POR – CLIMATE TRANSPARENCY / NEO MONDO
Segundo levantamento, o Brasil está entre os países do G20 que não se encontra em uma trajetória de emissões compatível com os objetivos do Acordo de Paris, mas tendências positivas em vários países do grupo apontam para caminhos que podem levar a mais ambição na luta contra a crise climática
As emissões de carbono das 20 maiores economias do mundo estão aumentando. Nenhum dos países do G20 possui planos que viabilizem a meta de limitar o aquecimento global em 1,5 grau Celsius, a despeito do fato de que muitos deles possuem tecnologia e incentivos econômicos para isso. Para manter viável a meta do Acordo de Paris, os países do G20 precisam elevar a ambição de seus objetivos de cortes de emissões para 2030 já em 2020 e aumentar significativamente a escala de seus esforços de mitigação, adaptação e financiamento ao longo da próxima década.
Essas conclusões são detalhadas no novo relatório Brown to Green 2019 (Marrom para Verde), publicado hoje pela parceria Climate Transparency, fruto de uma colaboração científica internacional. O relatório é a revisão mais abrangente do desempenho climático dos países do G20, mapeando as conquistas e obstáculos em seus esforços para reduzir emissões, adaptar-se aos impactos climáticos e redirecionar seu sistema financeiro para a economia de baixo carbono.
Muitas das metas nacionais para 2030 vigentes hoje sob o Acordo de Paris, as chamadas contribuições nacionalmente determinadas (NDC, sigla em inglês), são fracas demais, sendo que cerca da metade dos países do G20 projetam atingir ou superar seus compromissos inadequados. Ou seja, existe espaço suficiente para elevar a ambição das ações por parte do G20.
“Apenas um ano antes do prazo crítico, as conclusões deste relatório nos dão esperança de que os países vão encontrar a vontade política para elevar suas metas de redução de emissões em 2020 conforme prometido pelo Acordo de Paris”, diz Alvaro Umaña, co-presidente da Climate Transparency e ex-ministro do meio ambiente e energia da Costa Rica. “Pela primeira vez, o relatório identifica potencial não aproveitado e oportunidades chave para os países aumentarem sua ambição e, dessa forma, é uma ferramenta valiosa para os governos quando eles forem atualizar seus planos climáticos”.
O Brasil não está no caminho para um mundo de 1,5oC de aquecimento
De acordo com o levantamento, o Brasil precisa reduzir suas emissões para abaixo de 432 MtCO2e até 2030 e 18 MtCO2e até 2050 (ambos excluindo emissões decorrentes de uso da terra) para estar dentro de um cenário compatível com a meta global de aquecimento de 1,5 grau Celsius. A NDC atual do Brasil limitaria suas emissões em 991 MtCO2e em 2025, com indicativo de meta para 2030 de 890 MtCO2e (novamente, excluindo uso da terra), enquanto o indicativo do país para 2030 incluindo uso da terra é de 1.208 MtCO2e.
Existe espaço para otimismo no caso brasileiro. No último leilão de energia em 2018, cerca de 83% dos 2,1 GW de energia contratado vieram de fontes renováveis de energia. Nenhuma usina de carvão foi contratada, a despeito de ter sua participação permitida no leilão. Outro motivo é a iniciativa recente do ex-presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Alfredo Sirkis, de formar um um conselho independente, com a participação dos governos de 12 estados brasileiros, para reforçar o compromisso do Brasil com os objetivos do Acordo de Paris.
No entanto, também existe motivos para preocupação. O governo brasileiro reduziu o orçamento do Ministério do Meio Ambiente e de sua estrutura de monitoramento e combate ao desmatamento, bem como reverteu algumas das principais políticas públicas na área de uso da terra e mudança de uso da terra.
Oportunidades chave para elevar a ambição climática no Brasil
– Aumento de 73% no desmatamento na Amazônia entre 2012 e 2018 à reforçar políticas sobre emissões de uso da terra e aumentar o monitoramento para atingir o desmatamento ilegal zero o quanto antes
– Subsídios para os combustíveis fósseis enquanto proporção do PIB no Brasil estão bem acima da média do G20 nos últimos anos à acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis
– Percentual baixo de mercado (0,2%) de veículos elétricos e prevalência dos automóveis no setor de transporte à promover um plano forte de investimentos para transformar modais e eletrificar o setor de transporte.
Principais destaques do G20
- Emissões de CO2 relacionadas a energia nos países do G20 aumentaram 1,8% em 2018 por conta do crescimento da demanda energética. O suprimento de energia não está se tornando limpo: a despeito do crescimento de mais de 5% no suprimento total de energia renovável no G20, a participação dos combustíveis fósseis no mix energético desses países continua sendo de 82%.
- Em 2018, as emissões do G20 no setor energético aumentaram 1,6%. Enquanto as renováveis representam agora 25,5% da geração energética, isso não é suficiente para superar o crescimento das emissões por fontes de combustível fóssil. O carvão precisa ser abandonado até 2030 pelos países da OCDE e em todo o mundo a partir de 2040.
- As emissões de transporte do G20 aumentaram 1,2% em 2018. Combustíveis de baixo carbono representam menos de 6% do mix. O consumo desse tipo de combustível precisa ser elevado em dez vezes até 2050 para que possamos manter o aquecimento global abaixo do 1,5 grau Celsius. Os países do G20 precisam avançar com políticas como a restrição para novos veículos abastecidos com combustíveis fósseis até 2035 no máximo, reduzir emissões de transporte de carga para neutralizá-las em 2050, bem como investir em sistemas de transporte públicos não motorizado e sustentável. Cortar os subsídios governamentais para o setor de aviação, taxar combustível aéreo e usar esses recursos para investir em novos combustíveis livres de carbono poderiam resultar em grandes reduções de emissões e benefícios à saúde humana.
- As emissões do G20 no setor de construção civil cresceu mais do que qualquer outro em 2018 – 4,1%. Adaptar os edifícios existentes é algo que desafia a todos os países do G20, especialmente aqueles da OCDE. Novos edifícios precisam ser quase energia zero até 2020/2015 para que possamos manter o aquecimento global abaixo de 1,5 grau Celsius.
- Os países do G20 destinaram mais de US$ 127 bilhões em subsídios para combustíveis fósseis em 2017. Esses subsídios caíram em nove dos 20 países analisados (graças em parte à queda nos preços dos combustíveis), mas os incentivos para infraestrutura e produção de gás natural continuaram estáveis ou mesmo aumentaram em muitos países (a despeito dos preços mais baixos). O remanejamento de apenas uma fração desses subsídios fósseis para as fontes renováveis poderia pagar a transição para energia limpa e reduzir emissões de modo significativo.
“As emissões gerais de CO2 aumentaram em todos os setores, mas estamos vendo alguns destaques que estão surgindo e com os quais outros países podem aprender, como as políticas da China para promover veículos elétricos e transporte público”, afirmou Lena Donat, uma das principais autoras do relatório. “Para que o Acordo de Paris tenha sucesso, é claro que os países do G20 precisam ser lideranças climáticas para abrir caminho para soluções das quais os países em desenvolvimento possam se beneficiar. Os países do G20 são responsáveis por aproximadamente 80% das emissões globais de gases de efeito estufa”.
“Após uma forte queda entre 2005 e 2012, os números preliminares indicam que o desmatamento está crescendo novamente no Brasil, seguindo uma tendência recente. Para cumprir a meta de sua NDC, o Brasil precisa fortalecer suas políticas sobre emissões de uso da terra e aumentar o monitoramento para chegar ao desmatamento ilegal zero”, aponta William Wills, do CentroClima da COPPE/UFRJ, um dos pesquisadores envolvidos neste relatório.
O relatório deste ano analisa o desempenho dos países do G20 em 80 indicadores para mitigação, financiamento e adaptação à mudança do clima com relação às referências globais para a meta de 1,5 grau Celsius. O relatório Brown to Green: The G20 transition towards a net-zero emissions economy de 2019 é a 5ª revisão anual da ação climática do G20 publicada pela Climate Transparency.
Principais descobertas: desempenho nacional comparado – líderes e retardatários
Vulnerabilidade e Adaptação
Eventos climáticos extremos resultaram na morte de cerca de 16 mil pessoas e perdas econômicas de US$ 142 bilhões nos países do G20 em média todos os anos (1998-2017). Rússia, França, Itália, Alemanha e Índia são os países recordistas em termos de perdas. Limitar a elevação da temperatura global em 1,5 grau Celsius ao invés de 3 graus evitaria cerca de 70% dos impactos relacionados ao clima nos setores hídrico, de saúde e agrícola. Brasil e México são altamente vulneráveis à escassez hídrica em 1,5 grau Celsius, enquanto Brasil, França, Itália e Turquia são altamente expostos a secas. Para reduzir sua vulnerabilidade climática, todos os países do G20 possuem planos de adaptação, com exceção da Arábia Saudita.
Mitigação
NDCs: China, União Europeia e seus membros do G20, Índia, Indonésia, Rússia, Arábia Saudita e Turquia preveem atingir ou mesmo superar suas metas de NDC, com exceção de uso da terra, mudança de uso da terra e floresta (LULUCF, sigla em inglês). Isso indica que as metas das NDC desses países não são as “mais ambiciosas possíveis”, como requerido pelo Acordo de Paris. Índia tem a NDC mais ambiciosa quando comparada com sua representatividade nas emissões globais para limitar o aquecimento global em 1,5 grau Celsius. No entanto, a Índia ainda precisa agir o quanto antes para preparar seus setores para reduções significativas de emissões.
Estratégias de longo prazo: Canadá, França, Alemanha, Japão, México, Reino Unido e Estados Unidos submeteram suas estratégias de longo prazo para 2050 à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês). Argentina, China, União Europeia, Índia, África do Sul, Coreia do Sul e Rússia estão preparando suas estratégias atualmente. França e Reino Unido abriram precedente e consagraram em lei metas para emissões líquidas zero até 2050.
Suprimento energético: 82% do mix energético do G20 continua vindo de fontes fósseis. O total de suprimento primário de energia de combustíveis fósseis em 2018 aumentou na Austrália, Canadá, China, Índia, Indonésia, Rússia, África do Sul, Coreia do Sul e Estados Unidos. A eficiência energética dos países do G20 melhorou desde 1990, mas os ganhos anuais de eficiência estão caindo lentamente.
Energia: Índia é o país que mais investe hoje em energia renovável, enquanto o Brasil e a Alemanha são os únicos países do G20 com estratégias de longo prazo para fontes renováveis. O Brasil lidera com 82,5% de renováveis, enquanto Arábia Saudita, Coreia do Sul e África do Sul ficam atrás com menos de 5%. Um plano para deixar de usar o carvão é necessário na Austrália, China, Índia, Indonésia, Japão, México, Rússia, África do Sul, Turquia e Estados Unidos. Indonésia e Turquia estão queimando mais carvão para geração elétrica – as emissões do setor nesses países foram as que mais aumentaram em 2018. França, Brasil e Reino Unido reduziram consideravelmente suas emissões no setor elétrico em 2018 ao se distanciar da geração energética a base de combustíveis fósseis.
Transporte: Canadá, França, Japão e Reino Unido estão liderando na restrição à venda de carros com motores a combustão. A China quase dobrou o percentual de veículos elétricos em um ano e possui as políticas mais ambiciosas para mudança rumo ao transporte público. Os Estados Unidos (24 vezes os níveis da Índia), Canadá e Austrália são os que tem maior emissão de transporte per capita. As emissões de aviação no G20 estão aumentando rapidamente na Austrália, Estados Unidos e Reino Unido, tendo a maior emissões de aviação per capita.
Construção: Estados Unidos, Austrália e Arábia Saudita tiveram as emissões per capita mais altas na construção civil, incluindo emissões baseadas em eletricidade, em 2018. Esses países também carecem de políticas ambiciosas para reduzir substancialmente as emissões do setor. Os países da União Europeia lideram com estratégias para novos edifícios com energia zero compatíveis com a meta de 1,5 grau Celsius. A União Europeia, Alemanha e França são os únicos membros do G20 com estratégias de longo prazo para adaptar edifícios existentes, mas a taxa anual de renovação não está consonante com um caminho para o 1,5 grau Celsius de aquecimento.
Indústria: A intensidade de emissões do setor industrial é a maior na Rússia, Índia e China. Ao mesmo tempo, Índia e China estão entre os membros do G20 com as políticas de eficiência energética mais progressistas.
Agricultura e uso da terra: Em 2016, as emissões dos países do G20 em agricultura caíram ligeiramente 0,4%. A pecuária é responsável por 40% das emissões agrícolas nos países do G20 e, indiretamente, causa emissões por meio do desmatamento para pastagens. Enquanto Argentina, Brasil e Indonésia têm algumas políticas para reduzir desmatamento ou apoiar reflorestamento, Austrália e Canadá não possuem qualquer política. Índia, China e México apresentam desempenho mais alto por conta de suas políticas de desmatamento de longo prazo.
Financiamento
Políticas e regulações financeiras: Todos os países do G20 começaram a discutir princípios de financiamento verde, mas as economias emergentes estão abrindo o caminho. Brasil e França são os únicos países do G20 com requisitos obrigatórios de divulgação financeira relacionados ao clima, enquanto a Indonésia é o único país do G20 com avaliação de risco relacionada ao clima obrigatória pelas instituições financeiras. Tanto a Índia como a China têm políticas obrigatórias para que bancos comerciais incentivem empréstimos verdes.
Política fiscal: Os países do G20, com exceção da Arábia Saudita (sem dados comparáveis), concederam cerca de US$ 127 bilhões em subsídios ao carvão, óleo e gás em 2017 – uma queda com relação aos US$ 248 bilhões registrados em 2013. Isso está parcialmente ligado com a queda dramática dos preços do óleo, gás e carvão ao longo deste período. Subsídios para infraestrutura e produção de gás natural cresceram em muitos países. Canadá, Argentina e Indonésia estão entre os países que economizaram bilhões de dólares ao cortar incentivos ou subsídios a combustíveis fósseis nos últimos anos.
Em média, cerca de 70% das emissões de CO2 nos países do G20 não são precificadas, ou são precificadas de maneira insuficiente, com Rússia tendo o maior gap na precificação do carbono, seguida por Indonésia, Brasil e China. No entanto, o número de países do G20 que já implementaram ou estão no processo de introdução de esquemas explícitos de precificação de carbono está aumentando. Os novatos entre 2018 e 2019 são África do Sul e Argentina.
Financiamento público: As instituições públicas nos países do G20 ainda financiaram a produção de energia a base de carvão e a exploração desse combustível fóssil entre 2016 e 2017, com investimentos internacionais de US$ 17 bilhões e domésticos de US$ 11 bilhões em média anualmente. Acabar com o financiamento ao carvão é um dos passos mais cruciais para atingir os objetivos de Paris. Os maiores financiadores externos do G20 são a China, Japão e Coreia do Sul. Instituições públicas no Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos restringem o gasto público com carvão.