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Artigo
Por – Marina Amaral, Diretora Executiva da Agência Pública / Neo Mondo
Desde 10 de dezembro de 1950, dois anos depois de assinada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela ONU, comemora-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Inclusive no Brasil, onde os policiais continuam a espancar rotineiramente jovens negros em abordagens sádicas e a promover chacinas nos bairros pobres. Totalmente impunes.
Por aqui, bordões do tipo “direitos humanos para humanos direitos”, disseminados por programas de justiceiros e similares, envenenaram a população brasileira a ponto de relativizar o direito à proteção do Estado, ou pelo menos de não ser morto ou torturado por seus agentes. Mas, como a humanidade aprendeu com a guerra, os direitos de qualquer pessoa só estão garantidos quando são universais. “A dignidade é inerente à pessoa humana e é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”, diz o artigo número 1 da declaração assinada em 1948, ainda sob a emoção das atrocidades cometidas no Holocausto judeu, movidas pelo racismo.
Sim, os seres humanos são capazes de crimes de arrepiar, mas quando cometem crimes investidos dos poderes do Estado são incontroláveis. Como sabemos, é o racismo, compartilhado com a sociedade, que rege a ação homicida das polícias contra os jovens nos bairros pobres e deixa impunes os crimes em que as vítimas são meninos pobres. Sob as vistas de todos. A vida e a dignidade são vistas como privilégios no Brasil.
Pensei nisso ao ler o desfecho de uma das histórias mais tristes deste ano, já tão cheio de más notícias. Ontem a polícia encerrou o inquérito sobre o desaparecimento dos três meninos de Belford Roxo, em dezembro de 2020. Segundo a polícia, que não apresentou nenhuma prova sobre o caso durante um ano de investigação, eles foram torturados e mortos por pegarem um passarinho de um “traficante”.
Para os familiares de Lucas Mateus, 8 anos, Alexandre,10 anos, e Fernando, 11 anos, a negligência da delegacia de homicídios da Baixada Fluminense, região dominada pela milícia, porém, tirou qualquer chance de os meninos se salvarem. Primeiro, pela demora nas investigações. Os policiais disseram às famílias que só poderiam registrar o desaparecimento dos meninos em 24 horas – o que bate de frente com o Estatuto da Criança e Adolescente, que determina buscas imediatas. Um atraso imperdoável acrescido de um erro fatal: em março deste ano, o Ministério Público encontrou um vídeo de uma câmara de segurança, apreendida em janeiro pela própria polícia, que mostrava os meninos andando em uma rua de um bairro vizinho no dia do desaparecimento. Os policiais disseram aos promotores que não tinham “encontrado” a imagem dos meninos no vídeo (à imprensa eles já haviam dito, em janeiro, que a imagem dos meninos não havia sido captada por nenhuma câmara de segurança).
“Naquele dia em que fomos na delegacia, se tivessem puxado as câmeras, ido atrás das crianças, tenho certeza de que teríamos tido uma resposta”, disse Tatiana Ribeiro, mãe de Fernando, às repórteres da Folha Ana Luiza Albuquerque e Júlia Barbon em abril, três meses depois do desaparecimento. “Me sinto humilhada porque não tenho dinheiro, meu filho não é branco. Tenho certeza que se eu morasse em Copacabana, Leblon, essas crianças estariam aqui”, desabafou.
Sinto por compartilhar essa história tão dolorida, mas a brutalidade deste caso talvez nos convença a não mais compactuar com o racismo do Estado e nos calar diante do descaso com os direitos dos mais vulneráveis pelas polícias, seja quem for a vítima. Como declarou a ONU há 72 anos, “todos os membros da família humana têm direitos iguais e inalienáveis”. Quando um perde esses direitos, perdemos todos.