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POR – ELENI LOPES DIRETORA DE REDAÇÃO DE NEO MONDO
ABELHAS: MUITO MAIS QUE REPRODUTORAS DE MEL, ESSENCIAIS PARA A MAIOR E MELHOR PRODUÇÃO AGRÍCOLA
A importância das abelhas para a agricultura é pouco disseminada. Graças à sua ação polinizadora, elas são essenciais para aumentar a produção e a qualidade das colheitas. Estima-se que os ganhos de produtividade com polinização por abelhas sejam equivalente a 10% do valor da produção agrícola, um acréscimo que representa, entre outros benefícios, menos áreas desmatadas e maior biodiversidade.
Um artigo publicado na revista internacional Apidologie revisitou 249 publicações científicas sobre os polinizadores de culturas com interesse econômico. Foram identificados os fecundadores de 75 culturas agrícolas brasileiras, distribuídos em 250 espécies de animais. Destes, 87% são abelhas. Ou seja, elas, além de produzir mel e seus subprodutos, contribuem de forma impressionante para intensificar a produção agrícola de diversas plantas, e também para a manutenção da biodiversidade.
A população urbana, em sua grande maioria, desconhece como os alimentos são produzidos. Desta forma, poucos sabem que abelhas são criadas não apenas para produzir mel, mas também são colocadas em muitas culturas para aumentar a produção e a qualidade dos alimentos cultivados, prática que vem crescendo nos últimos anos. A polinização agrícola é naturalmente reconhecida como um fator de produção fundamental em cultivos altamente dependentes desses serviços, como o melão, a maçã e o maracujá, mas recentemente ela também tem sido considerada relevante em culturas geralmente tidas como pouco dependentes, mas de grande importância econômica e social, como soja, feijão e caupi.
Para contribuir na conscientização da importância das abelhas em nossas vidas, conversamos com três grandes especialistas do assunto e destacamos alguns importantes trabalhos nacionais nesta área.
Diferença entre lucro e prejuízo
Breno Magalhães Freitas é agrônomo e há 20 anos professor e pesquisador do departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Sua paixão foi herdada do pai, agrônomo da Emater, que criava abelhas europeias e só aumentou ao estudar a polinização agrícola, unindo o interesse pela agricultura e a produção animal. Ele lembra que a população humana atualmente é de mais de 7 bilhões de pessoas e, até o momento, a matriz de produção de alimentos global tem se baseado, principalmente, na expansão da fronteira agrícola. “A polinização agrícola desempenha papel fundamental para que cada planta consiga alcançar o seu potencial produtivo máximo. Em diversas culturas, a inserção de colmeias, graças ao seu baixo custo, é a diferença entre o lucro e o prejuízo”, ressalta. “Por exemplo, na cultura do feijão, pouco dependente de polinização, as abelhas podem contribuir para um aumento de até 10% na produção”.
O professor conduz hoje diversas linhas de pesquisa com abelhas, com uma equipe de cerca de 30 pessoas na UFC, muitas em parceria com estudiosos da Inglaterra, Alemanha, Argentina, Austrália, entre outros países. Uma das pesquisas analisa os odores que mais atraem as abelhas, importante indicativo para os mel horistas de plantas. Outra estuda as causas das baixas taxas de reprodução de espécies sem ferrão, de forma a endereçar esta questão.
Como elas ajudam na polinização?
Quando a abelha pousa numa flor para coletar néctar ou pólen, grãos de pólen ficam presos nos seus pelos. Em razão do seu movimento entre as flores, os grãos podem ser levados ao estigma da mesma flor ou de outra. O mais curioso é que a ação da abelha é involuntária e, a polinização, um resultado acidental. Uma abelha visita em média entre 50 e 1.000 flores por dia. Uma revisão publicada pelo Journal of Economic Entomology listou algumas espécies vegetais que apresentam dependência essencial por polinizadores: abóbora, acerola, cajazeira, cambuci, castanha do pará, cupuaçu, fruta do conde, gliricídia, jurubeba, maracujá, maracujá doce, melancia, melão e urucum. Já as que foram citadas como apresentando grande dependência foram: gabiroba, goiaba, jambo vermelho, murici, pepino, girassol, guaraná, tomate, abacate, pinhão manso, damasco, cereja, pêssego, ameixa, adesmia e araticum. Ou seja, de forma indireta, podemos afirmar que as abelhas desempenham papel essencial para estes cultivos.
Simbiose perfeita
Cristiano Menezes é biólogo e pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental. Seu principal foco de estudo, há 16 anos, é a biologia e manejo das abelhas sem ferrão para a polinização agrícola. Sua paixão pelo tema nasceu ao fazer sua iniciação científica com o geneticista, engenheiro agrônomo e reconhecido professor Warwick Estevam Kerr. “São mais de 240 espécies de abelhas sem ferrão catalogadas no Brasil, um tesouro da biodiversidade, com cores e formatos diferentes, um material biológico incrível e cheio de mistérios”, conta.
Ele cita duas pesquisas para exemplificar a grande quantidade de mistérios a serem desvendados nesse grupo de abelhas. A primeira foi a descoberta de soldados especializados na abelha Jataí. “Assim como ocorre em formigas e cupins, descobrimos que a abelha jataí possui uma subcasta específica para proteger suas colônias de invasores”, explica.
De acordo com Cristiano, elas são bem maiores e morfologicamente diferentes das demais companheiras do ninho. Outro estudo que ganhou destaque internacional foi o primeiro caso de agricultura de fungos em abelhas, na espécie Mandaguari. Essas abelhas cultivam fungos para alimentar as suas larvas. É uma simbiose obrigatória, ou seja, as larvas precisam comê-lo para sobreviver. “É preciso conhecer muito bem a biologia dessas abelhas para ajudar na sua conservação e, principalmente, para utilizá-las na polinização agrícola de forma sustentável”, conta.
Benefícios mútuos
Desde criança, a bióloga, diretora do Instituto de Meio Ambiente e professora da Pontífice Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Betina Blochtein, gostava de observar a natureza, especialmente flores caídas e insetos. Ao ser aluna de um curso de apicultura na faculdade, se apaixonou pelo tema. Hoje, conta com alunos vinculados ao seu grupo de pesquisa. Ela destaca o estudo que conduz com a cultura da canola, que mostra que a produtividade pode aumentar em até 30% com a introdução das abelhas no cultivo. “Este ganho acontece naturalmente, sem colocar qualquer insumo agrícola na produção. Além disso, mostramos que a canola antecipa o ciclo das colmeias, numa relação de ganha-ganha entre agricultores e apicultores”, ressalta.
Outra descoberta da professora e de sua equipe é o quanto a paisagem é importante, ou seja, lavouras entremeadas de áreas nativas e de preservação permanente são essenciais para a sobrevivência das abelhas.
Dentre outros estudos, Betina conduz a criação in vitro de espécies sem ferrão para, entre outros objetivos, realizar a análise de risco dos defensivos agrícolas sobre as abelhas, especialmente os inseticidas. Seus estudos ajudam hoje a disseminar as boas práticas agrícolas. “Orientamos os agricultores sobre a importância de escolher o melhor horário para as aplicações dos defensivos, nos finais de tarde, principalmente, e dias com menor incidência de vento para minimizar o impacto dos produtos”, conta.
CURIOSIDADES
- A espécie de abelha mais comum, no Brasil e no mundo, é a Apis mellifera.
- Poucos sabem que também são criadas abelhas sem ferrão, que são menores e dóceis, e o mel que produzem, mais líquido e com um sabor ligeiramente ácido, é muito apreciado nos meios gastronômicos e possui maior valor de mercado.
- A abelha rainha é muito maior que as operárias. Uma rainha é produzida pelas operárias de abelhas melíferas, sempre que necessário, a partir de uma larva jovem de até 3 dias de vida. A larva se transformará numa rainha devido a uma alimentação diferenciada em termos de quantidade e qualidade. No caso da grande maioria das abelhas sem ferrão, as células de cria onde as rainhas serão criadas recebem mais alimento do que células das operárias.
- Os zangões servem apenas para a reprodução, já que não defendem a colônia – não possuem ferrão –, nem coletam alimento ou outros recursos para a colônia.
- A rainha de abelhas melíferas copula com até 20 zangões durante o voo nupcial. Já as rainhas das abelhas sem ferrão são fiéis a um único macho.
- As abelhas se alimentam, basicamente, de néctar e mel, como fonte de carboidratos, e pólen, como fonte de proteínas, gorduras, vitaminas e minerais, além de água. Elas visitam quase 4 milhões de flores para produzir 1 kg de mel.
- Elas só atacam quando sentem que a sua integridade, ou a de sua colmeia, está ameaçada. Uma abelha só ferroa longe da colmeia quando é molestada ou quando saiu de uma colmeia que foi atacada.
- Já as abelhas sem ferrão possuem métodos alternativos para se defender. Elas podem enrolar no cabelo, grudar resinas pegajosas no invasor ou simplesmente se esconder no buraco onde vivem.
- As abelhas Apis mellifera realmente morrem depois de ferroar, em questão de horas. Isso porque o ferrão é uma estrutura que se parece com um arpão e que fica cravado na vítima. Ao se desprender, ela deixa não apenas o ferrão, mas também o saco de veneno e parte do seu aparelho digestivo.
VASTO BANCO DE INFORMAÇÕES ONLINE
Para quem estuda ou quer saber mais sobre estes pequenos animais, está disponível um conjunto de informações AQUI, do portal da Associação Brasileira de Estudo das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), a plataforma reúne informações com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre a importância das abelhas para a produção de alimentos e a preservação ambiental, tornando-se fonte de informação e agente de conscientização de diversos públicos, incluindo jornalistas, pesquisadores, professores e estudantes.
A associação mantém também um Conselho Científico que congrega pesquisadores de diversas instituições, entre elas, Embrapa, Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Ceará e Pontifícia Universidade Católica.
Para o professor Breno Magalhães Freitas, o sistema de informações disponibilizado pela A.B.E.L.H.A., “abre mil novas oportunidades para os pesquisadores. Antes, ao se deparar com uma espécie pouco conhecida, um aluno tinha que mandar para um especialista analisá-la e contar com a sorte de ela já ter sido descrita. Hoje, pode identificá-la online e já fazer correlações e entrar em contato com outros especialistas”.
“Nossa grande limitação sempre foi o conhecimento pulverizado, escondido em teses diversas. Hoje, passamos a ter fácil acesso a um vasto banco de dados”, destaca o pesquisador Cristiano Menezes.
De acordo com Betina Blochtein, “a plataforma contribui para a gestão do conhecimento e incentiva a participação em discussões. Qualquer mobilização para proteger os polinizadores é fundamental”, finaliza.