A mata preservada e uma das usinas que fornecem energia para a CBA-Foto: Cristina Rappa/CRÍVEL COMUNICAÇÃO
POR – CRISTINA RAPPA, PARA COALIZÃO VERDE (1 PAPO RETO, CENÁRIO AGRO e NEO MONDO)
O que era uma área de reserva de mata atlântica, para preservar água para tocar as operações de empresa do grupo Votorantim, virou centro de ecoturismo, pesquisa, e produção de mudas de espécies nativas ornamentais e para restauração florestal. Ideia é também oferecer compensação de reserva natural
Em 2012, o Grupo Votorantim assinou um protocolo de intenções com o Governo de São Paulo, comprometendo-se a conservar os 31 mil hectares de mata atlântica na região sul do Estado, nada menos do que 1,3% da área hoje preservada desse bioma no Brasil, transformando-os em reserva. Nascia a Legado das Águas, a maior reserva privada do bioma do país, abrangendo os municípios de Miracatu, Tapiraí e Juquiá.
A área foi adquirida pela Votorantim nos anos 1940, para a construção de seis usinas ao longo do rio Juquiá, que abastecem de energia a produção da CBA, a Companhia Brasileira de Alumínio, uma das empresas do grupo. A preservação, para garantir a oferta de água para gerar energia, sempre foi questão indiscutível para a empresa. Recentemente, no entanto, entendeu-se que o grupo deveria buscar alternativas de renda, para cobrir os custos com a preservação da área. Foi então criada a empresa Reservas Votorantim Ltda., para gerir os ativos das reservas do grupo, como a Legado das Águas e a Legado Verde, de 32 mil ha em Goiás, e desenvolver atividades que gerem renda para mantê-las.
Nesse sentido, a Legado já oferece atividades como moutain biking em trilhas delimitadas e com fornecimento de bicicletas; caminhadas em diversos níveis de trilhas, entre elas travessias de 12 e 23 km pela reserva e uma de 800 m, com acessibilidade, no chamado Jardim Sensorial; navegação de barco e caiaque no rio Juquiá, e observação de aves. O Legado possui restaurante, para as refeições, e alojamento para pernoite. A programação está no site e nas mídias sociais do Legado, sendo que para participar, é preciso se inscrever e comprar ingresso on line.
“Ecoturismo é forma de ocupar território”, afirma Frineia Rezende, gerente executiva da Reservas Votorantim. “Quando fomentamos, a população e as autoridades locais entendem o potencial do ecoturismo e passam a valorizar”, completa William Mendes, analista de ecoturismo e esportes, e quem guiou o grupo de jornalistas convidados no trekking por uma trilha até uma das cachoeiras da região.
Riqueza de fauna e flora
Além dos esportes, um turismo contemplativo está se firmando com uma das atrações do local. Mais de 300 espécies de aves, das quais 70% endêmicas, como o anhambezinho (Iodopleura pipra) e o pica-pau-bufador (Piculus flavigula), além de lindas e inúmeras saíras, já foram catalogadas na reserva, o que a está colocando no mapa da observação de aves do Brasil; e mais de 40 espécies de mamíferos, como antas, onças, até pintada, muriquis e catetos já foram registrados por suas armadilhas fotográficas.
Outra opção para geração de renda é a venda de mudas de 108 espécies nativas, para paisagismo ou restauração florestal. O viveiro comercial produz de 150 a 200 mil mudas por ano e inovou ao lançar o Projeto Código Verde, em parceria com as empresas 3 M, PariPassu e QR Code, para a rastreabilidade das plantas. Pelo sistema, quando a pessoa ou a empresa compra uma muda, pode checar sua origem e história no código de barras.
Na tentativa de reverter a ampla preferência dos paisagistas brasileiros por plantas exóticas, a Reservas Votorantim lançou um programa voltado a esses profissionais, para valorização das plantas nativas. Na Casa Cor, mostra de decoração e paisagismo, deste ano, a Legado construiu um paredão com espécies ornamentais brasileiras, para mostrar sua beleza e vantagem em relação às exóticas.
A região é ainda rica em orquídeas e a equipe do Legado catalogou 208 espécies nativas dessas flores, sendo 12 ameaçadas de extinção e uma considerada extinta há mais de 50 anos em São Paulo. As orquídeas são tratadas e realocadas na mata, e há um projeto de serem multiplicadas por micropropagação e oferecidas ao mercado de flores. “Como no caso das plantas ornamentais, no Brasil comercializa-se praticamente só espécies de orquídeas exóticas. Nós queremos valorizar as nativas”, explica João Francisco Dias, coordenador de operações do Legado e quem nos mostrou o orquidário.
A bioprospecção da floresta, que pode gerar receita com a descoberta de espécies de interesse para as indústrias de cosméticos, farmacêutica e nutracêutica, também está na mira dos técnicos da empresa. “Ainda temos muito a descobrir com relação ao potencial da floresta”, diz o agrônomo Silas Cesar da Silva, responsável pelo viveiro. “Todos os dias aprendemos com as plantas”, completa.
Inserção
Antonio Godoy (acima), que trabalha no berçário da produção de mudas ornamentais, é um dos moradores da comunidade cabocla do bairro Ribeirão da Anta, no entorno da reserva. “Hoje temos uma associação de moradores que o Legado ajudou a estruturar”, diz ele, contando que ingressou na empresa em 2016, “sem conhecimento algum de produção de mudas”, após uma experiência como motorista em Tapiraí, em busca do trabalho que não encontrava anteriormente na região.
“O Legado tem como objetivo inserir a comunidade e dar-lhe alternativa de renda”, diz Silva. Como Antonio, do viveiro, e os 34 funcionários que guardam a reserva, quase toda a mão de obra que atua no Legado é dessa região de menor IDH de São Paulo e em que atividades ilegais como extração de palmito juçara e de orquídeas, e caça ainda persistem, e o êxodo de jovens, por falta de oportunidades, é grande. “A empresa exerce um importante papel de promoção do desenvolvimento socioeconômico, gerando empregos e alternativas de renda”, assegura Frimeia.
De acordo com a gerente, além da oferta de emprego, a empresa desenvolve projetos sociais que visam a capacitação de monitores, o incentivo ao empreendedorismo, com projetos como produção de mel, pães e doces, de valorização da cozinha cabocal; e de apoio à gestão pública.
Pesquisa
Além dos programas de ecoturismo, produção de mudas e educação ambiental com escolas e com a comunidade, o Legado firmou parcerias com instituições de pesquisas como o Instituto Butantã e lá atualmente são conduzidas linhas de pesquisa, como o mapeamento genético da flora local, estudo de mamíferos e do primata ameaçado muriqui-do-sul, de borboletas, de cobras locais.
Enquanto isso a Reservas Votorantim aguarda a regulamentação final do Cadastro Rural Ambiental (CAR), para explorar o que pode ser o seu filão: a compensação de reservas legais. Dentro desse programa, o proprietário rural que não possui o percentual de Reserva Legal exigido pelo Código Florestal, pode regularizar sua situação compensando a área que falta em outro imóvel rural no mesmo bioma.
*A jornalista viajou a Miracatu/SP a convite da Reservas Votorantim.