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Artigo
Por – Marina Amaral, Diretora Executiva e Editora da Agência Pública, com ilustrações de Neo Mondo
Uma das figuras centrais da política ambiental criminosa do governo de Jair Bolsonaro foi desmascarada nesta semana. Em um artigo publicado na terça-feira (25) no jornal especializado Biological Conservation, 12 cientistas denunciaram o pesquisador da Embrapa, Evaristo de Miranda, por fabricar “falsas controvérsias e falsas polêmicas” que vieram “a impactar gravemente a política de conservação ambiental” no país. Na mídia brasileira, os repórteres Rubens Valente, do UOL, e Bernardo Esteves, da revista Piauí, anteciparam o conteúdo do artigo, que colocou uma pá de cal na credibilidade do ideólogo do agronegócio e da política ambiental do governo Bolsonaro.
Evaristo participou da formulação do que seria o maior desmonte institucional e operacional dos órgãos de proteção ao ambiente e aos direitos dos povos originários e tradicionais na redemocratização brasileira. Foi ele quem comandou a área, já na transição do governo Temer para o de Bolsonaro, a convite do deputado gaúcho Onyx Lorenzoni, que depois se tornaria ministro da Casa Civil e do Trabalho, posição que ocupava quando se envolveu com os picaretas da vacina. O oportunismo e o negacionismo caminham juntos, como tantas vezes demonstram os atos do governo Bolsonaro.
O ideólogo das políticas anti ambientais não quis ser ministro, cargo para o qual foi indicado o lamentável Ricardo Salles. Preferiu continuar agindo nas sombras, mantendo o verniz Embrapa, instituição que ainda goza de prestígio por obra de outros (e bons) pesquisadores. Mas mandava no ministério, como demonstra um episódio narrado pelo repórter Bernardo Esteves na reportagem “O fabulador oculto” em janeiro de 2021. Ao explicar a razão de sua demissão da presidência do ICMBio, cargo que ocupou por 3 meses no governo Bolsonaro, o conservacionista Adalberto Eberhard disse a Esteves que Evaristo de Miranda pediu sua cabeça a Salles e apontou a origem da divergência: “Havia uma tendência muito forte de subordinar a questão ambiental ao processo de ocupação do território, e não o contrário, que é o que seria de se esperar dentro do Ministério do Meio Ambiente”, disse, além de qualificar as decisões do MMA de “extremamente radicais no sentido de fazer a vontade do setor produtivo”.
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A influência de Miranda na política ambiental brasileira, porém, é anterior a Bolsonaro, que a amplificou ao elegê-lo como “guru ambiental”. Menos estridente do que o ideólogo político, falecido essa semana, o pesquisador do Embrapa divulgou “estatísticas criativas”, como dizem os cientistas, durante as discussões do Código Florestal. Segundo ele, a “aplicação plena do CF (Código Florestal) de 1965 inviabilizaria produção na maior parte do país. Apenas 29% da área do país estaria disponível para uso agrícola em um cenário flexível (que excluiria a proibição da agropecuária na Amazônia e Pantanal)”. Mas os números das áreas protegidas no país foram inflados para fazer esse cálculo, como demonstraram os cientistas que conduziram o estudo publicado no Biological Conservation.
As “estatísticas criativas” tiveram peso no debate que por fim aprovou o código, em 2012; como resultado, 58% do desmatamento ilegal ocorrido até 2008 foi anistiado, afirma o artigo, que aponta outros dados fakes apresentados por Miranda e diversas vezes citados por Salles e Bolsonaro. Ao revisar 73 artigos publicados por ele, os cientistas descobriram que menos de 20% passaram pela revisão dos pares, uma garantia de qualidade imprescindível.
O guru ambiental de Bolsonaro também abriu terreno para justificar a suspensão de multas ambientais, que segundo ele, seriam “arbitrariamente aplicadas”; acusou demandas de indígenas e ambientalistas de esgotarem as possibilidades de terra para o agronegócio; e não se envergonhou em apresentar a mais esdrúxula das teses para explicar os incêndios devastadores no Pantanal em 2020: a do boi bombeiro. Segundo ele, seria a redução da pecuária em áreas protegidas – e não as queimadas criminosas dos produtores rurais – a causa do fogo, já que a falta dos ruminantes teria aumentado a matéria orgânica, que se incendiou na seca. Prontamente adotada pelo presidente Bolsonaro, ministro Salles, e a ministra do agronegócio, Tereza Cristina, a explicação simplesmente não se sustenta por razões óbvias: 1) o rebanho não diminuiu na região afetada, mas as áreas queimadas triplicaram; 2) a área de pastagem no Pantanal quintuplicou em 34 anos; o total de áreas protegidas ocupa apenas 5% do bioma.
Tal como o guru mais famoso, o falecido Olavo de Carvalho, Miranda difundiu “estatísticas criativas” e “falsas controvérsias” em grandes veículos de mídia com direito a 8 anos de programa na EPTV, afiliada da Globo no interior de São Paulo, comentários na Rede Bandeirantes e colunas no Estadão. Ninguém se incomodou em checar números e dados. Afinal, a mídia adora uma “polêmica”, mesmo que falsa, quando favorece o andar de cima, não é verdade?
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