O nexo água-alimento-energia-natureza
POR – Maurício Antônio Lopes*, especial para NEO MONDO
Precisamos refletir na lógica dos nexos e dos riscos associados ao uso competitivo do recurso natural mais importante para a humanidade, infelizmente escasso em quantidade e em qualidade.
A ciência é uma das mais extraordinárias invenções humanas, tendo se tornado a base da construção e da organização de conhecimento na forma de explicações e previsões testáveis sobre como o universo funciona. Com seus domínios e disciplinas, aguçou a nossa capacidade inventiva, concretizando avanços como a revolução industrial, que definiu um novo paradigma no desenvolvimento da humanidade, ou nas revoluções da agricultura e da medicina, que salvaram milhões de pessoas da fome e das enfermidades.
E a ciência se torna mais importante que nunca no século 21, em que estamos sendo desafiados a compreender e buscar soluções para desafios de complexidade crescente. Os maiores problemas do nosso tempo estão enraizados em múltiplos domínios da ciência e só podem ser tratados adequadamente se ampliarmos o nosso conhecimento sobre a natureza interconectada dos sistemas humano e natural.
Esse é o caso das mudanças climáticas, um dos temas mais pulsantes na agenda da sociedade, que envolve interações complexas entre ar, água, solo e os mais variados organismos vivos — plantas, animais e microrganismos. O inesperado surgimento e a rápida disseminação do coronavírus também ilustra a realidade complexa em que estamos imersos, com riscos que podem emergir de inter-relações complexas entre elementos biológicos, físicos, sociais, culturais, políticos e tecnológicos.
É por isso que o conceito de nexo — ou temas vinculados por múltiplas conexões — ganha cada vez mais espaço no mundo da ciência e na vida da sociedade. Como o nexo “alimento-nutrição-saúde”, que nos estimula a superar a desvinculação entre os sistemas alimentares e de saúde e suas graves consequências para a sociedade. Ou o nexo “água-alimento-energia-natureza”, que nos alerta para a estreita relação entre a água – recurso que sustenta a vida no planeta – e a segurança alimentar, energética e ambiental.
É por isso que precisamos refletir na lógica dos nexos e dos riscos associados ao uso competitivo da água, recurso natural mais importante para a humanidade, infelizmente escasso em quantidade e em qualidade.
Refletir sobre o nexo “água-alimento-energia-natureza” poderá nos ajudar a substituir o conceito de “uso competitivo da água” pelo de “uso compartilhado da água”, buscando formas de assegurar a disponibilidade do recurso em todos os lugares, superando, em muitos deles, crises causadas exatamente pela escassez do precioso líquido.
O conceito de nexo nos move a pensar e reconhecer conexões, interações e sinergias, essenciais para se buscar formas criativas de se compartilhar água entre múltiplos usuários, com destaque para abastecimento doméstico, produção de alimentos e fibras, dessedentação de animais, geração de energia, transporte de pessoas e cargas, recreação e turismo, indústrias, preservação da biodiversidade, dentre muitos outros.
A agricultura tem sido sempre lembrada como grande usuária das reservas globais de água doce, seja extraindo, estocando e usando o recurso para irrigação e criações animais, ou tomando emprestada da natureza a água da chuva, para sustento das lavouras. É, portando, dos agricultores a grande responsabilidade de sempre devolvê-la limpa à natureza. Além disso, os agricultores devem buscar variedades de plantas e raças animais mais eficientes e sistemas de irrigação que otimizem o uso de água e energia, além de práticas conservacionistas que protejam o solo e reduzam evaporação. Florestas plantadas, além de sistemas que integrem lavoura-pecuária e lavoura-pecuária-floresta bem manejados, também contribuem para a conservação da água, pelo solo, mitigando os efeitos negativos da redução de precipitações da estação chuvosa para a seca.
O nexo “água-alimento-energia-natureza” nos estimula a pensar formas sustentáveis de reservar água, um tema complexo e difícil, por suas implicações ambientais, mas que precisa receber mais atenção pelas suas implicações na produção de alimentos e energia e também na prevenção de catástrofes. Por exemplo, com mais reservatórios em pontos estratégicos, poderíamos ampliar a prática da irrigação, ainda pouco utilizada no Brasil.
Além de ampliar a produção de alimentos, a irrigação pode cumprir outro nobre papel no futuro – viabilizar reservas manejáveis de água, fazendo das represas, açudes e lagos uma bateria de amortecedores para mitigar os efeitos das enchentes, que tanto dano tem causado com o aumento de eventos climáticos extremos.
A natureza, com suas grandes malhas coletoras, que compõem as bacias hidrográficas, que alimentam córregos, riachos, rios e lagos, é que determina vazões hídricas que sustentam a biodiversidade e todos os demais usos da água no campo, nas indústrias e nas cidades. Ao manter recarregadas as reservas de superfície, os lençóis subterrâneos e a umidade que permitem aos solos sustentar lavouras e criações, a natureza sustenta a produção de alimentos e energia, além de atividades de recreação e turismo. Uma rede de interdependências que precisa ser percebida, valorizada e bem gerida.
É por isso que a negociação e o diálogo são necessários para a consolidação de um paradigma de compartilhamento de água que nos permita avançar na busca da universalização dos recursos hídricos e na compreensão da relação entre água, alimento, energia e natureza, todos fundamentais para a manutenção da vida e do bem estar da sociedade.
*Maurício Antônio Lopes é engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
Maurício Antônio Lopes – Foto: Divulgação