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ARTIGO
Por – Marina Amaral, Diretora Executiva da Agência Pública
“Olá, meu nome é Vanessa Nakate e moro em Kampala, Uganda, um país que é um dos mais expostos às mudanças climáticas. É um absurdo porque a África emite menos CO2 do que todos os continentes, exceto a Antártica, mas sofre os impactos mais fortes da crise: furacões, inundações devastadoras, secas. Pessoas estão morrendo, muitas outras perderam seu meio de vida. Isso não acontece apenas no continente africano. Seis milhões de bengalis tiveram que deixar suas casas devido às mudanças climáticas. Quem vai pagar por tudo isso? Quem vai pagar pelas pessoas que morrem, que fogem das ilhas do Caribe, do Pacífico? Por quanto tempo ainda será assim? É hora de medir os custos e é hora de o poluidor pagar.
Chega de cúpulas vazias, conferências vazias, é hora de nos mostrar o dinheiro, é hora, é hora, é hora e não se esqueça de ouvir as pessoas e as áreas mais afetadas. Ajam agora!”, gritou, antes de explodir em lágrimas.
O discurso da ativista ugandense foi aplaudido de pé há três semanas na Youth4Climate, em Milão, na Itália, firmando sua liderança entre a juventude global. Isso, um ano depois de Vanessa ter sido cortada pela agência Associated Press (AP) de uma foto em Davos em que era a única negra entre jovens ativistas brancas e européias como Greta Thunberg. Apoiada pelas colegas, Vanessa cobrou: “Por que você me removeu da foto? Eu fazia parte do grupo! A AP não apenas apagou uma foto, mas apagou um continente!”, postou nas redes sociais, obrigando a AP a se desculpar pelo ato imperdoável – também do ponto de vista jornalístico.
Em cima, a foto cortada como foi divulgada pela agência
Mas agora Vanessa está no centro da foto, não há como apagá-la. É ela o símbolo da palavra de ordem assumida pela juventude nos preparativos da COP 26, que acontece a partir do próximo domingo, em Glasgow. Logo depois da fala de Vanessa, ainda sob emoção, foi Greta quem puxou o coro:“O que queremos?”, perguntou aos 400 jovens que aplaudiram o discurso em Milão. “Justiça Climática”, afirmam os jovens manifestantes. “Quando queremos?”, pergunta. “Queremos agora”, é a resposta desta vez.
A bandeira é a mesma na outra ponta geracional, o grupo The Elders (Os Anciãos), formado por ex-presidentes e ex-ministros de vários países que defendem uma ação enérgica e integrada aos direitos humanos para conter o aumento da temperatura do planeta para no máximo 1,5 grau centígrado, a missão quase impossível da COP-26. Como lembrou a ex-presidente da Irlanda, ex-Alta Comissária da ONU para o Clima e presidente dos The Elders, Mary Robinson, entrevistada no Roda Viva desta semana, não há como atingir essa meta apenas com tecnologia, sem Justiça Climática, nesse mundo desigual: “O recente relatório da ONU mostra que o G20 (grupo dos países mais ricos, que é responsável por 80% das emissões de carbono) está a caminho de um aumento de 16% das emissões até 2030. E que as empresas vão continuar usando petróleo, gás e carvão, em menor proporção, mas continuam”, afirmou. “Enquanto isso, os que protegem os ambientes são os mais impactados”, lembrou Robinson, que tem uma fundação voltada à Justiça Climática, com um estrelado conselho internacional.
No caso do Brasil, reino das desigualdades, os dois mundos se tocam: estamos entre os países do G20, e aumentando nossas emissões, principalmente por causa do desmatamento (que responde por 44% do total nacional) e também entre os povos que mais sofrem com a seca e a destruição ambiental, como sabem indígenas, agricultores familiares e os trabalhadores que enfrentam insegurança alimentar nas cidades. O presidente Jair Bolsonaro já fez sua escolha, pelo desmatamento, pela invasão das terras indígenas, pela fome. Nem vai à COP 26, somente na reunião do G20, na qual será o único país a recuar nas metas de emissão de carbono, enquanto a comitiva oficial em Glasgow quer apenas ganhar dinheiro com créditos de carbono sobre as florestas que vem destruindo.
Nossa esperança está em jovens como Vanessa, Greta, e também nos ativistas e indígenas brasileiros que estarão na COP-26 e que sabem, como diz Ailton Krenak, que “a sustentabilidade é o mito do mundo do consumo”. É por causa deles, que sofrem um momento de extrema violência também no Brasil, que estaremos lá a partir de 2 de novembro, com a repórter Anna Beatriz Anjos trazendo as vozes de quem mais importa na conferência do clima mais quente de todos os tempos. Até lá!
Ailton Krenak – Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press