O estudo, conduzido no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, baseou-se na análise dos anéis de crescimento de árvores de cerejeira e na comparação de imagens de satélite dolina dos Macacos, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu – Foto: Luciano Fioroto
POR – JOSÉ TADEU ARANTES (AGÊNCIA FAPESP) / NEO MONDO
Vários indicadores já apontaram os impactos adversos que a mudança climática global está provocando na cobertura vegetal do planeta
Um fato positivo e ainda pouco conhecido é que, em certas regiões, a presença de fatores como afloramentos rochosos, córregos e locais com solo mais profundo criam refúgios climáticos, nos quais as árvores são bem menos afetadas pelo aumento gradual da temperatura e pelas mudanças no regime das chuvas.
Uma pesquisa realizada no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no norte de Minas Gerais, apoiada pela FAPESP, confirmou e quantificou tal tipo de ocorrência. “Esses refúgios são ótimos candidatos a iniciativas de manejo, pois a probabilidade de sucesso das medidas aumenta, o que pode gerar menor gasto de recursos na área de conservação”, diz a bióloga Milena Godoy-Veiga, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), principal autora do estudo.
O artigo a respeito acaba de ser publicado no periódico Forest Ecology and Management: “The value of climate responses of individual trees to detect areas of climate-change refugia, a tree-ring study in the Brazilian seasonally dry tropical forests”. Participaram dele o orientador e o coorientador de Godoy-Veiga: respectivamente, Gregório Ceccantini e Giuliano Locosselli.
Segundo a pesquisadora, esses enclaves de refúgio são comuns em áreas cársticas. O termo se aplica a localidades onde a dissolução química das rochas produziu, ao longo do tempo, relevos geológicos caracterizados por paredões rochosos expostos, depressões, cavernas, vales secos, rios subterrâneos etc. “Esta é a paisagem do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, onde o solo chega a apresentar diferenças de altura de até 200 metros, com as partes altas projetando suas sombras nas mais baixas, e o ambiente reúne todas as demais características citadas”, afirma.
A constatação de que um vasto trecho do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu constitui área de refúgio foi feita mediante a análise dos anéis de crescimento da árvore Amburana cearensis, localmente conhecida como amburana-de-cheiro ou cerejeira. “Contamos mais de 4.500 anéis de crescimento na madeira de 39 árvores. Normalmente as análises cronológicas são feitas utilizando um valor médio para todas as árvores. Mas nós conseguimos analisar cada árvore individualmente. Isso foi possível graças a uma parceria com pesquisadores do Instituto Weizmann, de Israel, coautores no artigo: a chefe do laboratório, Elisabeta Boaretto, e o cientista Lior Regev, responsável pelo acelerador de partículas em que são feitas as datações por meio do carbono 14”, conta Godoy-Veiga.
O método possibilitou a datação precisa dos anéis de crescimento que se formaram no período do chamado “pico da bomba”. Esse termo se refere à época em que os testes nucleares aumentaram abruptamente a concentração de radiocarbono na atmosfera. Hoje, isso fornece uma baliza muito acurada para a cronologia das árvores investigadas.
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“Nossa análise mostrou que, das 39 árvores, 22 eram sensíveis à temperatura e à quantidade de chuvas no verão; 6 apenas às chuvas; e 11 pareciam não ter sido afetadas pelo clima regional. Com base nesse achado, definimos os trechos do parque que poderiam ser considerados locais de refúgio climático. A confirmação dessas áreas foi feita com base em imagens de satélite tiradas na estação seca e na estação chuvosa”, informa a pesquisadora.
“A comparação das imagens possibilitou construir um índice de vegetação, que deixou claro que as presumidas áreas de refúgio às mudanças climáticas são as menos sazonais do parque, onde a maioria das árvores não perde folhas. Tais áreas estão associadas aos terrenos mais baixos, com solo mais profundo, ou próximos a afloramentos rochosos e ao rio Peruaçu”, continua.
Localizado no norte de Minas Gerais, região de encontro de dois importantes biomas, o Cerrado e a Caatinga, o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu é uma paisagem monumental na Região Central do Brasil. Sua configuração cárstica decorre de milênios de ação da chuva e do rio Peruaçu, um afluente do São Francisco, que criou gigantescas cavernas e espeleotemas.
Além das cavernas, o parque possui quase 600 quilômetros quadrados de matas secas, onde o estudo foi conduzido. “Analisando apenas as partes não degradadas do parque, cerca de 80%, identificamos quase um quarto da área total como de área de refúgio. Isso corresponde a mais de 100 quilômetros quadrados”, comenta Godoy-Veiga.
A pesquisadora afirma que, nessa área, os vários fatores já mencionados criaram um microambiente desacoplado do clima regional, proporcionando condições mais favoráveis para o manejo e aumentando a probabilidade de sucesso das medidas que venham a ser adotadas.
Mas é preciso considerar esse horizonte com sobriedade, sem alimentar expectativas exageradas, pois já se sabe que condições climáticas extremas, como as que ocorreram no ano de El Niño de 1997, têm um efeito negativo no crescimento das árvores, mesmo em áreas de refúgio.
“Este trabalho traz um grande avanço na identificação de áreas de refúgio climático, inclusive em regiões de matas secas, como as do norte de Minas Gerais. Porém, mesmo nestes locais protegidos do aumento gradual de temperatura e das mudanças graduais nos padrões de chuvas, as árvores são vulneráveis aos eventos climáticos extremos”, resume o botânico Giuliano Locosselli.
Ceccantini comenta: “No Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, há algumas espécies de árvores com uma enorme quantidade de indivíduos mortos recentemente, nos últimos anos, e que ainda estão em pé. Este trabalho ajuda a compreender o porquê de isso ter acontecido, e como precisamos reagir para conservar o patrimônio natural”.
E acrescenta: “Entender como as árvores sentem os efeitos do clima em microescala nos ajuda a definir estratégias para cuidar melhor das árvores – não apenas nas unidades de conservação, como parques nacionais e estaduais, mas também em áreas urbanas, onde as árvores desempenham papel muito importante para a qualidade de vida da população”.
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