Descrita no litoral paulista em 2019, estrutura coralínea da Queimada Grande surgiu quando oceano era mais quente e parou de crescer quando águas mais frias influenciaram o clima da região, revela estudo liderado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo – Foto: Rodrigo Melo/LABECMar
POR – ANDRÉ JULIÃO (AGÊNCIA FAPESP) / NEO MONDO
Após florescer em águas quentes e tropicais que circundavam o sul do litoral paulista há cerca de 5 mil anos, uma queda de temperatura, ocorrida há 3 mil anos, foi provavelmente o gatilho para que o crescimento do recife de coral mais ao sul do Atlântico fosse interrompido
A conclusão é parte de um estudo publicado na revista Global and Planetary Change por um grupo liderado por pesquisadores do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) apoiado pela FAPESP.
Após a pausa, o Recife de Coral da Queimada Grande, próximo à ilha de mesmo nome no litoral paulista e descrito apenas em 2019, teve o crescimento retomado por alguns séculos. A retomada provavelmente se deu por uma janela de oportunidade de condições favoráveis que durou pouco e, logo, o crescimento foi novamente interrompido. O fenômeno parece ser um padrão observado em outros recifes coralíneos marginais, como são conhecidas estruturas como essa que estão em condições consideradas limítrofes de sobrevivência, como os recifes de Abrolhos, na Bahia.
“A análise de amostras da estrutura recifal mostrou que, entre 5 mil e 3 mil anos atrás, houve um hiato no crescimento do recife. Ele cresceu, parou de crescer, teve um pequeno crescimento numa janela de alguns séculos e parou novamente. O que propusemos nesse trabalho é que a variação do nível do mar não é suficiente para explicar esses ciclos de crescimento, como seria esperado, mas, sim, as prováveis variações de temperatura da água e sedimentação. E que isso pode se aplicar a outros recifes brasileiros”, explica Guilherme Henrique Pereira-Filho, professor do Instituto do Mar (IMar) da Unifesp, em Santos, e coordenador do estudo.
Os recifes se formam quando corais se fixam em alguma superfície no fundo do mar e formam colônias. Com o tempo, os esqueletos das que morrem, compostos basicamente de carbonato de cálcio, servem de base para novos espécimes, criando estruturas que podem chegar a vários quilômetros de extensão e que atraem uma grande diversidade de outros organismos.
O Recife de Coral da Queimada Grande tem cerca de 320 mil metros quadrados e margeia o lado oeste da Ilha da Queimada Grande, por sua vez distante cerca de 30 quilômetros da costa de Itanhaém, litoral sul de São Paulo. A estrutura começou a se formar há pouco mais de 5,5 mil anos e é composta basicamente por uma única espécie de coral, Madracis decactis, mas habitada por peixes, algas, invertebrados e microrganismos.
A estrutura foi descrita há apenas dois anos pelo grupo de Pereira-Filho, enquanto os pesquisadores faziam observações para um projeto financiado pela FAPESP, que acabou incorporando os estudos do recife.
A estrutura está a cerca de 15 metros de profundidade. Normalmente, recifes de coral estão muito mais próximos da superfície, onde a temperatura mais alta e a entrada de luz são ideais para o crescimento das colônias. Uma elevação do nível do mar, portanto, poderia explicar uma parada no crescimento. Acontece que os registros geológicos dão conta de que quando o recife surgiu, o nível do mar na região estava ainda mais alto, cerca de 4 metros acima do atual.
“Esse recife está numa condição diferente dos outros. Mesmo quando voltou a crescer, há uns 2 mil anos, o nível do mar ainda estava alto. Os recifes de Abrolhos, na Bahia, e Anchieta, no Espírito Santo, também tiveram estágios de crescimento e parada nos mesmos períodos, mas eles sempre estiveram muito próximos da superfície. Uma explicação mais provável, portanto, é a variação da temperatura”, diz Pereira-Filho, que integra o Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LABECMar) da Unifesp.
Recife de corais – Foto: Leo Francini/LABECMar
Recifes marginais
Os pesquisadores observaram que durante o período de pausa de crescimento do recife, aproximadamente 3 mil atrás, correntes marítimas convergiram muito mais próximas ao litoral paulista. Esse encontro provavelmente tornou as temperaturas regionais ainda mais baixas do que atualmente na região em que o recife se desenvolveu.
A migração da confluência da Corrente do Brasil com a das Malvinas/Falkland para latitudes mais ao norte proporcionou uma média de temperaturas regionais mais baixas em boa parte do litoral brasileiro, impactando, portanto, o crescimento dos recifes coralíneos.
Atualmente, essa confluência está mais ao sul, tornando áreas como a de Abrolhos mais quentes e propícias para o crescimento dos corais. No entanto, em Queimada Grande as condições atuais parecem não ser mais favoráveis para o crescimento do recife, o que tem sido tema de novas pesquisas do grupo.
“Ainda que o nível do mar tenha contribuído para a pausa no crescimento de Abrolhos e Anchieta, essa mudança de temperatura é um dos elementos que provavelmente explicam o hiato nesses dois locais e em Queimada Grande ao mesmo tempo. Nossa conclusão é que esses recifes marginais são muitos suscetíveis a variações climáticas, podendo ligar e desligar o crescimento muito rapidamente, de acordo com pequenas variações ambientais”, afirma o pesquisador.
Já o curto intervalo em torno de três séculos em que os recifes voltaram a crescer, há mais ou menos 2 mil anos, provavelmente se explica por uma janela de oportunidade gerada pela combinação de fatores ambientais, incluindo o aumento da temperatura das águas da região. No entanto, esse período favorável ao crescimento recifal foi rapidamente interrompido, 2 mil anos atrás, pelas maiores intensidades do fenômeno El Niño.
Atualmente, o recife é considerado senescente. Isso quer dizer que os corais não produzem carbonato de cálcio suficiente para promover o crescimento da estrutura, como ocorre com recifes mais ativos. No entanto, a estrutura recifal ainda desempenha os mesmos papéis ecológicos de um recife ativo, promovendo hábitat para uma grande diversidade de algas, peixes, invertebrados e outros organismos.
“A comunidade de corais e outros organismos produtores de carbonato de cálcio está apenas mantendo a estrutura recifal. O que é algo esperado em um recife ao sul do Altlântico, que está numa condição limítrofe. A estrutura do recife é formada por uma única espécie, mas a diversidade de outros organismos é altíssima. É um ambiente único no Atlântico, num local onde nem seria esperado ter algo assim”, comenta Pereira-Filho.
A existência de um recife de corais na região chamou ainda a atenção da sociedade e do poder público, criando condições para que a área fosse considerada de interesse turístico no plano de manejo da Área de Proteção Ambiental Marinha (APA) do Litoral Centro, que abrange o entorno marinho da Ilha da Queimada Grande. Assinado em março de 2021, depois de cerca de uma década de discussões entre poder público e sociedade civil, o documento serve como diretriz para a gestão da unidade de conservação (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/35091/).
A descrição do recife e as discussões em torno de sua conservação renderam também um documentário, lançado em março deste (confira abaixo). Com ele, pesquisadores, gestores e membros da sociedade civil organizada tentam chamar a atenção para a necessidade de conservação do local.