No dia 30 de agosto de 2019, as primeiras manchas de petróleo cru eram vistas no litoral da Paraíba, menino coberto de óleo deixa água na praia de Cabo de Santo Agostinho (PE) – Foto: Léo Malafaia/AFP
Por – Marcio Santilli, sócio-fundador do ISA
Artigo originalmente publicado na Mídia Ninja
O debate que está rolando sobre a redução dos preços do diesel e da gasolina é um festival de equívocos promovido pelas forças políticas, ávidas por fetiches para iludir o povo com a proximidade das eleições. Enquanto o mundo inteiro promove a substituição das energias fósseis, cuja queima destrói o mundo, por meio do aquecimento global, no Brasil nossos líderes nos indicam mais caminhos, que não podem nos levar muito além do próprio pleito e que só nos trarão mais atraso e sofrimento.
O que se arma no horizonte é uma espécie de estelionato eleitoral: induzir os eleitores a votarem sob o impacto de um suposto alívio monetário imediato, para encararem uma onda de aumentos brutais logo depois. E os vencedores se verão imediatamente diante dos passivos herdados e na contramão das expectativas mundiais, sob grande pressão e sem tempo ou espaço para novas embromações.
O mais aflito é Bolsonaro, candidato à reeleição, mas com uma baita rejeição, que só piora com o aumento da inflação. Ele tenta convencer o povo que a culpa pelo aumento dos preços é dos governadores, que cobram muito ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o valor do diesel, da gasolina e dos demais derivados do petróleo.
Todo mundo sabe que é enorme o impacto do preço dos combustíveis sobre outros produtos e serviços essenciais. Só que a tendência de aumento do preço internacional do petróleo já ocorre há tempos, apesar das frequentes oscilações do mercado. Por outro lado, a desvalorização do real agrava o problema e é consequência dos precários níveis de governança que temos hoje no país.
Dependência
O pano de fundo dessa história é o alto grau de dependência dos combustíveis fósseis gerado pela opção absurda pelo transporte rodoviário de cargas e de pessoas. Num país extenso como o Brasil, a conexão entre regiões distantes, com países vizinhos e as rotas comerciais, além do transporte de massa nas grandes cidades, deveria privilegiar ferrovias, metrôs e hidrovias, reduzindo custos e emissões de gases do efeito estufa.
Essa dependência reforça o poder de pressão de segmentos específicos, como os caminhoneiros, cujo trabalho é fundamental para o giro da economia brasileira. Ao mesmo tempo, torna-os escravos do diesel, que consome parte crescente dos seus rendimentos, inviabilizando a atuação de muitos, além de atrelá-los aos piores interesses políticos. É o que o Bolsonaro pretende.
Além disso, os subsídios que estão sendo discutidos tendem a desincentivar investimentos em energias limpas e a aumentar a nossa dependência estrutural em relação ao petróleo.
E não é só a questão do petróleo. A imprevidência dos governos e a falta de cobrança pelas pessoas está levando à destruição das nascentes, ao assoreamento e à poluição dos rios, ao desmatamento desenfreado, fragilizando encostas, favorecendo inundações e reduzindo o transporte de umidade, através das chuvas, da Amazônia para o centro-sul do continente. A crise hídrica e os desastres climáticos mataram pessoas, destruíram cidades, estradas e plantações, impondo mais preços, prejuízos e sofrimentos.
Sem falar da gestão catastrófica da pandemia, da multidão de mortes evitáveis, do boicote à vacinação, do prolongamento da crise sanitária e do consequente aumento dos impactos econômicos. A postura de confronto do governo federal com os estados e municípios provou a falta de articulação também em outras ações e políticas de governo.
Gincana fóssil
Não obstante tudo isso, a sensibilidade política mostra que o impacto devastador da inflação sobre a população, em especial sobre os mais pobres, será o principal fator para a definição de voto e para o resultado da eleição. Como não se vê solução, até as eleições, para as questões estruturais, candidatos e bancadas discutem emendar a Constituição – outra vez – para isentar de impostos os derivados do petróleo.
E aí começa a gincana. Bolsonaro quer impor, por meio de emenda, a desoneração do diesel por dois anos, reduzindo, inclusive, impostos estaduais. Na Câmara, deputados oportunistas querem aumentar o rombo, ou até isentar totalmente os combustíveis. Já será difícil evitar a desoneração do gás de cozinha, mas, no Senado, já se fala em isenção total de todos os derivados do petróleo. Governadores querem um fundo público para subsidiar os preços e o Lula já avisou que, sendo eleito, vai intervir na Petrobrás para garantir mais subsídios e controlar os preços.
É óbvio que todo mundo deseja a redução dos preços dos combustíveis e do custo de vida em geral. Mas o valor do subsídio, por dois anos, pode variar de cerca de R$ 20 bilhões a mais de R$ 100 bilhões. Se as cotações do dólar e do barril do petróleo continuarem subindo, o subsídio só servirá para retardar aumentos para depois das eleições, com a distribuição dos custos entre todos e com um benefício maior para os que têm carro, caminhão ou os que mais consomem combustíveis.
O pior é que representantes legítimos dessas forças e instituições políticas estiveram em Glasgow, Escócia, novembro passado, participando da COP-26, reunião da ONU sobre mudanças climáticas, e disseram, em alto e bom som, que acelerariam a redução de emissões. Enquanto o mundo inteiro aumenta a taxação sobre os combustíveis fósseis, aqui todos brigam para ver quem subsidia mais a destruição do planeta. A COP-27 será no Egito, logo após a eleição e antes da posse do próximo presidente do Brasil. O eleito aqui no Brasil ou seu representante terá cinco minutos para desdizer tudo isso.