus e medalhas que forram sua prateleira, estão histórias e prêmios muito mais valiosos. O envolvimento com o esporte, que por si só já agrega a inerente condição de superação, acabou despertando a atenção das pessoas por onde passava.
Seu temperamento ajuda nesse sentido. Extrovertido e brincalhão, Ala impressiona por sua vitalidade e determinação. “Fui tomando, lentamente, a consciência de que podia de alguma forma, com a minha deficiência física e postura positiva diante da vida, influenciar e beneficiar outras pessoas.” – disse ele.
Isso foi se tornando evidente durante os passeios e treinos, pelas ruas e praias cariocas. “Pedalando com uma única perna, chamava a atenção dos que passavam e comecei a ser parado na rua por desconhecidos que pediam minha ajuda. Solicitavam que eu conversasse com parentes e amigos que passavam por momentos difíceis de reabilitação, recuperação de doenças ou depressão” – contou ele.
E mesmo que no começo, sem se dar conta, apenas vivendo intensamente, praticando atividades físicas e exercitando os mais difíceis exercícios que são o bom humor e o otimismo constante, Alá serve de estímulo e motivação para muitos. “Ouvi uma vez um depoimento que me marcou profundamente. Fui da minha casa na Ilha do Governador até a Barra, de bicicleta (cerca de 100 km). E parei para descansar em um lugar que sempre frequento. Um senhor, taxista, se aproximou, puxou conversa e me disse que há muitos anos me via por ali, praticando esportes. Ele relatou que um há tempo passou por um momento de grande depressão e que só não fez nenhuma besteira porque, na hora, lembrou de mim. Me dei conta da responsabilidade e da in?uência que exercemos simplesmente pelo modo como vivemos” – disse.
Quem conhece Ala percebe, com nitidez, sua alegria de vida que permite, inclusive, que brinque com sua condição. “Sou um mutante, como o Volverine” – relata ele, seguido de uma gargalhada.
Ele diz que agradece a Deus por tudo que lhe aconteceu, pois sua de?ciência lhe permitiu enxergar de outro modo a vida. “Antes, eu era uma pessoa sem noção. Não tinha responsabilidade com nada, com o próximo, com o meio ambiente, com a família. Quando me vi na condição de de?ciente físico, descobri o grande poder que possuo como ser humano. Todos nós somos importantes para o mundo. Hoje, só peço a Deus que me ajude a corrigir meus inúmeros defeitos” – afirmou ele.
Alá é um homem de muitas habilidades, é heptacampeão carioca de mountain bike. Foi ainda seis vezes campeão brasileiro e um dos escolhidos para carregar a tocha dos Jogos Parapanamericanos, disputados no Rio de Janeiro em 2007. É também diretor paradesportivo da Federação de Ciclismo do Estado do Rio de Janeiro (Facierj). Dentre suas atividades diárias, está a de artista plástico autodidata e premiado.
Umas das suas mais importantes atuações é a de ativista da responsabilidade social, voluntário em uma instituição filantrópica, o GEID – Grupo Espírita Irmão Demetrius – que ampara cem famílias cadastradas com cesta básica, visitas a asilos e hospitais e amparo a moradores de rua. “A vida me ensinou que há tempo para tudo, para cuidar do corpo, da mente e também do nosso próximo”.
Muito requisitado para ministrar palestras motivacionais sobre superação e transformação do homem, ele fala e se movimenta com desprendimento diante do público, por até 3h consecutivas. Se esse vigor e exemplo não motivarem os expectadores, o que o fará?
“Em vez de sofrer e de me lamentar, agradeço a Deus pela vida fantástica que eu tenho. Ser diferente é normal. Eu acordo muito feliz para a minha rotina de trabalho, porque eu levanto da cama todos os dias com o pé direito” – concluiu o bem-humorado Alarico.