A quantidade de pessoas de 60 anos ou mais que vivem na América Latina e no Caribe aumentará de 42 milhões, no ano 2000, para 100 milhões, em 2025, e 190 milhões, em 2050. Em 2000, estes idosos representavam 8% da população total (um idoso para 12 pessoas). Já em 2025, serão 14%, ou seja, teremos um idoso para cada sete pessoas da região.
O envelhecimento é muito mais que cifras ou percentuais. Os idosos trazem desa?os para a saúde, previdência e assistência social, economia e todos os demais segmentos. Neste espaço, iremos abordar as questões relacionadas à saúde, enfoque central de nosso estudo. Os dados estatísticos apresentados foram colhidos do informe “El estado de envejecimiento y salud em America Latina y el Caribe”, publicado pela Organização Panamericana de Saúde em 2008.
O crescimento da população idosa na América Latina e Caribe dá-se graças aos avanços da medicina, da farmacologia e de ações de saúde pública, em especial a redução da mortalidade infantil e melhoria na qualidade de vida das pessoas, com melhores condições sanitárias, água tratada e até campanhas nacionais de vacinação.
Diferente do que ocorre em países desenvolvidos e industrializados, a explosão na quantidade de idosos se dá em meio de economias frágeis, com crescentes níveis de pobreza e desigualdades sociais e econômicas (que se expandem ao invés de reduzir), além do menor acesso a serviços e recursos ?nanceiros coletivos. Em consequência, teremos em toda a América Latina o aumento do número de pessoas acima dos 60 anos com pior saúde, que apresentam mais incapacidades e enfermidades que os idosos de países desenvolvidos.
Quem são nossos idosos?
Todos os países da América envelhecem de maneira acelerada. Entretanto, na América Latina e no Caribe, esta transição não está associada ao crescimento econômico favorável, como acontece em países desenvolvidos. Se envelhece demogra?camente, sendo pobre economicamente. Quase 50% dos idosos entrevistados na pesquisa SABE disseram não possuir recursos econômicos para satisfazer suas necessidades diárias, um terço não é aposentado, não recebe auxílio governamental nem exerce trabalho remunerado. Os níveis de escolaridade são mais baixos que da maioria da população, com níveis de analfabetismo muito altos. Nos Estados Unidos, 77% das pessoas acima de 65 anos indicam ter boa saúde. Já na América Latina e Caribe, menos de 50% dos idosos acima de 60 anos dizem ter boa saúde e as mulheres a?rmam ter pior saúde que os homens. Na América Latina e Caribe, 20 % dos idosos tem afetada a capacidade funcional básica, que exige cuidados permanentes em suas residências ou em instituições.
Cerca de 60% dos idosos da America Latina e Caribe são mulheres. A maioria vive em áreas urbanas e possui educação primária. Os 40% de homens idosos ainda trabalham, enquanto somente 8% das mulheres possuem algum emprego remunerado. Uma proporção maior de mulheres que de homens vive na companhia de um ?lho ou outro parente. O per?l dos idosos na America Latina varia em cada região, conforme descrito abaixo:
• Países Andinos: A quantidade de idosos duplicará em duas décadas e possuem grande percentual de idosos que vivem em zonas rurais e indígenas, com alto índice de analfabetismo.
• América Central, Caribe hispano e Haiti: Nestes países, há grandes contrastes na velocidade e crescimento no número de idosos, como Cuba e Porto Rico, que possuem 14% da população com mais de 60 anos, enquanto Guatemala e Honduras possuem apenas 5%. Cuba terá até, o ano de 2025, mais idosos que crianças commenos de 15 anos. As enfermidades nutricionais e metabólicas se constituirão no principal risco de morbidade nesta região.
• Caribe anglo e Antilhas Holandesas: Terão uma das taxas de envelhecimento mais rápidas do hemisfério. Em Barbados e Martinica já há um idoso por cada criança menor de 15 anos. Teremos pelo menos três países da região com mais idosos que crianças, que sofrem grandes impactos com a migração das pessoas mais jovens. Idosas passam a ser responsáveis pela educação e cuidado dos netos com cada vez menos sistemas de apoio familiar e social.
• Cone Sul e México: Esta região conta com dois terços da população de idosos de toda a América Latina. Só Brasil e México possuem 50% de todos os idosos da região. Nas próximas duas décadas, a região terá um idoso por cada criança menor de 15 anos. Em torno de 90% dos
idosos vivem em áreas urbanas.
Fonte dos índices: NU (2002) Envejecimiento de la población mundial 1950-2050
Saúde dos idosos
Em toda a América Latina e Caribe, a esperança de vida está aumentando signi?cativamente na última metade do século XX. A enfermidade cardiovascular é a principal causa de morte prematura em pessoas acima de 60 anos. Sua prevenção produzirá maior impacto sobre o aumentona expectativa de vida. O câncer é a segunda principal causa de morte de idosos.
O desa?o da saúde pública para as próximas décadas é complexo. Por um lado, deve-se diminuir a taxa de mortalidade prematura por enfermidades cardiovasculares. De forma simultânea, espera-se encontrar formas de melhorar a saúde e a qualidade de vida dos idosos naqueles anos ganhos depois dos 60 anos.
• Riscos de morrer por enfermidades transmissíveis: houve redução entre os idosos.
• Risco de morrer por câncer: O câncer é a segunda causa de morte na América Latina e Caribe, com prevalência do câncer de próstata e de mama.
• Risco de morrer por enfermidades do sistema circulatório: é a principal causa de morte prematura de idosos.
• Risco de morrer por causas externas: Acidentes de trânsito, homicídios e suicídios são as principais causas externas de morte para os homens. As idosas apresentam maior risco de morte após sofrerem quedas em ruas e transportes coletivos.
• Outras causas: morte decorrente de diabetes mellitus cresce entre homens e mulheres, a menos que se reduza a taxa de obesidade e sedentarismo entre idosos. Enfermidades pulmonares e câncer de pulmão ainda são importantes causa de morte entre idosos que fumam e/ou fumaram.
Barreiras para Promoção da Saúde
Os idosos enfrentam inúmeras barreiras para os serviços de saúde, incluída a pobreza, a falta de informação e falta de pro?ssionais devidamente capacitados. Um dos objetivos é motivá-los a adotar estilos de vida saudáveis.
• Barreiras relacionadas com as políticas: Faltam na ALC políticas que de?nam e garantam explicitamente ao idoso o acesso a serviços de saúde adequados. Também há falta de planos nacionais para desenvolver pro?ssionais capacitados em aspectos básicos da medicina geriátrica.
• Barreiras relacionadas com pro?ssionais de saúde: Lamentavelmente os pro?ssionais de atenção à saúde não recebem capacitação adequada acerca do envelhecimento. Muitos médicos crêem equivocadamente que enfermidades crônicas, dor e incapacidades são consequências do envelhecimento e deixam de aconselhar, tratar e controlar os problemas de saúde apresentados pelos idosos.
• Barreiras relacionadas com pacientes: Há uma generalizada falta de informação sobre a saúde e crenças culturais relacionadas com a saúde e enfermidades de idosos. Deste modo, os estereótipos de envelhecimento são assumidos pela sociedade. Há necessidade de motivar os idosos para mudança de hábitos, comportamentos e crenças. Isto se obtém através de estratégias de informação, comunicação e educação que promovam estilos de vida saudável.
Novos pro?ssionais de atenção a saúde
Os idosos enfrentam condições de saúde e desa?os únicos. Lamentavelmente a maioria dos prestadores de serviço não está capacitada para reconhecer as necessidades de saúde dos idosos. Há um vazio entre o que os pro?ssionais sabem e o que necessitam saber para prestar um tratamento digno aos idosos. Há pesquisas que comprovam que a pessoa acima de 60 anos que recebe atendimento adequado apresenta melhor qualidade de vida que os demais.
Somente 14% das escolas de medicina na América Latina e Caribe possuem quali?cação em Geriatria e menos de 2% dos programas de estudos avançados em enfermaria possuem docentes em tempo integral capacitado em enfermaria geriátrica. A inclusão da disciplina de Geriatria em todas as escolas de Medicina da América Latina seria uma decisão acertada a ?m de preparar os novos pro?ssionais para esta demanda social.
A grande maioria dos pro?ssionais de saúde não está capacitada para reconhecer as necessidades de saúde dos idosos. Os problemas relacionados com os medicamentos, incluída a administração de doses inadequadas e as reações adversas, são frequentes. Do mesmo modo existem muitos pro?ssionais sem capacitação para distinguir entre enfermidade e de?ciência derivada das mudanças ?siológicas normais relacionadas ao envelhecimento. Em geral, os médicos consideram condições, como perda da memória e incontinência, efeitos colaterais normais do envelhecimento, enquanto poderiam prevenir e até melhorar estas condições caso tivessem feito a intervenção e orientação adequadas.
Para isso, é necessário oferecer serviços de saúde adequados e necessários aos idosos, assim como implementar programas com protocolo de?nido de serviços de prevenção e tratamento para prestação de serviços primários de saúde para idosos. Deve-se garantir que o idoso tenha na rede de saúde pública o pro?ssional especializado em atenção de saúde, capacitado em conceitos e habilidades básicas de medicina geriátrica.
Indígenas e Negros
Na América Latina e no Caribe, existem entre 33 e 40 milhões de indígenas divididos entre 400 grupos étnicos, cada um com seu idioma, sua organização social, seu sistema econômico e modelo de produção adaptado ao seu ecossistema. Cinco países agrupam quase 90% da população indígena regional: Perú (27%), México (26%), Guatemala (15%), Bolívia (12%) e Equador (8%).
A população negra e mestiça afro-latina e afro-caribenha da região alcançam 150 milhões de pessoas, o que signi?ca em torno de 30% da população total da região. Com relação a sua localização geográ?ca, estão especialmente no Brasil (50%), Colômbia (20%) e Venezuela (10%).
Negros e indígenas trazem consigo séculos de exclusão e dominação, apresentam os piores indicadores econômicos e sociais e tem escasso reconhecimento cultural e acesso a instâncias decisórias. Ademais, a discriminação étnica e racial também está na base dos sentimentos xenofóbicos em todos os países da América Latina. Tal discriminação se transfere ao outro estrangeiro, sobre tudo se não é branco, e migra de países caracterizados por uma maior densidade de população indígena, afrolatina ou afro-caribenha.
Censo de 2010
No censo de 1980, o Brasil apresentava 55% de pessoas brancas, 38,6% eram pardos e apenas 5,8% identi?cavam-se como sendo pretos. Este era o re?exo sobre como as pessoas negras se vêem em ambientes ideológicos e discriminatórios. No ano de 1990, o Governo lançou a campanha nacional voltada à população negra, que declarasse a sua cor (não deixe sua cor passar em branco). Resultado foi que, no Censo 2001, houve um incremento de 40% na auto-identi?cação de pessoas como negras. A partir disto, movimentos iniciaram a luta por visibilidade e espaços sociais e políticos que resultaram em leis que garantem vagas em universidades públicas, entre outras ações.
O problema de identidade alcança os povos de toda a América Latina e Caribe e trás di?culdades para a construção de indicadores nacionais sobre a condição sócio-econômica da população de origem africana, assim como a indígena. Para que se tenha um estudo demográ?co real, governos de países da ALC pretendem implementar para o Censo 2010 novos modelos que terão entrevistadores indígenas que conheçam os idiomas das tribos, mudança no enfoque de algumas perguntas que incluirão etnias até então “invisíveis” no mapeamento da população Latina e, em especial, na brasileira.
Nota
O estudo SABE (Salud y Bienestar de las Personas Mayores) conduzido pela Fundação PAHO, em colaboração com instituições nacionais e internacionais, realizou pesquisa em mais de 10.000 pessoas, representativos da população com 60 anos ou mais que viviam na comunidade de sete capitais latino-americanas (Buenos Aires, Argentina; Santiago de Chile, Chile; Bridgetown, Barbados; Habana, Cuba; Ciudad de México, México e Montevideo, Uruguay).
* Rosane Magaly Martins, escritora, advogada pós-graduada em Direito Civil, com especialização em Mediação de Con?itos pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Pós-graduada em Gerontologia (FURB/2005) e Gerencia em Saúde para Adultos Maiores (OPS/México) com formação docente em Gerontologia (Comlat/Colômbia). Fundadora e presidente da ONG Instituto AME SUAS RUGAS, participando desde 2007 na Europa e na América Latina de congressos, cursos e especialização que envolve o tema. Organiza a publicação da coleção de livros “Ame suas rugas” lançados no Brasil e em Portugal.
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