POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Considerado um dos ecossistemas mais produtivos do planeta, os manguezais contribuem para a biodiversidade, mas são menosprezados pelos projetos de conservação.
Quando se fala em ecossistemas ameaçados pela ação humana, logo vêm à mente a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica, que sofrem desmatamento acelerado. Menos lembrados são os manguezais, embora tenham importância crucial para a manutenção da vida na costa de forma geral. Considerados um dos ecossistemas mais produtivos do planeta, contribuem para a biodiversidade de relevância mundial, asseguram a integridade ambiental da faixa costeira e são responsáveis pelo fornecimento dos recursos e serviços ambientais que sustentam atividades econômicas. O Brasil abriga a terceira maior área de manguezais do planeta (162 mil km2). Cerca de 26 mil km2 (cerca de 16% do total) estão distribuídos por 16 estados do território brasileiro, desde o Amapá até Laguna, em Santa Catarina, e são a base da biodiversidade no litoral. Em Pernambuco, existem cerca de 270km2, espalhados por Goiana e Megaó, Itapessoca, Jaguaribe, Canal de Santa Cruz, Timbó, Paratibe, Beberibe, Capibaribe, Jaboatão e Pirapama, Massangana e Tatuoca, Ipojuca, Macaraípe, Sirinhaém, Ilhetas e Mamucabas, Uma e Meireles e Persinunga. Na costa do Amapá, Pará e Maranhão, os manguezais chegam a ter 40 quilômetros de largura e suas árvores alcançam mais de 40 metros de altura. Apesar de sua importância, esse ecossistema é cada vez mais vulnerável a uma série de ameaças, tais como a perda e fragmentação da cobertura vegetal, a deterioração da qualidade dos habitats aquáticos, devido, sobretudo, à poluição e à mudanças na hidrodinâmica, o que tem promovido a diminuição na oferta de recursos dos quais muitas comunidades tradicionais e setores dependem diretamente para sobreviver. Outros fatores que causam alterações nas propriedades físicas, químicas e biológicas do manguezal são: aterro e desmatamento; queimadas; deposição de lixo; lançamento de esgoto e de efluentes industriais; dragagens; construções de marinas; pesca predatória. Estima-se que 25% dos manguezais brasileiros tenham sido destruídos desde o começo do século 20. Além disso, muito dos que ainda existem são classificados como vulneráveis ou ameaçados de extinção. A situação é particularmente séria no Nordeste e no Sudeste, que apresentam um grande nível de fragmentação. Estimativas recentes sugerem que cerca de 40% do que foi um dia uma extensão contínua de manguezais foi suprimido. Hoje, no Brasil, a faixa mais ameaçada é a área conhecida como apicum, palavra de origem tupi que significa “brejo de água salgada”. Os apicuns ocorrem geralmente nas regiões onde as marés têm dificuldade em avançar na costa por encontrar terras elevadas. A água que chega a essas terras se evapora rapidamente e o chão acumula tanto sal que nele sobrevive apenas a vegetação rasteira.
Ecossistema-chave Manguezais são inquestionavelmente considerados como uma das organizações mais produtivas do planeta. Na América Tropical, na qualidade de zonas úmidas, são reconhecidos como “ecossistemachave”, cuja preservação é crítica para o funcionamento de outros grupos maiores e mais diversos que se estendem além dos limites de um bosque de mangue. Desempenham importante papel como exportador de matéria orgânica para o estuário, contribuindo para a produtividade primária na zona costeira. Cerca de 70% das espécies de peixes, moluscos e crustáceos pescados comercialmente no litoral brasileiro têm relação com os manguezais em alguma fase de sua vida. É nessa área que encontram as condições ideais para reprodução, berçário, criadouro e abrigo para várias espécies de fauna aquática e terrestre, de valor ecológico e econômico. É comum a coleta dessas espécies que vivem enterradas na lama para o comércio. A manutenção é vital para a subsistência das comunidades pesqueiras que vivem em seu entorno. Esse ecossistema também serve de refúgio para aves migratórias. Os mangues do Maranhão e Pernambuco, e também os da região de Cubatão, no litoral paulista, recebem batuíras e maçaricos, aves típicas do norte do Canadá e Estados Unidos, que se recuperam ali após a longa viagem. A vegetação dessas áreas serve para fixar as terras, impedindo assim a erosão e, ao mesmo tempo, estabilizando a costa. As raízes do mangue funcionam como filtros na retenção dos sedimentos. Constitui, ainda, importante banco genético para a recuperação de áreas degradadas.
Falta de projetos de preservação O manguezal é considerado, no Brasil, área de preservação permanente, incluído em diversos dispositivos constitucionais (Constituição Federal e Constituições Estaduais) e infraconstitucionais (leis, decretos, resoluções, convenções). Mas sua deterioração é também resultado da ausência de iniciativas, em escala nacional, que visem à sua preservação e ao uso sustentável. Durante muito tempo, os únicos trabalhos produzidos sobre o tema eram de cunho científico, com circulação limitada às universidades e com foco em regiões restritas. O primeiro mapeamento nacional foi feito apenas em 2008, pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Um projeto lançado há três anos pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), batizado de Manguezais do Brasil, recebeu financiamento do PNUD, órgão das Nações Unidas que cuida do combate à pobreza e também lida com questões ambientais. Foram escolhidas cinco regiões na costa brasileira, no Pará, Maranhão, Piauí, Paraíba, São Paulo e Paraná, onde serão feitas experiências de gestão e preservação dos recursos. O mapeamento do ecossistema também será atualizado, em parceria com o Ibama e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Espera-se que a iniciativa ajude a preservar os berçários da vida do litoral brasileiro.
Erro conceitual. Em outubro de 2012, a presidente Dilma Rousseff sancionou 32 modificações no Código Florestal. Determinou que os manguezais de todo o País passassem a ser Área de Preservação Permanente (APP) e também vetou os dois parágrafos da lei que permitiam a municípios e estados decidir sobre a proteção de manguezais e dunas. Os vetos da presidente Dilma Rousseff, no entanto, ao Código Florestal não incluíram o trecho da nova lei que tratava da carcinicultura, a técnica de criação de camarões em viveiros. Segundo especialistas, esta falha é desastrosa para o manguezal no Nordeste, que terá 35% de sua área suscetível a aterros para a implantação de fazendas de camarão. No texto aprovado pelo Congresso Nacional em setembro de 2012, que não sofreu interferência do executivo federal, a prática é permitida em até 10% na Amazônia e até 35% nas demais regiões, inclusive no Nordeste, em apicuns. Para especialistas em ecossistema, um erro conceitual possibilitou a abertura de uma “brecha” para parlamentares que defendiam os interesses dos carcinicultores. Devido a esta falha, a crescente conversão de apicuns em viveiros de camarão reduzirá a produtividade dos estuários. Um exemplo claro é quando consideramos o caso de crustáceos como os caranguejos, que fazem as tocas nestes locais, revolvendo o solo e trazendo nutrientes para a superfície. Quando a maré enche, esse material é transportado para o estuário, contribuindo para a manutenção da cadeia alimentar do estuário e dos mares. Além disso, os apicuns, da forma como está no novo Código Florestal, não são considerados Área de Preservação Permanente (APPs), apenas o mangue. Mas o manguezal não é só a floresta de mangue – é nos apicuns que se espraia a água no estuário, na maré alta. Com a ocupação deles, essa água vai invadir as áreas habitadas.
Lixo, caranguejos e urubus o manguezal foi sempre considerado um ambiente pouco atrativo e menosprezado. No passado, as manifestações de aversão eram justificadas, pois a presença do mangue estava intimamente associada à febre amarela e à malária. Embora estas enfermidades já tenham sido controladas, a atitude negativa em relação a este ecossistema perdura em expressões populares em que a palavra mangue adquiriu o sentido de desordem, sujeira ou local suspeito. A destruição gratuita, a poluição doméstica e a química das águas, derramamentos de petróleo e aterros mal planejados são os grandes inimigos do manguezal. Nessas regiões, as condições físicas e químicas existentes são muito variáveis, o que limita os seres vivos que ali habitam e as frequentam. Os solos são formados a partir do depósito de siltes (mineral encontrado em alguns tipos de solos), areia e material coloidal trazidos pelos rios. Estes solos são muito moles e ricos em matéria orgânica em decomposição. Em decorrência, são pobres em oxigênio, totalmente retirado por bactérias que o utilizam para decompor a matéria orgânica. Como o oxigênio está sempre em falta nos solos do mangue, as bactérias se utilizam também do enxofre para processar a decomposição. O fator mais importante e limitante na distribuição dos manguezais é a temperatura. Um fato interessante de se observar é a altura das árvores. Na região Norte, podem alcançar até trinta metros. Na região Sul, dificilmente ultrapassam um metro. Quanto mais próximas da linha do Equador, maiores. As plantas se propagam a partir das plantas filhas, chamadas de propágulos, que se desenvolvem ligadas à planta mãe. Esses propágulos soltam-se e se dispersam pela água, até atingirem um local favorável ao seu desenvolvimento. As plantas típicas do mangue se originaram na região do Oceano Índico e se espalharam a partir daí para todos os manguezais do mundo.
CRIANÇAS E ADOLESCENTES TRABALHAM NA CATA DE CARANGUEJOS
O Porto do Capim é uma comunidade de baixa renda localizada às margens do rio Sanhauá, em João Pessoa, na Paraíba. São cerca de 350 famílias pobres vivendo sob condições precárias, morando em casas simples de alvenaria ou barracos de madeira à beira do mangue. Os moradores, em geral, trabalham em oficinas mecânicas e madeireiras próximas, ou como descarregadores de caminhão, entre outras ocupações. Muitos recebem o Bolsa Família, que, porém, não é suficiente para o sustento das famílias. Na comunidade não há posto de saúde, quadra poliesportiva ou equipamentos culturais. E a única escola pública atende apenas alunos da primeira à quarta série do ensino fundamental. A total ausência de opções de lazer e cultura e a necessidade de complementar a renda se traduzem numa triste realidade que acompanha o Porto do Capim há anos. Crianças e adolescentes passam horas coletando caranguejos-uçás e guaiamuns – outro tipo de caranguejo – nos mangues locais para depois vendê-los para a população da cidade. Durante o ano inteiro, eles armam a ratoeira pela beira do mangue para pegarem o guaiamum e depois comercializarem. Durante a andada do caranguejouçá, há muitas crianças dentro do rio. A andada é o período em que há o acasalamento e a desova dos caranguejos-uçás, o que os leva a ficarem mais tempo fora da toca, tornando-os presas fáceis. A cata desses crustáceos é proibida durante essa época.Os meninos também pegam os caranguejos para comer. Muitas vezes precisam levar alguma comida para casa. Mas Porto do Capim é uma amostra da realidade de um universo muito maior. E um problema também. A atividade em mangues é considerada uma das piores formas de trabalho infantil, de acordo com o decreto presidencial 6.481, de 2008. Segundo o documento, nesse tipo de trabalho, crianças e adolescentes são expostos à umidade e excrementos, ferimentos ocasionados por caranguejos, perfurações e picadas de serpentes. Além disso, podem contrair doenças como rinite, resfriado, bronquite, dermatite, leptospirose e hepatite viral. Por isso, é importante reforçar a fiscalização da incidência de trabalho infantil nos mangues, para que as crianças sejam encaminhadas, por exemplo, ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras), ambos do governo federal.
O MANGUEBEAT E A MANGUETOWN
Um estilo musical muito interessante e cheio de ideias inovadoras surgiu no Recife por volta dos anos 1990: o Manguebeat (algo como “ritmo do mangue”, “batida do mangue”). Uma mistura de rock, hip hop e música eletrônica, quase uma música de contestação, para protestar sobre o descaso sofrido pela cultura local, a desigualdade entre as pessoas e também sobre o abandono sofrido pelo mangue. Apesar das raízes do Manguebeat existirem desde a década de 70, com discos do guitarrista Robertinho de Recife, o estilo foi associado à figura do músico Chico Science (1966-1997), que era vocalista da banda Nação Zumbi, em atividade até os dias de hoje. Mesmo depois da morte de Chico Science, o movimento continua vivo e forte, sempre ligado ao seu papel social e representado por bandas como Mundo Livre S/A, Nação Zumbi, Sheik Tosado e Eddie. Inclusive, muitas homenagens foram prestadas a esse ritmo tão especial, como é o caso da estátua do caranguejo – animal símbolo do movimento – construída na rua da Aurora, bairro do Recife.
PROJETO MANGUEZAIS DO BRASIL
O Projeto Manguezais do Brasil foi criado pelo Ministério do Meio Ambiente com o objetivo de melhorar a capacidade do Brasil de promover a efetiva conservação e uso sustentável dos recursos em ecossistemas manguezais, baseado no fortalecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e na designação de áreas de preservação permanente a todos os manguezais do Brasil. O projeto é executado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade que, para cumprir tal objetivo, busca elaborar uma estratégia de gestão de áreas protegidas para a conservação efetiva de uma amostra representativa dos ecossistemas manguezais no Brasil.
UTILIZAÇÃO SUSTENTÁVEL DOS MANGUEZAIS
Muitas atividades podem ser desenvolvidas no manguezal sem lhe causar prejuízos ou danos, entre elas:
• Pesca esportiva e de subsistência, evitando a sobrepesca, a pesca de pós-larva, de juvenis e de fêmeas ovadas
• Cultivo de ostras
• Cultivo de plantas ornamentais (orquídeas e bromélias)
• Criação de abelhas para a produção de mel
• Desenvolvimento de atividades turísticas, recreativas, educacionais e pesquisa científica.