POR – WWF BRASIL
Ver golfinhos na Baía de Guanabara é uma experiência única. Agora imagina um grupo de mais de 30 indivíduos pescando e se divertindo nas águas do Rio de Janeiro? Pois é assim que tem sido o trabalho de monitoramento de cetáceos do projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro.
Parceria entre o Programa Marinho do WWF-Brasil com o Instituto Mar Adentro, o projeto nasceu em 2016 e acompanha, por meio de saída de campos frequentes, o comportamento de diferentes espécies de baleias e golfinhos na região do Monumento Natural das Ilhas Cagarras e áreas adjacentes. O trabalho também conta com o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica.
Desde o início do trabalho, foram 48 saídas de campo com mais de 2.500 km percorridos e cerca de 320 horas de esforços de observação. A equipe, coordenada pela pesquisadora Liliane Lodi, fez 52 registros de avistagens, além de um encalhe. Ao todo, foram monitoradas três espécies de cetáceos: os golfinhos-de-dentes-rugosos, os golfinhos-flíper e as baleias-jubartes.
“O saldo é bastante positivo, já que o período de estudo foi curto em se tratando de animais que possuem extensas áreas de vida e que estão em constante movimento. Além disso, nesse tipo de trabalho, dependemos das condições ambientais para estar no mar”, comenta Liliane.
Para ela, o mais satisfatório do trabalho foi ver que a espécie golfinho-de-dentes-rugosos é bastante frequente no Rio de Janeiro. Entre julho de 2016 e agosto de 2017, 64 novos indivíduos da espécie foram identificados. Ao todo, o catálogo conta com um total de 113 indivíduos.
Entre março e agosto de 2017, as avistagens desse tipo de golfinho foram ainda mais constantes na baía de Guanabara, sendo visto da praia até a ponte Rio-Niterói, em uma área de cerca de 7km da entrada para o interior da baía, fato até então inédito com relação à frequência de registros do animal na região. Em todas as avistagens, os golfinhos-de-dentes-rugosos estavam em comportamento de pesca, algumas vezes em associação com aves marinhas, como o atobá-marrom e a fragata.
“Uma alta frequência de reavistagens (52,6%) de indivíduos identificados por marcas naturais sugere que a maioria dos golfinhos-de-dentes-rugosos foto-identificados apresentam alta fidelidade de área e residência”, explica a pesquisadora, que utiliza as marcas naturais do dorso do animal para diferenciar um indivíduo do outro.
Em julho de 2015, outra espécie foi avistada no arquipélago das Ilhas Cagarras após quatro anos de ausência: os golfinhos-flíper, um dos cetáceos mais simpáticos. Em 2016 mais cinco avistagens foram realizadas de cinco animais identificados em anos anteriores, incluindo um indivíduo que não era visto no arquipélago há 10 anos!
“O possível retorno dos golfinhos-flíper merece atenção especial porque se trata de uma unidade social com características únicas, dentre elas sua ocorrência exclusiva no inverno e na primavera, além do alto número de filhotes nos grupos”, comenta Liliane.
Os dados obtidos pelo projeto estão auxiliando na identificação e descrição de dois ecótipos ou formas geográficas do golfinho-flíper no Atlântico Sul Ocidental, graças às diferenças morfológicas externas e de coloração do animal.
A ocorrência dos dois ecótipos no Brasil foi o principal tema de discussão do II Encontro Internacional sobre Pesquisa e Conservação de Tursiops spp. no Atlântico Sul Ocidental, realizado em abril de 2017 na cidade de Rio Grande, incluído como uma das recomendações prioritárias para uma melhor identificação e descrição das diferenças entre os dois ecótipos.
Outra espécie que foi avista pelo projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro foi a baleia-jubarte. Espécie cosmopolita e altamente migratória, em julho de 2016, foi registrado um elevado número de avistagens de baleias-jubarte em águas costeiras do Rio de Janeiro durante o início de seu período migratório em águas brasileiras.
A cerca de 14 km da costa foi observada uma profusão de borrifos e espumas brancas na superfície da água causadas por comportamentos aéreos (saltos, batidas de nadadeiras peitorais e caudal) que se estendiam por vários quilômetros em linha reta. “Esse evento marcava nitidamente a ocorrência de um corredor migratório das baleias-jubarte rumando em direção ao Leste. Isso não tinha sido registrado em anos anteriores e não se repetiu em 2017”, diz Liliane.
No final de agosto de 2017, três baleias-jubartes vivas encalharam em um período de três dias, em diferentes localidades do Rio de Janeiro. A população de baleias-jubarte que habita a costa do Brasil vem mostrando sinais claros de recuperação populacional desde a proibição da caça comercial no Hemisfério Sul em 1966.
O aumento dos registros de encalhes e avistagens pode ser relacionado ao aumento populacional e de esforços de programas de monitoramento de encalhes e as redes sociais como instrumento de acesso à informação, como o grupo do Facebook Onde estão as Baleias e os Golfinhos? voltado à ciência cidadã.
As maiores ameaças para os golfinhos e baleias na região são os resíduos sólidos que flutuam nas águas, as capturas incidentais em redes de pesca e as perseguições aos animais realizadas por lanchas, motos aquáticas e outras embarcações. Mesmo sendo proibido molestar animais dessa forma (Portaria N° 117 de 26/12/96 do IBAMA) e a região das Cagarras ser protegida ambientalmente, Liliane explica que ainda é comum ver os animais sendo perseguidos ou com sacolas plásticas em diferentes partes do corpo.
A área marinha do Monumento Natural das Ilhas Cagarras não representa proteção efetiva para os cetáceos por si só, uma vez que seu espaço engloba um raio de 10m ao redor das seis ilhas do arquipélago. Portanto, o estabelecimento da Zona de Amortecimento da Unidade de Conservação pode ser fundamental para a conservação de cetáceos nas aéreas costeiras do Rio de Janeiro.