POR – AVIV COMUNICAÇÃO / NEO MONDO
Dentro e fora das salas de exibição, produções e artistas aproveitam o mais tradicional festival de cinema da Europa para sinalizar a urgência do combate à mudança do clima e da preservação da biodiversidade
Com o agravamento da crise climática e a intensificação da perda de diversidade biológica e vida selvagem em todo o mundo, a indústria cinematográfica tem uma enorme responsabilidade e potencial de contribuição para a busca de soluções para estes problemas. Afinal, através de sua arte, o cinema pode jogar luz ao passado e ao presente, para entendermos melhor o que vivemos e o que estamos vivendo hoje, e nos ajudar a imaginar um futuro diferente, que nos distancie da degradação ambiental e da destruição da vida no planeta.
Os problemas ambientais ganharam espaço privilegiado na edição 2019 do Festival de Cinema de Cannes, que acontece desde a semana passada na França. Além de apresentar produções que exploram as implicações da degradação ambiental e da mudança do clima, o festival também serviu como palco para manifestações em favor de um maior engajamento da indústria cinematográfica no enfrentamento desses desafios.
Entre os destaques da programação, está a produção The Dead Don’t Die (“Os Mortos Não Morrem”), que marca a estreia do diretor norte-americano Jim Jarmusch no gênero zumbi, um dos mais prolíficos no cinema nas últimas décadas. Com o humor irônico característico do cineasta, o filme se passa em uma pequena cidade norte-americana que sofre para conseguir conter a ameaça de zumbis famintos por carne humana fresca. As dificuldades que os vivos enfrentam para se organizar e enfrentar os mortos-vivos – que, aliás, surgem por conta do desgaste causado pelo fracking no planeta – servem como analogia para a falta de coordenação e ação efetiva dos países para combater a mudança do clima.
“Ver o declínio da natureza em taxas sem precedentes na História é, para mim, aterrador”, disse Jarmusch em coletiva de imprensa logo após a première do filme em Cannes, na quarta-feira passada (16/5). A apatia dos personagens no filme reflete a falta de interesse de governos, empresas e muitos cidadãos na resolução das graves crises ambientais pelas quais o planeta passa neste momento.
O documentário Ice on Fire (“Gelo sobre Fogo”), dirigido pelo ator norte-americano Leonardo Di Caprio, não precisa de analogias para explorar os efeitos devastadores da mudança do clima e da perda de diversidade biológica no planeta. Com estreia global em Cannes nesta semana, o documentário dá voz a cientistas e pesquisadores que estão na linha de frente do trabalho científico sobre mudança do clima.
“Nós queríamos fazer um filme que retratasse a beleza de nosso planeta, ao mesmo tempo em que destacasse as soluções necessárias em energia renovável e sequestro de carbono para enfrentar o desafio climático”, disse Di Caprio, que também é um dos produtores do documentário. “Esta produção faz mais do que mostrar o que está em jogo se continuarmos num caminho de inação e complacência – ele aponta como, com a ajuda de cientistas dedicados, todos nós podemos reagir. Espero que o público seja inspirado a tomar medidas para proteger nosso lindo planeta”, completa.
Manifesto climático em Cannes
O Festival de Cannes também serviu de palco para o lançamento de um manifesto de artistas do setor em favor do engajamento da indústria cinematográfica na sensibilização e conscientização do público sobre a urgência da questão climática. Mais de 200 profissionais, entre atores, diretores, produtores e roteiristas, assinaram o manifesto “Resistir e Criar”, publicado na sexta-feira passada (17/5) no jornal francês Le Monde.
Entre os signatários do manifesto, destacam-se as atrizes Marion Cotillard (premiada com o Oscar de Melhor Atriz pelo filme Piaf, de 2008) e Charlotte Gainsbourg, o ator Gaspard Ulliel, e os diretores Radu Mihaileanu, Luc Jacquet e Cyril Dion.
No texto, os signatários pedem que a indústria cinematográfica utilize sua capacidade de produzir e apresentar histórias para informar as pessoas sobre a gravidade da crise climática e os caminhos para sua resolução, de maneira a motivar o público para ação objetiva contra a mudança do clima.
O manifesto francês ecoa um chamado feito pela Academia Britânica de Artes Cinematográficas e Televisivas (BAFTA) feito nesta semana, que encorajou a indústria da televisão a mostrar mais mensagens ambientais em seu conteúdo, independentemente do gênero. Isso porque, segundo pesquisa feita pela consultoria Deloitte a pedido da BAFTA, o termo climate change (mudança do clima) aparece menos na TV britânica que outros como cats (gatos), picnic (piquenique) e Shakespeare.
“Nós pedimos aos profissionais do cinema que participem, através dos seus próprios meios e talentos, na criação de novas histórias, para permitir ao público que imagine um mundo sustentável, mais positivo que o vislumbrado pela distopia do colapso ambiental”, argumenta Magali Payen, produtora e fundadora do movimento On Est Prêt (“Nós Estamos Prontos”), que liderou o manifesto em Cannes. “Artistas e intelectuais têm uma responsabilidade sobre o que está acontecendo hoje. Seja ficção ou documental, nossas histórias podem e devem contribuir para transformar o mundo agora”.