POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Verdadeiros indicadores dos impactos ambientais, os vagalumes estão sumindo – e com eles uma série de aplicações biotecnológicas e medicinais.
A lembrança de noites pontuadas por potes brilhantes, cheios de vagalumes, não é rara entre brasileiros de gerações passadas. Os mais jovens, no entanto, não tiveram tanta sorte – é cada vez mais difícil presenciar o espetáculo luminoso dos insetos, afugentados pelas luzes urbanas e pela degradação ambiental de biomas em todo o país. A constatação faz parte de uma pesquisa coordenada pelo professor Vadim Viviani, do grupo de Bioluminescência e Biofotônica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no campus de Sorocaba (SP). Há cerca de 24 anos, o grupo visita periodicamente a região do Parque Nacional das Emas, no sudoeste do Estado de Goiás, que preserva uma parte do Cerrado e abriga diversas espécies de fauna e flora ameaçadas de extinção. Segundo o professor, o desaparecimento dos insetos indica sutilmente um problema muito maior. “Belezas naturais, ícones da diversidade brasileira correm risco de extinção. Por conta da degradação ambiental, que é muito grande. ” Engana-se quem imagina que a deterioração citada é fruto de desmatamentos e queimadas, somente. Viviani explica que plantações, principalmente de soja, tomaram enormes áreas que até então eram pastagens ou habitats naturais – o caso Mata Atlântica, um dos ecossistemas mais ricos em vaga-lumes no mundo. Ele estima que o dano já se estenda até o norte de Tocantins e acredita que o uso de pesticidas, herbicidas e outras substâncias químicas utilizadas nas lavouras também contribuiu para a extinção silenciosa de algumas espécies. Tal desequilíbrio abala não só a natureza, mas os cientistas e pesquisadores – e isso tem a ver com o potencial de aplicação da luciferase, a enzima responsável pela emissão de luz dos vaga-lumes, desde o estágio larval até o adulto. O processo que gera luz é o mesmo em quase todos os animais bioluminescentes: a luciferase oxidar a proteína luciferina, o que emite fótons de luz – como se fosse um processo inverso da fotossíntese. A substância funciona como um biossensor, se “apagando” se exposta a toxinas, por exemplo, e tornando mais fácil a detecção de agentes microbicidas e crescimento celular. Esta última aplicação é uma das mais promissoras, pois torna possível o estudo e acompanhamento de vários tipos de câncer. Hoje, o interesse é descobrir ainda mais detalhes sobre o mecanismo de funcionamento das enzimas relacionadas com a bioluminescência para tentar modificá-las para torná-las ainda mais aplicáveis do que já são. Conforme a redução da diversidade de espécies, o leque de possibilidades de descobertas e melhorias biotecnológicas vai se fechando. “Precisamos preservar o meio ambiente por também sermos parte dele, e não só para tirarmos proveito do que ele nos oferece”, ressalta o professor. Ele ainda explica que, embora existam vários estudos sobre bioluminescência em outros países, aqui no Brasil poucos sabem da importância das moléculas de vaga-lumes para a biomedicina e biotecnologia atual. Esse fator faz coro aos efeitos da iluminação artificial, que também prejudica a manutenção dessas espécies. É que a iluminação pública, cada vez mais generosa e potente, literalmente apaga o lampejo emitido para atrair o parceiro para o acasalamento. No livro Antes que os vaga-lumes desapareçam, o pesquisador Alessandro Barghini, do Instituto de Eletrotécnica e Energia e do Laboratório de Estudos Evolutivos do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP), conta que os vagalumes “desligam” a luz quando o nível de iluminação ambiente é superior a 0,5 lux – a mesma medida da intensidade luminosa que muitas câmeras fotográficas exigem para capturar imagens ou vídeos com o mínimo de qualidade. Com isso, a reprodução é diretamente ameaçada e a população dos insetos definha.
Nem tudo que brilha é ouro
No Brasil, os seres luminosos são na maioria terrestres. Além dos vagalumes, existem fungos que emitem uma luz constante devido a reações químicas que dependem sempre da presença de oxigênio. Tais organismos são estudados por uma equipe de pesquisadores do Laboratório de Bioluminescência de Fungos, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). O grupo, investiga o mecanismo de bioluminescência, substâncias bioativas em extratos dos cogumelos, o desenvolvimento de bioensaios ecotoxicológicos, a biorremediação de solos contaminados e a biodegradação de resíduos industriais. Em geral, as espécies de fungos bioluminescentes ocorrem em ambientes florestais úmidos, pois dependem da umidade para se alimentar, crescer e reproduzir daí o motivo de muitos estarem na América do Sul. A bioluminescência dos fungos pode servir para defesa (alertar predadores ou atrair predadores de animais fungívoros) e para atrair insetos noturnos, que auxiliam na dispersão dos esporos – que podem germinar e originar outro fungo. Apesar de desempenhar funções indispensáveis ao funcionamento de ecossistemas terrestres (como a decomposição de matéria orgânica morta, por exemplo), os fungos ainda estão dentre os organismos menos conhecidos do mundo ainda não se sabe muito sobre o mecanismo das reações químicas associadas a esse processo, nem por que ele ocorre. Edith Widder, pesquisadora da Associação de Pesquisa e Conservação de Oceanos Fort Pierce, nos Estados Unidos, publicou um artigo em maio na revista Science com um foco especial nos animais marinhos. Apesar de ainda ser difícil detectar esses animais (pois exigem técnicas como a iluminação infravermelha), 700 gêneros bioluminescentes já foram registrados e 80% deles são encontrados no oceano. Por conta do ambiente em que vivem, a cor mais frequente na bioluminescência desses animais é o azul, seguida pelo verde, violeta, amarelo e laranja, além de outros espectros de cor imperceptíveis ao olho humano. Os motivos são basicamente os mesmos: conseguir alimento, achar um par e auxiliar na defesa, que pode ser uma camuflagem ou a exalação de partículas luminosas que despistam ou cegam o predador. Algumas das espécies marinhas bioluminescentes conhecidas incluem o peixe-lanterna (Symbolophorus barnardi), cujos olhos são iluminados, o krill-do-norte (Meganyctiphanes norvegica), parecido com um camarão, ou o polvo-sugador-brilhante (Syrtensis stauroteuthis), que lembra uma medusa.
Qualquer semelhança não é mera coincidência
Se você já assistiu Avatar, vai saber do que estou falando. Em um primeiro momento, as imagens panorâmicas de bioluminescência em Pandora são hipnotizantes – nivelamos este tipo de beleza, nunca visto antes, a um sonho bom que alguém sonhou.
Mas o que realmente surpreende é redescobrir a bioluminescência sob formas que existem aqui – e se não dá mais shows de cor e brilho é por motivos que vão do obstáculo tecnológico de captura de imagens até o pouco conhecimento do assunto, como pesquisadores citam acima. O próprio Vadim Viviani, professor da UFSCar, reconhece a semelhança. “Certamente os produtores do filme consultaram especialistas em bioluminescência.”