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Artigo
Por – Pedro Abel Vieira, Antônio Marcio Buainain, Elisio Contini e Roberta Dalla Porta Grundling, para Neo Mondo
A combinação de instabilidade econômica com catástrofe sanitária é uma ameaça explosiva, principalmente para uma economia cambaleante. Números e projeções apontam que esta não será apenas uma recessão, mas a maior que o Brasil já viveu. Se antes da pandemia havia certo ceticismo quanto a recuperação econômica do país, com a taxa Selic a 9,25% e o avanço entre agosto e julho de apenas 0,1% na Formação Bruta de Capital Fixo, não há dúvidas de que o próximo ano será ruim para o Brasil. Além disso, como a elevação na taxa de juros não foi orientada pelo excesso de demanda, portanto, não é uma questão conjuntural, as dificuldades podem se arrastar por anos seguidos.
A recuperação não será fácil, especialmente porque o pós-pandemia, que pode ser comparado com um pós-guerra em escala global, além de investimentos para a retomada econômica, requererá exames completos dos modelos de negócios e o fortalecimento dos setores que possam contribuir com a pronta recuperação da vida social. Ao intensificar as forças geopolíticas e econômicas já em ação, a pandemia deixará marcas duradouras na economia global e o verde será o mote principal. Por exemplo, na esteira da pandemia, a Comissão Europeia está considerando estabelecer um imposto sobre o carbono das importações que poderá redefinir a competitividade global em uma série de setores.
Não é por acaso que a economia global priorizará o investimento verde, a pandemia apenas acelerou uma onda já identificada pelo Clube de Roma nos idos de 1970. As ondas de inovação, que vão desde a energia a vapor às redes digitais, trouxeram prosperidade para muitas nações, multiplicando o rendimento do trabalho por algumas centenas de vezes em relação aos valores que prevaleciam em 1785. Após séculos de ganhos de produtividade da mão de obra, o sistema dá sinais de esgotamento e a atenção se desloca para os recursos naturais havendo, em escala mundial, crescente inquietação quanto às suas capacidades de suporte. As propostas de uma nova ordem econômica, calcada numa concepção abrangente do desenvolvimento sustentável com ênfase na produtividade dos recursos naturais, ganham destaque fazendo com que a prosperidade no futuro seja cada vez mais multifacetada e tendo como pivô a utilização dos recursos ambientais de forma mais produtiva e socialmente mais justa.
Segundo o Observatório da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), alguns países menos desenvolvidos na África e na Ásia, além da China, têm sido os maiores receptores do financiamento verde. Já o Brasil, apesar de 74% dos brasileiros ter muito ou algum interesse em meio ambiente e 78% se mostram pouco ou nada satisfeitos com a preservação ambiental no país, está no outro extremo. Quando os brasileiros são indagados sobre as preocupações relacionadas à sustentabilidade, os resultados são: 42% indicam bem-estar, saúde e renda das comunidades como as questões que mais preocupam e 38% creem ser as questões ambientais, como poluição, aquecimento global, desmatamento, lixo, uso da água, as que mais importantes. Essa realidade é no mínimo estranha para um país como o Brasil em que a abundância em recursos naturais é o grande ativo e a sociedade apoia o desenvolvimento verde. É bem verdade que os investimentos verdes vêm aumentando no país, mas, em ritmo insuficiente. Em 2012, pouco menos de 18% do crédito a pessoas jurídicas era direcionado às atividades enquadradas em Economia Verde. Em 2020, esta participação subiu para 22%. Em relação às atividades com maior exposição ao risco ambiental, a participação caiu de 50%, em 2012, para 44% em 2020.
O Brasil já pagou um preço elevado por ser uma das economias mais fechadas do mundo, é chegada a hora de reverter essa situação embarcando na onda verde, mas, o que fazer?
Amazônia – Foto: André Dib
Uma prioridade que mobiliza a sociedade global e, portanto, a soberania nacional, que deve receber atenção máxima, são a Amazônia e o Pantanal. Não se trata de discussões fragmentadas sobre desmatamento, pobreza ou logística. Se trata de estabelecer um projeto para o desenvolvimento sustentável dos biomas que tenha por objetivos a geração de bem-estar com base no emprego e na renda, respeitando os limites dos recursos naturais. A advocacia global dos projetos Amazônia e Pantanal deve iniciar com uma ação forte de repressão aos comportamentos ilegais. A essa repressão deve se seguir a identificação de investimentos com ênfase na promoção de recursos latentes, o que não é difícil para uma região que dispõem de mais de nove mil profissionais com doutorado. Pesca e aquicultura, produção de cacau em sistemas agroflorestais, madeira em sistema de manejo sustentável, açaí e guaraná são exemplos de produções já estabelecidas na Amazônia que merecem atenção. Também merecem atenção neste bioma os sistemas agrícolas integrados (lavoura, pecuária e floresta) e a produção de palma para a adequação ambiental das áreas já antropizadas. No caso do Pantanal, além da promoção de atividades latentes, é preciso atenção com a preservação do ciclo das águas que vem sendo comprometido pela degradação ambiental no Cerrado.
Nos demais biomas (Cerrado, Mata Atlântica e Pampa), sempre há a possibilidade de promover o desenvolvimento calcado no uso sustentável dos recursos naturais, porém são ganhos marginais se comparado às possibilidades que a economia circular gera, especialmente no campo da infraestrutura, que deve liderar os investimentos em escala global uma vez que, com poucas exceções como a China, o mundo se defronta com enorme déficit em infraestrutura. O Diálogo de Investidores em Infraestrutura do G20 estimou em US$ 81 trilhões o volume necessário de investimentos globais em infraestrutura até 2040, US$ 53 trilhões dos quais em países não desenvolvidos. O Diálogo projetou um hiato de aproximadamente US$ 15 trilhões no mundo, sendo US$ 10 trilhões nas economias menos desenvolvidas. O Banco Mundial, por sua vez, estimou que, para as economias emergentes e em desenvolvimento atingirem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos para 2030, as necessidades de investimento em infraestrutura são da rodem de 4,5% de seus PIB anuais. O Brasil, por exemplo, tem feito investimentos em infraestrutura pouco acima de 2% do seu PIB.
Investimentos em infraestrutura verde deverão ser priorizados em escala global e parte importante no pós-covid estará nas cidades. Melhores serviços de abastecimento de água e saneamento, assim como mudanças no suprimento de energia, reciclagem (resíduos e água) e maior eficiência energética dos edifícios são exemplos a serem perseguidos. Outra parte do ‘verdejamento’ vem da energia. A despeito dos avanços, a economia brasileira está novamente sujeita ao risco energético. O Brasil é talvez o país mais bem posicionado na possibilidade da expansão na geração calcada em fontes alternativas como a biomassa, a fotovoltaica, a eólica e a hidroelétrica. A potencial crise hídrica e elétrica tem sido, no entanto, um componente comum no País, o que sugere a existência de um problema recorrente na gestão (pública e privada) dos recursos naturais, que não incorpora as mudanças climáticas.
A China vem surfando na onda verde e Pequim anunciou o objetivo de zerar suas emissões líquidas de carbono até 2060. O recém-lançado Plano Quinquenal (2021-2025) também traz metas ligadas à transição energética do país, que demandarão uma série de transformações estruturais em que a sustentabilidade ambiental é o elemento central. O redirecionamento a um mundo mais sustentável – e no qual a China tem um papel de liderança cada vez mais claro – traz uma série de oportunidades e desafios para o Brasil, tendo em vista as diversas sinergias bilaterais nas agendas de comércio, investimentos e cooperação tecnológica.
O contraste entre a escassez de opções verdes para investimento, particularmente em economias como o Brasil, e o excesso de poupança aplicada em formas líquidas e de baixo retorno na economia global merece ser confrontado. Isso é um alento para um país com enorme déficit em infraestrutura e considerado uma ‘potência ambiental’ como o Brasil. Competência não falta ao Brasil, o maior desafio está em estender as pontes entre o investimento verde e as fontes privadas, no momento às voltas com poucas oportunidades de obter retornos compatíveis com suas exigências. Para tanto, é necessário: i) o desenvolvimento de projetos estruturados, com riscos e retornos em conformidade com as preferências dos investidores; e ii) reduzir os riscos legais, regulatórios e políticos. ‘Verdejar’ a economia, desenvolver a Amazônia e o Pantanal e investir em infraestrutura é o negócio do Brasil.