Pantanal – Foto: Marina Klink
POR – CRISTINA TORDIN (EMBRAPA MEIO AMBIENTE) / NEO MONDO
Em cada bioma, ou ecorregião, as bacias hidrográficas possuem características diferenciadas e, portanto, a gestão ambiental dessas áreas precisa contemplar cuidados maiores ora na qualidade da água ora na sua quantidade
Obviamente, devido aos respectivos aspectos climáticos regionais, a Amazônia precisa de mais atenção no tocante a qualidade, enquanto no Semiárido a quantidade é o fator de maior preocupação, por exemplo.
Aspectos ambientais nas diferentes bacias brasileiras diferem entre os biomas e ecorregiões, assim como a vocação agrícola regional.
Generalidades não são recomendadas em diagnósticos dessa natureza, explica Ricardo Figueiredo, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, que, de acordo com alguns estudos com grupos de pesquisa da Embrapa e de seus parceiros, cujo conhecimento é indispensável para a prática de uma agricultura sustentável, que ofereça alimentos, fibra e energia, assegurando bons índices de produtividade, mas com a conservação dos recursos hídricos.
“Os resultados das pesquisas confirmam a importância do setor rural para a conservação dos recursos hídricos nas bacias, os quais são indispensáveis para as demandas não apenas da agricultura, mas também das áreas urbanas e industriais do país”, enfatiza o pesquisador, além de promover contribuições seguras para o planejamento do manejo conservacionista das terras, proporcionando água em quantidade e quantidade adequadas para a agricultura e para as demais demandas da sociedade, sem esquecer, no entanto, as fragilidades, peculiaridades e potencialidades de cada bioma brasileiro e suas diferentes ecorregiões”.
Esses grupos de pesquisadores atuam nos diferentes biomas brasileiros analisando bacias hidrográficas em ambientes rurais para monitoramento, caracterização dos recursos hídricos e aumento do conhecimento científico, relacionando-as com as atividades agropecuárias presentes nas áreas terrestres dessas bacias.
A Rede AgroHidro (www.agropediabrasilis.cnptia.embrapa.br/web/agrohidro), por exemplo, realizou diversas pesquisas considerando as mudanças no clima e no uso da terra em bacias de diferentes dimensões nos diferentes biomas, entre 2012 a 2017.
Figueiredo explica que são feitas análises do estado dos recursos hídricos, seus problemas e desafios num contexto de cenários futuros de mudanças do uso da terra e do clima. Dessa maneira, é potencializado o intercâmbio de informações, cujas análises e diagnósticos no âmbito da bacia, podem apoiar tomadas de decisão no gerenciamento dos recursos hídricos, com destaque para o conjunto das atividades agrícola, pecuária, pesca e de extração vegetal, e assim avaliar e orientar quanto às práticas produtivas sustentáveis e à conservação ambiental.
Para isso, é fundamental a caracterização de vários aspectos da bacia hidrográfica no ambiente rural, como clima, geologia, topografia, tipos de solo, rede de drenagem, vegetação original e mudanças no uso e cobertura da terra, incluindo os sistemas agropecuários presentes e a dinâmica socioeconômica. Além disso, a mensuração das vazões fluviais precisa ser feita juntamente com outras quantificações hidrológicas, como as da precipitação, evapotranspiração, infiltração, recarga de estoques subterrâneos e escoamento superficial.
“Paralelamente, explica o pesquisador, localmente são realizadas mensurações de parâmetros físico-químicos de qualidade de água e coletadas amostras dos cursos d’água para análises laboratoriais, onde são determinadas as suas características químicas, tanto a fluvial como a infiltrada no solo ou escoada superficialmente, e em alguns casos avaliando-se a presença de potenciais contaminantes derivados do manejo agrícola”.
O refinamento dessas análises pode ainda incluir a análise química das águas e chuva, que dependem da composição atmosférica local e que também varia temporalmente.
Figueiredo explica que “é importante que parâmetros indicadores de qualidade da água fluvial sejam estabelecidos para subsidiar a adoção de programa de pagamento por serviços ambientais, a otimização do monitoramento da água em diferentes bacias e o apoio às práticas tecnológicas inovadoras que contribuam para a sustentabilidade na agricultura”.
Devido a complexidade das avaliações e seu caráter interdisciplinar torna-se necessário que equipes sejam formadas com especialistas das diferentes áreas da ciência como: climatologia, geologia, pedologia, sistema geográfico de informação, hidrologia, ecologia, biogeoquímica, agricultura e socioeconomia.
Essas pesquisas necessitam de avaliações mínimas por um ano completo, mas preferencialmente devem ser repetidas por vários anos, com o intuito de observar-se variabilidade interanuais, como por exemplo, a ocorrência de anos mais chuvosos e anos mais secos, a dinâmica do uso da terra e o manejo das propriedades rurais, dentre os quais pode-se citar o crescimento da vegetação em áreas sob processos de recuperação florestal.
O ideal, mas que raramente é alcançado, é o estabelecimento de microbacias experimentais para estudos de longo prazo, dentre as quais destacam-se como exemplo duas áreas de estudos na América do Norte, a saber: Coweeta Hydrologic Laboratory (www.srs.fs.usda.gov/coweeta) e Hubbard Brook Ecosystem Study (hubbardbrook.org/experimental-watersheds).
Pantanal – Foto: Luciano Candisani
Biomas
Na Amazônia, a mudança progressiva do uso da terra no Estado do Pará redundou em paisagens de pastos degradados e a retração dos remanescentes florestais, reflexo do manejo inadequado dos solos e da ocupação desordenada, incluindo as áreas de cultivos agrícolas. As pesquisas detectaram os maiores impactos na qualidade da água nas suas cabeceiras e nas zonas de recarga dos aquíferos. Em virtude da grande fragilidade desses locais, sua recomposição florestal é urgente, tanto no âmbito da propriedade rural quanto da bacia, sendo que as pesquisas demonstraram estreita relação entre a conservação das matas ciliares e a manutenção da qualidade da água. No contexto da agricultura familiar amazônica itinerante, a prática da derruba-e-queima da capoeira (vegetação de pousio) no preparo de áreas para plantio promoveu queda na qualidade de água dos pequenos cursos d’água, regionalmente conhecidos como igarapés. Como solução para esse problema ambiental, que não se restringe aos recursos hídricos, surge a alternativa de praticar-se o corte-e-trituração da capoeira para esse preparo de áreas, cuja eficácia produtiva e conservacionista mostrou-se muito promissora.
No Centro-Oeste brasileiro foram organizados dados de qualidade de água de bacias que drenam áreas agrícolas no bioma Cerrado, e também de rios tributários de áreas alagadas do bioma Pantanal, para avaliar o estado ecológico e o nível de impacto, além da geração de recomendações para melhoria do monitoramento do sistema fluvial Cerrado-Pantanal. Constatou-se que a intensificação do uso agrícola, no período de 1995 a 2009, nas porções superiores das bacias avaliadas resulta na elevação das concentrações de nitrogênio em seus córregos, e cujo efeito chega a alcançar setores a jusante até o rio Paraguai. A partir desse diagnóstico foi sugerida recomendação para que as instituições responsáveis pelo monitoramento hidrológico aumentem a frequência das amostragens nas bacias contempladas pelo estudo.
No Bioma Mata Atlântica, na bacia do Ribeirão da Onça, localizada no Primeiro Planalto Paranaense, situada em zona rural, porém próxima à grande centro urbano, foram investigadas em quais áreas seria mais urgente proceder-se a restauração da floresta ciliar nas Áreas de Preservação Permanente (APPs). Os resultados indicaram que, em 51% da área dessa bacia não há conflito de uso das APPs. Por outro lado, para os 49% restantes, o impacto foi considerado como sendo médio em 40%, como sendo alto em 8%, e baixo em 1%. As áreas de alto impacto e de médio impacto foram então elencadas como prioritárias para recuperação das APPs. Foi demonstrado nessa pesquisa a grande eficiência da utilização de ferramentas intrínsecas ao Sistema de Informações Geográficas (SIG) em análises desse tipo.
No sudeste brasileiro, na chamada Serra da Mantiqueira, também inserida no Bioma Mata Atlântica, foi realizada avaliação nas microbacias do Ribeirão das Posses (RPS) e do Ribeirão do Salto de Cima (RSC), em Extrema (MG), áreas contempladas por um programa municipal de Pagamento por Serviços Ambientais. Em ambas microbacias, embora em estágios diferenciados de recuperação (RPS mais impactada, mas com práticas de intervenção iniciadas dois anos antes em relação à RSC) apresentaram certa similaridade no tocante a qualidade de suas águas. Considerando que as duas microbacias contribuem para o Rio Jaguari e consequentemente para o Sistema Cantareira, que abastece grande população no estado de São Paulo, pode-se concluir que a recuperação ambiental executada por meio da política pública municipal adotada contribui para a melhoria dos recursos hídricos relacionados, resultado do manejo da propriedade rural onde ocorrem as nascentes, beneficiadas pelo maior armazenamento de água em seus solos.
Já na porção nordeste do Bioma Mata Atlântica, estudou-se o caso da bacia do rio Siriri, uma das principais contribuintes da bacia do Rio Japaratuba, localizado no estado de Sergipe. Trata-se de bacia com alterações significativas nos recursos hídricos, decorrentes de processos erosivos, assoreamento dos leitos dos rios, poluição hídrica e modificações nos regimes hidrológicos. Foi diagnosticado que a origem desses impactos está diretamente relacionada às intensas alterações no uso e cobertura da terra, com retiradas significativas das florestas ciliares, assim como a substituição de pastagens por cultivos agrícolas, além de deficiente coleta de esgotos domésticos nos centros urbanos. Alguns parâmetros de qualidade de água apresentaram indicativos desses impactos, como valores de oxigênio dissolvido abaixo do limite mínimo estabelecido para a Classe 2 da Resolução do Conama 357/2005, resultado do uso inadequado de fertilizantes agrícolas e do lançamento de esgoto urbano no rio, sem o seu devido tratamento, fato este que potencializa os impactos sobre a qualidade da água ocasionados pelo desmatamento e a adoção de práticas agrícolas sem cuidado conservacionista.
As pesquisas no momento continuam, embora não mais realizadas no âmbito de uma rede nacional, cujo tempo de projeto e financiamento encerrou-se em 2017. No entanto, os diferentes grupos de pesquisas dando continuidade à geração de conhecimento sobre a dinâmica hidrológica das bacias e sua relação com a agricultura, focam no momento na geração de recomendações de políticas públicas, como o pagamento por serviços ambientais, na aplicação de modelos hidrológicos em avaliações sobre mudanças climáticas, e em estudos sobre sistemas de produção mais sustentáveis no que se refere aos recursos hídricos, dentre abordagens técnico-científicas.
Por fim, os resultados das pesquisas confirmam a importância do setor rural para a conservação dos recursos hídricos nas bacias, os quais são indispensáveis para as demandas não apenas da agricultura, mas também das áreas urbanas e industriais do país.
Equipe do jornal sobrevoou de helicóptero com fiscais do Ibama 240 quilômetros entre Sinop e Brasnorte (MT). Foram avistados muitos hectares de desmatamento de floresta amazônica, mata de transição e cerrado para dar lugar a plantações gigantescas de soja e pastagem para gado – Foto: Tiago Queiroz/ESTADÃO