POR – AVIV COMUNICAÇÃO / NEO MONDO
Com uma licença automática, como determina o PLP 71/19, diversos empreendimentos que não cumprem com requisitos mínimos de cuidado ambiental poderiam ser instalados, com efeitos negativos significativos e irreparáveis para a sociedade
Está na pauta do plenário do Senado Federal o Projeto de Lei Complementar nº 71/2019 de autoria do senador Marcio Bittar (MDB/AC), que determina que a inobservância dos prazos para deliberação sobre o pedido de licenciamento ambiental acarretará a emissão tácita da licença pretendida. Na prática, a proposta acaba com o licenciamento ambiental no país.
O PLP 71/2019 cria uma figura inédita no direito ambiental mundial: a Licença Ambiental Automática. Ao alterar o art. 14 da Lei Complementar 140 de 2011, ele prevê que, caso um pedido de licença ambiental não seja analisado nos prazos estabelecidos em lei, a licença seria automaticamente concedida e a atividade poderia ser realizada, por decurso de prazo, mesmo sem qualquer tipo de avaliação por parte do órgão ambiental competente.
A eventual aprovação desse projeto representaria um perigo imenso à sociedade brasileira, além de uma clara afronta à Constituição Federal (art.225, §1º, IV) e a toda a legislação ambiental nacional. O licenciamento ambiental é o único instrumento que a sociedade tem a disposição para evitar que atividades ou empreendimentos com significativo impacto sobre a qualidade do ar, da água, que promovam desmatamento, que inundem extensas áreas, ou que possam causar qualquer tipo de prejuízo ambiental possam se instalar sem ter que respeitar padrões mínimos de qualidade ambiental e cuidados básicos para evitar acidentes e poluição excessiva.
Com uma licença automática, como prevê o projeto, diversos empreendimentos que não cumprem com requisitos mínimos de cuidado ambiental poderiam ser instalados, com efeitos negativos significativos e irreparáveis para a sociedade.
Exemplo de um caso hipotético
Caso esse projeto venha a ser aprovado, um interessado poderia, por exemplo, instalar uma usina termelétrica a carvão mineral perto de um grande centro urbano sem qualquer tipo de avaliação prévia de suas consequências para a saúde dos moradores, para a contaminação dos rios locais, ou mesmo dos riscos de acidente. Essas usinas são altamente poluentes e mesmo com as melhores tecnologias disponíveis – que não estariam garantidas com um sistema automático de licenciamento, sem qualquer análise ou adequação a padrão pré-estabelecido – são grandes emissoras de SO2 (enxofre), NOx (óxidos de nitrogênio), Material Particulado e CO2, sendo os três primeiros gases comprovadamente geradores de graves doenças pulmonares e o último gerador de aquecimento da atmosfera. Sem licenciamento, a população local sequer teria o direito de se manifestar sobre a obra e fazer valer seu direito à saúde. Além disso, uma usina termelétrica de médio porte consome água em um volume equivalente a uma cidade de 200 mil habitantes, o que significa que se ela se instalar perto de uma cidade de médio ou grande porte com pouca disponibilidade de água – a regra em todo o centro sul e nordeste do país – ela também causará falta de água para abastecimento humano, com todos os impactos daí decorrentes para a qualidade de vida e economia das cidades próximas.
Esse exemplo poderia ser estendido a muitos outros casos, como hidrelétricas (que inundam grandes extensões e alteram muito os fluxos dos rios), fábricas (que geram poluição atmosférica, hídrica, do solo e sonora), minerações (com barragens de rejeitos altamente tóxicos), rodovias, hidrovias etc. Em resumo, não tem a menor razoabilidade haver a emissão de licença ambiental por decurso de prazo, pois isso apenas geraria mais conflitos e implicaria em graves prejuízos ambientais à sociedade brasileira. A solução para agilizar a emissão de licenças não passa por essa proposta simplista e irresponsável.
Os prazos
Segundo a resolução Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) 237, será observado o prazo máximo de 6 (seis) meses a contar do ato de protocolar o “requerimento até seu deferimento ou indeferimento, ressalvados os casos em que houver EIA/RIMA e/ou audiência pública, quando o prazo será de até 12 (doze) meses”. Aos órgão competentes será dada a prerrogativa de “estabelecer prazos de análise diferenciados para cada modalidade de licença (LP, LI e LO*), em função das peculiaridades da atividade ou empreendimento, bem como para a formulação de exigências complementares”. O texto está no artigo 14 dessa resolução. Estados e municípios podem ter outros prazos para empreendimentos mais simples.
*De forma geral, as principais modalidades de licenciamento ambiental expedidas são:
Licença Prévia (LP): aprova a localização e concepção do empreendimento, atividade ou obra que se encontra na fase preliminar do planejamento atestando a sua viabilidade ambiental, estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implantação, bem como suprindo o requerente com parâmetros para lançamento de efluentes líquidos e gasosos, resíduos sólidos, emissões sonoras, além de exigir a apresentação de propostas de medidas de controle ambiental em função dos possíveis impactos ambientais a serem gerados.
Licença de Instalação (LI): autoriza a instalação do empreendimento, atividade ou obra de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, fixando cronograma para execução das medidas mitigadoras e da implantação dos sistemas de controle ambiental.
Licença de Operação (LO): autoriza a operação da atividade, obra ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento das medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas nas licenças anteriores.