O branqueamento de corais é um fenômeno natural, acentuado pelas mudanças climáticas e os impactos humanos – Foto: Luiz Cassino
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Um modelo integrado entre a área acadêmica, iniciativa privada e o terceiro setor visa o desenvolvimento de biotecnologias para a restauração de corais na região
O branqueamento dos corais e o declínio dos recifes tem ocorrido de forma expressiva em todo o planeta. Ele ocorre por uma combinação letal de mudanças climáticas e degradação ambiental da zona costeira. De acordo com pesquisadores locais algumas espécies no litoral de Pernambuco, apresentaram mais de 70% de morte ou doenças em suas populações, atingidas pela alteração de temperatura no último ano e que já vinham debilitadas pelo derramamento de petróleo de 2019-2020.
O evento de branqueamento que ocorreu no litoral Pernambucano, em 2020, foi o maior que se tem notícia na região nas águas da região em 35 anos. Essa anomalia climática foi confirmada pelo programa Coral Reef Watch (NOAA), que monitora e alerta para eventos extremos de aumento da temperatura do mar.
Diante dessa realidade, vem sendo desenvolvido o Projeto Coralizar, uma iniciativa que consiste na criação de um modelo experimental de pesquisa aplicada, atrelada a negócios, que envolve a comunidade local para a restauração de corais. O objetivo é criar uma operação autossustentável com múltiplas fontes de renda, a partir de experiências ecoturísticas. O projeto conta com o apoio do Instituto Neoenergia e parceria com o Instituto Nautilus, Biofábrica de Corais, Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal Rural de Pernambuco.
A restauração de corais é um processo lento e que requer atenção constante. O crescimento de cada fragmento varia de milímetros a centímetros por ano, de acordo com a espécie e ambiente. Por isso, a criação de uma rede de apoio que envolve vários segmentos é uma saída interessante para o processo de restauração e para a comunidade, que poderá ter uma fonte de renda, por meio da associação das ações de restauração com atividades turísticas.
Neste sistema, o setor hoteleiro será de fundamental importância, pois fará a ponte entre as ações de restauração de corais com o público final. No entanto, os jangadeiros, pescadores, mergulhadores e comunidade de forma geral serão beneficiados direta ou indiretamente. Até o momento, os idealizadores buscam parcerias com hotéis locais.
O desafio é enorme. O Projeto Coralizar foi implantado em 2019 e precisou se reformular com as perdas causadas pelo derramamento de petróleo, o branqueamento provocado pelas altas temperaturas em 2020 e com o impacto da COVID-19. Ao longo deste período, a parceria com as instituições locais foi indispensável. Para Renata Chagas, diretora-presidente do Instituto Neoenergia, a parceria com o WWF-Brasil representa o compromisso do Grupo Neoenergia com a preservação da biodiversidade, visando a garantia de um futuro mais saudável e sustentável, de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Década dos Oceanos proposta pela ONU. “O projeto Coralizar está inserido sob o pilar da biodiversidade e mudanças climáticas e tem o objetivo de fazer a diferença na preservação do planeta e consequentemente na vida das pessoas. Temos confiança que o trabalho em parceria gere retornos mais efetivos que as ações individuais”, ressalta a executiva.
Vinícius Nora, analista de Conservação do WWF-Brasil, segue na mesma interpretação, enfatizando o trabalho em conjunto. “O objetivo principal do projeto é desenvolver um método com bases científicas seguras, para manejar espécies em risco, e ao mesmo tempo desenvolver a atividade em conjunto com o mercado de turismo, empresas, setor acadêmico e instituições parceiras, fomentando novos modelos de negócios, inovação, geração de renda e empregos através de iniciativas de restauração de corais”, finaliza.
Foto – Divulgação
Berçário de Corais
Uma das ideias do projeto é a instalação de berçário de corais ex situ, que poderão ser inseridos dentro de hotéis, pousadas, restaurantes, entre outros. Sua exposição servirá para ações de educação ambiental, com forte atrativo turístico. Este instrumento educativo irá apresentar aos turistas o modelo de restauração desenvolvido pelo projeto. Ali serão visualizadas as “mudas” em processo de manejo e pesquisa nos aquários, além de interação com os corais in loco, com apresentação da problemática dos impactos do ambiente nas espécies e sua importância.
O professor Ranilson Bezerra (UFPE), coordenador do laboratório LABENZ e da Biofábrica de Corais, ressalta que esse processo de interação no berçário de coral antes da visitação in situ é ideal, pois educa e sensibiliza o olhar das pessoas para o cuidado e trato com o ambiente, “ensina a cometer menos danos e ter uma relação de cuidado com a natureza. Não existe desenvolvimento econômico sem a preservação da biodiversidade. Ao quebrar o elo da cadeia turística com a natureza, colocamos em risco o nosso futuro”.
O professor explica que a dinâmica dos berçários pode ser comparada a uma estufa de plantas: no berçário ex situ, o manejo dos fragmentos será feito sem a influência de variáveis externas, como a temperatura do mar, por exemplo. Os fragmentos com perda residual de tecido são cultivados até que se recuperem para posterior retorno ao habitat natural.
Paula Gomes, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Antozoários (GPA) e professora da UFRPE explica que o objetivo central do projeto é restaurar o ambiente recifal. “O projeto foi iniciado em Porto de Galinhas- PE com experiências in situ, e numa segunda etapa criamos protocolos para viabilidade do cultivo em aquário, fora do habitat-natural. A ideia é que esse experimento, no futuro, possa ser replicado em outros lugares da costa brasileira”.
No processo são priorizadas a espécie Mussismilia harttii por ser endêmica do Brasil e ameaçada de extinção. Ela é fundamental para ações de restauração, pois contribui para a conservação dos recifes como um todo e, também, Millepora alcicornis, que possui maior complexidade em sua estrutura tridimensional e cresce mais rápido facilitando os resultando no cultivo.
Foto – © Natl. Archives Australia / WWF
Importância dos Corais
Os corais são muito bem conhecidos pela comunidade científica, mas pouco conhecidos pelo público em geral. Eles são as florestas do fundo do mar, sustentam a vida marinha que por sua vez, apoia a vida terrestre – cerca de 55% do oxigênio do planeta é produzido por algas marinhas, e os oceanos fornecem bens e serviços que impactam o PIB do Brasil em 19%. Estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas do Brasil vivem na costa e dependem, em sua maioria, dos recursos naturais provenientes da região costeira e marinha.
Riscos
Segundo a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) desde o final do ano de 2019 e início do ano de 2020, houve um aumento significativo da temperatura do oceano ao nível do mar. Este aumento de temperatura de grande intensidade e duração impactou de forma mais severa os corais de Porto de Galinhas, pois encontram-se em áreas rasas (até 30 m de profundidade).
Relatório recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas apontou que entre 70% e 90% dos recifes de corais do mundo terão branqueado se elevarmos em 1,5°C a temperatura da superfície do mar – o que é previsto para acontecer até 2030. Trata-se de uma tragédia ambiental anunciada e uma ameaça aos setores que dependem dos recifes de corais, especialmente o turismo local, baseado nas belezas naturais da região.
Neste contexto, vale indicar que o Acordo de Paris é de fundamental importância para a redução do aquecimento global. Espera-se que o tema Oceanos entre nas discussões de forma mais efetiva na COP-26 e que os países se comprometam com metas mais ambiciosas de redução de emissão de CO2.
FIQUE POR DENTRO:
– Estima-se que 30 milhões de empregos na pesca de pequena escala em todo o mundo dependem de recifes de coral;
– US$ 36 bilhões/ano é o valor global estimado para o turismo relacionados aos recifes de coral;
– Estima-se que 850 bilhões de pessoas no mundo dependem de alguma forma dos recifes de coral;
– 25% das espécies dos oceanos são dependentes dos recifes de coral em alguma fase de seu ciclo de vida;
– O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que entre 70% e 90% dos recifes de corais do mundo terão branqueado se elevarmos em 1,5°C, e a previsão é que isso ocorra até 2050
*Fonte: https://www.coralreefrescueinitiative.org/coral-reef-crisis