“Quase todos na Terra são influenciados, ou têm alguma conexão com as montanhas”
Por – Eleni Lopes, diretora de redação de NEO MONDO
A cidade de Nova Friburgo (RJ) sediou recentemente o MOUNTAINS 2018, evento que buscou fortalecer o intercâmbio entre pesquisadores e instituições de pesquisa de montanha nos países de língua portuguesa e também entre os países da América Latina e do Caribe.
O pesquisador Martin F.Price foi um dos principais convidados e oradores do evento. Nesta entrevista exclusiva à NEO MONDO, ele fala sobre a importância das montanhas em nossas vidas e como elas estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas.
Antes de mais nada, conheça um pouco sobre o nosso entrevistado: Martin F. Price fundou o Centro de Estudos de Montanha no Perth College, na University of the Highlands and Islands (UHI), no Reino Unido, em 2000, e tem sido seu Diretor desde então. Ele foi nomeado Professor de Estudos de Montanha pelo UHI em 2005, Presidente da Cátedra em Desenvolvimento de Montanha Sustentável da UNESCO em 2009, e Professor Adjunto da Universidade de Bergen, na Noruega, em 2013. Anteriormente, trabalhou na Universidade de Oxford; na Universidade de Berna, na Suíça; e no Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica, nos EUA. Ele é PhD em Geografia pela Universidade do Colorado, em Boulder. Em 2012, a Fundação King Albert I Memorial atribuiu-lhe o prêmio King Albert Mountain por seu “conhecimento excepcional e sua competência editorial, e pelo papel vital que desempenha para as montanhas do mundo”.
Como surgiu o seu interesse por montanhas?
Embora eu tenha nascido em Londres, na Inglaterra, meus pais me levaram de férias para as pequenas montanhas do País de Gales, quando eu tinha cinco anos, e para os Alpes Suíços, quando eu tinha seis anos. Eu comecei a fazer escalada e montanhismo no início da adolescência. Em princípio, meu interesse pelas montanhas era recreativo, mas depois que comecei a cursar a universidade e, especialmente com o meu mestrado no Canadá, elas se tornaram meu foco profissional.
Por que as montanhas desempenham um papel fundamental no clima e nos ecossistemas?
As montanhas têm um papel muito importante em influenciar os padrões de chuva: à medida que o ar sobe, ele esfria, podendo causar chuva ou neve. Desta forma, as terras do lado de onde vêm os ventos tende a ser mais úmida do que o outro lado – isso é chamado de efeito orográfico. Veja o Himalaia, por exemplo: ele bloqueia as monções vindas do sul – assim a chuva e a neve caem no lado sul, mas o planalto tibetano, ao norte, é muito seco.
Em altitudes crescentes, o ar torna-se não só mais úmido, mas também mais frio. Como resultado, há ecossistemas diferentes à medida que se sobe uma montanha – vários tipos de florestas na base e, se as elas são altas o suficiente, pastagens alpinas e, acima delas, neve e glaciares. As altitudes em que essas diferentes zonas são encontradas são diferentes nos lados secos e úmidos das montanhas.
Quais as principais questões que hoje afetam as montanhas?
Temas muito complexos e distintos afetam as montanhas em todo o mundo. No entanto, especialmente porque elas são centros de biodiversidade, a perda de diversidade biológica é uma questão fundamental.
Nas montanhas dos países em desenvolvimento, isso está freqüentemente relacionado ao desmatamento; nos países industrializados, o abandono das terras agrícolas é um desafio. A mineração é outra grande preocupação. E, embora o turismo seja frequentemente visto como uma forma de proporcionar renda e o emprego tão necessários para as áreas montanhosas, ele deve ser desenvolvido com cuidado para que realmente beneficie as pessoas da montanha e não resulte em impactos ambientais. As mudanças climáticas também causam impactos significativos às montanhas em todo o mundo.
Qual é o principal impacto das mudanças climáticas nas montanhas?
As áreas montanhosas estão ficando mais quentes, o que tem impactos ecológicos: enquanto algumas espécies conseguem se transferir para altitudes mais altas, algumas estão ameaçadas – e outras extintas. Onde há geleiras, um grande desafio é o degelo, o que tem consequências importantes para as pessoas nas montanhas e para as nascentes e rios.
Outro impacto relacionado ao aumento da temperatura, em áreas com queda de neve, é que a precipitação pode cair como chuva no lugar de neve, o que impacta o tempo de fluxo de água em direção aos rios, e para a indústria de esqui é um grande desafio.
Tais mudanças são graduais e podem ser possíveis de se adaptar. No entanto, outra consequência da mudança climática são os eventos extremos, como enchentes, deslizamentos de terra, avalanches e incêndios, fenômenos estes que estão se tornando mais freqüentes e intensos. Isso é muito menos previsível e as perdas podem ser catastróficas.
É possível mencionar as principais montanhas afetadas pela mudança climática e como? Os impactos são reversíveis de alguma forma?
Não posso responder à primeira pergunta, pois as tendências futuras são muito incertas. Mas eu diria que é importante considerar não apenas as mudanças graduais, mas também os impactos dos principais eventos climáticos. Ou seja, se houver mais furacões no Caribe, isso terá impactos devastadores nas montanhas das ilhas nesta região e na América Central, especialmente se os furacões não forem apenas mais freqüentes, mas também mais intensos. De forma geral, é improvável que seja possível reverter os impactos da mudança climática; todos que vivem em áreas montanhosas terão que aprender a se adaptar e estar prontos para um futuro incerto.
Como as mudanças climáticas afetam as pessoas que dependem das montanhas para sua subsistência ou cultura?
Os efeitos mais extremos das mudanças climáticas estão nas pessoas que historicamente dependeram das geleiras e elas desapareceram, como aconteceu em alguns lugares dos Andes. Como elas têm profundas conexões culturais com essas montanhas, isso afetam não apenas seus meios de subsistência, mas também sua identidade e cultura. E mais: aqueles que sobrevivem da agricultra em áreas montanhosas, as alterações na oferta e disponibilidade de água podem ter grandes impactos sobre as culturas agrícolas.
Existem estimativas de quantas pessoas dependem de montanhas em todo o mundo?
Um relatório publicado pela FAO, em 2015, aponta que 13% da população mundial, algo como 915 milhões de pessoas, vivem em áreas montanhosas. Mais da metade da população mundial, ou seja, pelo menos 4 bilhões de pessoas, depende da água proveniente das montanhas. Esta estimativa inclui cerca de 1,5 bilhão de pessoas no Himalaia, só para se ter uma ideia. A dependência da água da montanha é particularmente alta nas partes mais secas do mundo. Montanhas também fornecem comida, madeira e minerais para bilhões de pessoas. O slogan do Ano Internacional das Montanhas, em 2002, foi “Somos todos povos da montanha”, porque quase todos na Terra são influenciados por, ou têm alguma conexão com as montanhas.
Existem evidências científicas de danos causados por alpinismo ou outras atividades esportivas de montanhismo?
Em geral, o alpinismo e o montanhismo não têm impactos ambientais significativos. No entanto, em lugares onde muitas pessoas estão concentradas, como o acampamento base do Monte Everest, a poluição causada pelo lixo humano – e apenas o volume de lixo – pode ser um problema. Este também é um problema em resorts turísticos de alta altitude. Em locais com um grande número de visitantes, eles podem causar danos à vegetação frágil e aos solos, o que pode tornar as encostas instáveis. Ecossistemas de montanha demoram muito tempo para se recuperar. É possível fazer alguma restauração, mas isso é muito trabalhoso e não pode ser garantido para ser bem sucedido.
Você pode compartilhar algumas de suas conquistas como presidente da Cátedra em Desenvolvimento Sustentável nas Montanhas da UNESCO?
Uma importante realização foi organizar duas grandes conferências internacionais de cientistas de montanha em Perth, na Escócia: com 450 participante de 60 países em 2010, e 400 de 52 países, em 2015. Nos últimos 15 anos, temos oferecido um Mestrado on-line sobre desenvolvimento sustentável de montanhas, tendo alunos e graduados em quatro continentes (mas nenhum da América do Sul, ainda!). Contribuímos para o desenvolvimento de outros cursos, como o Mestrado em Ciências da Montanha, ministrado por quatro universidades no Japão, e outras conferências, como a ‘Montanhas 2018’, que acontecerá em Nova Friburgo nos dias 10 e 14 de dezembro deste ano. .
Na sua opinião, a sociedade está ciente do papel central que as montanhas desempenham em nossas vidas? Se não, como podemos aumentar essa consciência?
Acredito que a conscientização pública sobre as muitas maneiras pelas quais as montanhas são importantes ainda é bastante limitada fora das áreas montanhosas. Para aumentar essa conscientização, é importante usar mensagens claras com histórias convincentes e imagens fortes. Por isso, precisamos de uma boa colaboração entre três grupos de pessoas: os cientistas, que têm conhecimento sobre questões fundamentais; pessoas locais, que podem explicar, por exemplo, como as mudanças climáticas ou o turismo as afetam; e jornalistas, pessoas da mídia social e qualquer outra pessoa que possa disseminar as mensagens.