POR – GREENPEACE / NEO MONDO
Demarcação de Terras Indígenas pelo Ministério da Agricultura é grave ameaça à Amazônia
No auge dos debates sobre inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988, Ailton Krenak foi o responsável por um dos momentos mais marcantes da tribuna do Congresso Nacional. O líder indígena fez um discurso emocionante em defesa dos povos da floresta. Assista ao vídeo:
Apesar de a Constituição Federal de 1988 representar uma mudança de paradigma na forma como a sociedade enxerga a questão indígena, ao sair de um olhar colonialista e adotar uma postura de respeito à identidade cultural desses povos e ao direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, 30 anos depois eles continuam sofrendo ameaças. A mais recente, realizada pelo novo governo de Jair Bolsonaro, diz respeito à responsabilidade pelas Terras Indígenas (TIs). Com a MP 870/2019, o Presidente transfere para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a identificação, delimitação, reconhecimento e demarcação das Terras Indígenas, esvaziando a Fundação Nacional do Índio (Funai).
O Greenpeace e outras organizações que trabalham em prol dos direitos dos povos da floresta receberam a notícia com muita preocupação. É grave colocar assunto tão importante como esse nas mãos de Tereza Cristina, que deve legislar em causa própria. A nova ministra do Mapa representa os interesses do agronegócio no Mato Grosso do Sul, estado que é palco dos processos de demarcação mais complicados por conta de disputas por terra.
A partir de agora, é muito provável que o processo de identificação e demarcação de Terras Indígenas seja freado e que se afrouxem as barreiras que impedem o desmatamento, passando-se por cima das leis que garantem a proteção ambiental.
Nas palavras de Ailton Krenak, “os povos indígenas não devem ser vistos como uma ameaça ao desenvolvimento”. Ao contrário, as Terras Indígenas cumprem papel essencial de preservação da biodiversidade, rios, nascentes e solo, dada a convivência harmoniosa entre os povos e a floresta. Com a floresta desmatada, não há como produzir alimentos, por exemplo.
“Essa transferência de responsabilidade para o Mapa mostra um perigoso conflito de interesses, pois a bancada ruralista não está preocupada em assegurar a existência de áreas protegidas, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Mas isso é um tiro no pé, pois o agronegócio perde competitividade econômica se não proteger a floresta”, diz Danicley Aguiar, da campanha de Amazônia do Greenpeace.
Entre 2004 e 2014, o desmatamento na Amazônia foi reduzido em 80%, devido principalmente à criação de áreas protegidas e a ações de controle e repressão ao crime coordenadas pelo Ibama. Esses dados provam que Terras Indígenas e Unidades de Conservação desempenham um papel determinante na contenção do desmatamento e das mudanças climáticas.
Estrada construída ilegalmente na Terra Indígena Karipuna, para retirada de madeira. © Christian Braga/ Greenpeace
Por que demarcar e proteger TIs?
O reconhecimento e a demarcação de Terras Indígenas é fundamental para garantir a existência desses territórios. Quanto mais o governo demora para demarcar uma área, mais ela fica vulnerável à invasão de grileiros, madeireiros e garimpeiros. É o que acontece, por exemplo, com o povo Munduruku, que há anos luta pela demarcação dos cerca de 178 mil hectares da TI Sawre Muybu, no Pará. As atividades ilegais na região estão destruindo a floresta e seus lugares sagrados.
Entretanto, mesmo após demarcados, esses territórios não estão totalmente livres de ameaças. A TI Karipuna, em Rondônia, apesar de ter sido homologada em 1998, está com mais de 10 mil hectares de floresta destruídos, em consequência da exploração ilegal de madeira e de grilagem. A TI Indígena Arara, também no Pará, acaba de ser invadida por madeireiros.
Por isso, é preciso também garantir a integridade das TIs. Mas com as mudanças trazidas pelo novo governo, não está claro quem ficará com a responsabilidade de protegê-las, que antes era da Funai. O órgão, que ficava subordinado ao Ministério da Justiça, agora passa a ser controlado pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sob o comando de Damares Alves.
Os povos Aruak, Baniwa e Apurinã escreveram uma carta de repúdio às mudanças e em defesa de sua autonomia ao presidente Jair Bolsonaro. No documento, eles afirmam: “estamos prontos para o diálogo, mas também estamos preparados para nos defender”. Leia a carta aqui.