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POR – ELLEN CARBONARI*, ESPECIAL PARA NEO MONDO
A sociedade e o meio ambiente tornaram-se, na modernidade, adicionais do mercado, invertendo uma lógica antiga: a de que a economia estava enraizada nas relações sociais. O que o senso comum está resgatando nesse instante são saberes de outros momentos históricos e de sociedade, antes deste organizado pelos mercados financeiros. Este resgate aparece em falas sobre novas economias, regeneração de ecossistemas, negócios com propósito e no entendimento ainda incipiente de que em uma sociedade desigual, todos perdem.
A teoria econômica, quando avaliada pelas correntes da sociologia e antropologia econômicas, não dá conta da complexidade de relações entre todos os atores envolvidos e, portanto, não é suficiente para o entendimento dos muitos emaranhados de relações, sejam elas de trocas, de trabalho e das existências humanas.
Marcel Mauss foi antropólogo e contribuiu de forma relevante para a nova sociologia econômica nas primeiras décadas do século XX. Mauss traz uma visão sobre as trocas operantes na sociedade que ultrapassam a troca estritamente material (dou-lhe reais para obter alimento). Para o autor, trata-se, no fundo, de misturas. Misturam-se as almas nas coisas, misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as vidas, e assim as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de sua esfera particular. Para autores como Mauss e Karl Polanyi, o que caracteriza a economia é a ação humana, algo de mais “substantivo” do que a definição comum. A economia estaria ligada às ações do indivíduo em relação aos seus meios natural e social para a produção daquilo que lhe é necessário para a vida. Por isso, existem primeiro as relações que constituem a existência humana para então existir aquilo que dá forma e meio a existência operar: as relações econômicas.
Redimensionar as categorias da vida (sociedade, natureza, relações pessoais e de trabalho) foi um exercício que se apresentou para muitos no último ano. Esse exercício reflexivo é um convite para avaliar em quais condições queremos dar sequência aos nossos negócios, rotinas e relações.
A economia enquanto organização das relações de troca se apresenta de forma divisiva e degenerativa por opção, como mostra a economista Kate Raworth em seu livro A Economia Donut. Aponta também que a economia de amanhã deve ser distributiva e regenerativa por concepção; uma cuja dinâmica tende a fazer circular o valor que é criado ao invés de concentrá-lo. Talvez este seja o desafio geracional de empreendedores, economistas e empresários inovadores e despertos: fazer uso de suas horas de vida, que hoje são centradas em rotinas de trabalho, para cocriar novos mecanismos de distribuição compartilhada de valor.
Na prática vemos empreendedores sociais buscando soluções de mercado para estes desafios nos mais diversos setores. São exemplos os negócios comunitários que conseguem conectar pequenos produtores agrícolas à tecnologias e mercados para melhoria de produção, distribuição e uso sustentável de recursos, gerando renda para famílias associadas. Ou startups sociais que reestruturam a lógica do marketplace, fazendo uso dessas plataformas para geração de emprego e renda, via capacitação de um conjunto de trabalhadoras e trabalhadores, conectando-os a mercados demandantes. Nestas operações, para além de uma relação de estrita troca econômica, imperam a geração de vínculos amplos e complexos que buscam de um lado fomentar o consumo consciente e por outro, viabilizar renda e acesso a mercados para grupos minorizados, como é o caso de startups como Diosa, Cooltivando, Morá e tantos outros.
A pergunta que se instala, portanto, é sobre esta geração e sua habilidade para redefinir o mainstream econômico; que recursos, pessoas e valores ainda precisam ser mobilizados para dar voz, representatividade e possibilidade de expansão dessas soluções?