Devastação da floresta também é prejudicial à saúde (Bruno Kelly/Reuters)
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
A jornalista *Sucena Shkrada Resk a partir deste ano está ampliando o formato de linguagem do seu blog jornalístico Cidadãos do Mundo, com a introdução de podcasts periódicos, no qual faz comentários e reflexões sobre temas socioambientais, de sustentabilidade e cidadania, além dos artigos e matérias digitais e algumas audiovisuais, que mantém desde 2007. “Existe uma hora que temos a necessidade de modernizar e interagir em diferentes plataformas. O meu momento é agora. Aos poucos irei aprimorando a produção, com vinhetas e mais desenvoltura. Espero que gostem e também interajam”, diz a jornalista.
Neste ano de 2019, a evidência de posturas de governanças isolacionistas reacende uma discussão nas entranhas sul-americanas. Vivemos décadas após décadas, a carência de uma visão e ação integradas panamazônicas, que se acentua de forma vertiginosa agora. O Brasil é um ator estratégico neste tabuleiro, que é composto também por Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, as duas Guianas e o Suriname. Formamos um grande corredor de biodiversidade e ecossistêmico tropical, que não pode ser tratado como se fosse composto de fatias separadas, desconexas. Nossos “rios voadores” não são figuras de linguagem para o mundo e a importância estratégica da nossa região para a segurança alimentar do planeta reacendeu os olhares externos para cá. Este artigo, em formato também de podcast, propõe uma pequena imersão neste tema.
Em estudo da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg) anunciado em junho deste ano, pesquisadores apontam que 91,7% da Panamazônia protegida legalmente (ex: unidades de conservação) está sofrendo pressão de projetos ou de empreendimentos como estradas, hidrelétricas, mineração, petróleo, queimadas e desmatamento.
Ao se aprofundar neste contexto, podemos destacar o perigo imposto a riquezas cultural, e acentuo – etnocultural-, socioambiental, de produção de alimentos, de economia criativa, da floresta e de tantos outros atributos. Tudo se perde em um modelo de governança carente de real cooperação multilateral que quebre as barreiras transfronteiriças em prol de um propósito maior de bloco, não só na visão econômica, como ela fosse fechada em si mesma, mas multidisciplinar e de pertencimento, que envolve o social e ambiental. Apesar de parecer óbvio repetir estas componentes, os fatos que nos assolam no dia a dia revelam exatamente esta falta de lente de aumento prática geopolítica.
A projeção que tomaram as queimadas na Amazônia brasileira e em várias partes da panamazônia atualmente, como na Bolívia e Paraguai, alerta que a disrupção não pode ser para sempre. E não se trata somente de alertas na Amazônia, mas no Cerrado, na Mata Atlântica, na Caatinga, nos campos sulinos…
Historicamente já sofremos com estas ocorrências, mas nunca somente ligadas a fenômenos climáticos e meteorológicos, de secas e estiagens isoladamente. Em boa parte, são intensificados em decorrência de ações humanas relacionadas ao processo de desmatamento voltado a um extrativismo predatório. Mas acima de tudo, se deve considerar a ausência e lacunas de investimento em prevenção e em precaução, e de ação de comando e controle, com uma fiscalização permanente e eficaz.
Na atual conjuntura, o crescimento exponencial destes registros de focos de calor gerou uma reação “viral” de jovens a governantes no mundo, e do mercado internacional, pois o incômodo foi instalado. Há como negar?
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), só na Amazônia, os focos de calor chegam na casa de 40 mil até agora, neste ano, sendo que esse número não ocorria desde 2010, quando atingiu 44 mil no período. Os piores anos anteriores foram 2004 e 2005, com número superior a 70 mil focos.
Nesta semana, as fumaças, as fuligens deram o recado que se trata de uma questão que não tem fronteiras. Ao ver hoje a notícia de que o governo boliviano começou a usar um avião supertanque/cisterna, considerado o maior do mundo, que tem como um dos objetivos principais, isolar uma termoelétrica, do fogo que se alastra por lá, traz muitas reflexões. Isso se acentua, porque apelou para que o Brasil e Paraguai adotem ações na zona compartilhada pelos três países, sobre a hidrovia Paraná-Paraguai.
E como o nosso país, de tamanho continental, está se portando em todos estes quesitos de prevenção e combate às queimadas e incêndios? O que se sabe é que de um total de 1,3 mil brigadistas que foram contratados pelo Ibama, neste ano, mais da metade está atuando nas áreas de ocorrência de fogo na floresta amazônica. E os investimentos que têm sido feitos em roupas e equipamentos desses profissionais, incluindo caminhões especiais que o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) vieram do Fundo Amazônia, conforme reportagem do jornalista André Borges, no Estadão, publicada recentemente.
Fundo este, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que passa por uma situação de incertezas de sua permanência, pois foi colocado em xeque pelo próprio governo e pelo ministério do meio ambiente. Já os investidores do fundo – Alemanha e Noruega, por enquanto, anunciaram a suspensão de novos recursos.
Desta forma, o governo fica responsável pelos salários e outras despesas desses profissionais. E no caso dos estados? Qual é o preparo e retaguarda para estes trabalhos brigadistas. Aí a situação fica mais complexa.
Diante da pressão que ganhou uma projeção internacional, hoje o governo federal anunciou que dará início a uma operação de garantia da lei e da ordem para combater as queimadas/incêndios na Amazônia, com validade, em princípio, até 24 de setembro. Segundo o anúncio, militares poderão atuar em áreas de fronteira, terras indígenas, unidades de conservação e em outras áreas da Amazônia Legal. Amazonas, Acre, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins (atualizado até 25.8 – 12h) já pediram este apoio. Uma das primeiras ações aconteceria em Rondônia, com 30 bombeiros da Força Nacional que estão sendo enviados, para atuar com uma aeronave.
Muitas perguntas ainda a serem respondidas: Alguma vez foi pensada a aquisição ou aluguel de aviões supertanques, como na Bolívia, por exemplo? Ou de ações compartilhadas entre as nações da panamazônia? E de ações conjuntas permanentes de combate ao desmatamento, o ano todo? Afinal, pertencemos ou não pertencemos a esta região? Fica a reflexão.
*Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.