ARTIGO
POR – PETULA P. NASCIMENTO* e MARCELO A. B. MORANDI*, PARA NEO MONDO
Está clara a mudança de postura: o atual modelo econômico vai ter que incorporar tolerância zero com a corrupção, proteção ao meio ambiente, uso ético de informações privadas e respeito aos direitos humanos em toda a cadeia de fornecedores.
Com a persistência da pandemia da Covid-19 e sua repercussão social e econômica, o discurso do “New Green Deal” (Novo Acordo Verde) volta com força nas principais economias mundiais e com ele também a famosa sigla “ESG” (Environmental, Social and Governance) – em português, Ambiental, Social e Governança.
O desafio é como nos aproximar de maneira efetiva dessa nova geração e mentalidade, seja ela urbana ou rural, para comunicar de forma compreensível e gerar engajamento, mostrando o que o Brasil já tem de práticas sustentáveis e como todos podem se envolver nesta construção. Podemos fazer isso com uma abordagem mais dinâmica e moderna? Eis a questão que trazemos à mesa.
Embora haja atenção crescente à temática, é preciso avançar na compreensão das barreiras, lacunas, critérios e procedimentos que possibilitem integrar fatores de ESG às atividades econômicas. Empresas e governos deverão investir em conhecimento, ajudando a mitigar riscos e a promover valor no longo prazo.
Sustentabilidade, portanto, deixa de ser um conceito abstrato e se transforma em um ativo, que conjuga economia, meio ambiente e pessoas na mesma equação e onde o resultado deve ser positivo para todos. É um imperativo, trazido à discussão pelas mudanças do clima e acelerado pela ainda em curso pandemia que paralisou e mexeu com o status quo do planeta. Os maiores líderes mundiais e investidores estão entendendo que a mudança é importante e urgente.
Neste novo desenho, os sistemas financeiros precisam garantir a criação de dinheiro a baixas taxas de juros e que seja consistente com os objetivos democráticos, estabilidade financeira, justiça social e respeito ao meio ambiente. A sustentabilidade mensurável e precificável entrou definitivamente na agenda de todas as atividades econômicas.
E como a agricultura se insere neste cenário?
A agricultura deverá cada vez mais desempenhar atividades socialmente justas e ambientalmente responsáveis, que foquem na preservação da biodiversidade, diminuição da emissão de carbono e valoração dos serviços ecossistêmicos. É questão de mercado, de negócio. É preciso criar vantagem competitiva. Vale para todo tipo e tamanho de produtor, e envolve agregação de valor, certificações de origem, construção de marca e imagem e conquista de consumidores, desde circuitos curtos de comercialização até os grandes mercados internacionais. Diz respeito à própria sobrevivência e longevidade do negócio.
Sistema ILPF (Integração Lavoura, Pecuária e Floresta) – Foto: Divulgação/Embrapa
As novas gerações de consumidores estão cada vez mais preocupadas com o que está por trás dos seus hábitos de consumo. Uma pesquisa de 2016 da Cone Communications verificou que 75% dos millennials estão dispostos a ter um corte no salário para trabalhar em uma empresa socialmente responsável. Em outro estudo, da Nielsen, 73% dos millennials pagariam mais por produtos ou soluções sustentáveis.
A agropecuária brasileira se beneficia de tecnologias para o mundo tropical, desenvolvidas a partir da década de 1970, que teve como marco a fundação da Embrapa. Com o fortalecimento da ciência voltada para a agricultura, o país passou a experimentar crescimentos impulsionados por ganhos de produtividade por hectare. Nestes quase 50 anos, com mais intensidade nas últimas três décadas, enquanto a área plantada com grãos cresceu 61%, a produção aumentou 312%, cinco vezes mais. Assim, o agro brasileiro pode – e deve – desempenhar um papel ainda mais relevante no mundo, pela sua capacidade de produzir alimentos, fibras e energia em quantidade e qualidade.
Mas há uma certeza: qualquer novo padrão tecnológico terá que se nortear pela consolidação de sistemas de produção limpos, com balanço positivo de carbono, adoção de práticas de manejo de solos tropicais, investimentos na conservação e uso da biodiversidade e que integrem as cadeias, promovam a inclusão produtiva e gerem e remunerem as externalidades positivas – que são os benefícios indiretos que uma empresa gera a outras empresas e à sociedade. Ou seja, cumprir os critérios ESG.
Temos um arcabouço legal e de políticas públicas robusto, que inclui o Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC), a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), o Programa Nacional de Solos do Brasil (Pronasolos), o Programa de Bioinsumos, o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais recém-sancionada, a ratificação do Acordo de Nagoia sobre biodiversidade e outros marcos importantes. Sem esquecer do Código Florestal que, mesmo ainda carecendo de plena implementação, é uma baliza sem igual, que nos permite ter Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal convivendo com a área produtiva dentro das fazendas.
A sustentabilidade nesta nova visão é uma construção coletiva, envolve todos os atores em todo o ciclo de geração de riqueza. Na agricultura, inclui aqueles que estão “antes da porteira”, como as indústrias de insumos e máquinas, seguido daqueles diretamente envolvidos na produção “dentro da porteira”. Bem como os distribuidores e consumidores – que hoje são agentes de mudança fundamentais, assumindo protagonismo crescente na regulação de mercados, especialmente de alimentos.
Inclui ainda, de forma transversal, os governos – responsáveis pela proposição e condução de políticas públicas efetivas –, as organizações públicas e privadas de ciência, tecnologia e inovação e o setor financeiro, engrenagens que alimentam o ciclo.
Está posto o desafio. Usando uma expressão bem brasileira: estamos com a faca e o queijo na mão. Vamos construir juntos esse futuro?
*Petula P. Nascimento – Pesquisadora, Secretaria Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa (DF).
*Marcelo A. B. Morandi – Chefe-Geral da Embrapa Meio Ambiente (SP).