O presidente dos EUA, Joe Biden, e a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, no Capitólio – Imagem: Mandel Ngan/AFP
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Vinte e três empresas e organizações da sociedade civil e de povos indígenas, representando mais de 330 entidades, assinaram nesta terça-feira (10) uma carta ao presidente americano Joe Biden e a membros democratas e republicanos do Congresso dos Estados Unidos manifestando apoio à aprovação de um fundo de US$ 9 bilhões para a conservação de florestas tropicais. De acordo com os signatários, o acesso direto ao financiamento deve ser prioritário para os povos da floresta, “que contribuem historicamente para sua conservação e tem seu modo de vida diretamente afetado pela escalada do desmatamento”.
No dia 2 de novembro de 2021, em um discurso na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26), em Glasgow, Biden afirmou que o Legislativo norte-americano alocaria US$ 9 bilhões para financiar a conservação e restauração de florestas. Durante a convenção, líderes de mais de 100 países se comprometeram a deter e reverter o desmatamento e degradação de terras até 2030.
No dia seguinte, o líder da maioria na Câmara dos Representantes, o deputado democrata Steny Hoyer, apresentou o projeto de lei Amazon21 Act (ou America Mitigating and Achieving
Zero-emissions Origining from Nature for the 21st Century Act), que cria o fundo fiduciário, possibilitando que o Departamento de Estado, ao qual os recursos estarão subordinados, firme acordos bilaterais de longo prazo com nações em desenvolvimento para erradicar o desflorestamento e reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
O Amazon21 Act será debatido na quinta-feira (12) em uma audiência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes. O encontro discutirá a conservação das florestas e o combate às mudanças climáticas.
Além de Biden, o documento brasileiro também está sendo enviado para:
● Antony Blinken, secretário de Estado;
● Nancy Pelosi (Democrata), presidente da Câmara dos Representantes;
● Steny Hoyer (Democrata), líder da maioria na Câmara dos Representantes e autor do projeto;
● Gregory Meeks (Democrata), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes;
● Michael McCaul (Republicano), membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes;
● Bob Menendez (Democrata), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado; e
● James Risch (Republicano), membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado.
Na carta, empresas, organizações da sociedade civil e indígenas demonstram a urgência de ações firmes para proteger as florestas, considerando o risco de que a Amazônia entre em colapso devido ao desmatamento acumulado. Mais de 75% da floresta amazônica perdeu a resiliência desde o início do século XXI, de acordo com estudo publicado em março pela revista “Nature Climate Change”.
Em documento desenvolvido por mais de 200 cientistas, o Painel Científico para a Amazônia advertiu que cerca de 17% das florestas amazônicas foram convertidas para outros usos e pelo menos outros 17% foram degradadas. Esta perda pode comprometer o papel do bioma nos ciclos globais de água e na regulação da variabilidade climática, além de acelerar o seu processo de savanização.
Os signatários reforçam o papel crítico do financiamento internacional em apoio ao Brasil neste momento.
Além de apoiarem o Amazon21 Act, os signatários da carta fizeram propostas concretas para que o fundo seja “eficiente e de grande impacto”. Entre as medidas sugeridas estão:
● a participação da sociedade civil no mecanismo de governança;
● a destinação de recursos com base em resultados, em especial a manutenção da floresta em pé;
● a constituição de regras claras e receptivas a projetos idealizados por todas as esferas do poder público, comunidades, organizações da sociedade civil, academia e setor privado; e
● a priorização do acesso direto a financiamento para os povos da floresta, que habitam alguns dos territórios sob risco.
Leia abaixo a íntegra da carta:
As organizações abaixo assinadas da sociedade brasileira, aqui representada por entidades civis, do setor privado, organizações indígenas e comunidades tradicionais, apoia a aprovação do America Mitigating and Achieving Zero-Emissions Originating from Nature for the 21st Century Act (Amazon21 Act), que autoriza a criação de um fundo fiduciário de US$ 9 bilhões para o Departamento de Estado dos Estados Unidos firmar acordos bilaterais de longo prazo para o combate ao desmatamento em países em desenvolvimento. Consideramos que esta medida representaria um sinal importante do compromisso do presidente Joe Biden e do Congresso norte-americano com o combate às mudanças climáticas, mirando uma das principais fontes de emissão de gases de efeito estufa.
O Brasil concentra cerca de dois terços da floresta amazônica, a maior floresta tropical do mundo. Mais de 75% da floresta perdeu a resiliência desde o início do século XXI, de acordo com um estudo publicado em março na revista “Nature Climate Change”, o que aproxima o bioma de seu tipping point. Entretanto, de acordo com a plataforma Global Forest Watch, o Brasil respondeu por 40% de toda a perda de floresta tropical primária no mundo em 2021.
Entre agosto de 2020 e julho de 2021, o bioma perdeu mais de 13,2 mil km², segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Prodes/Inpe), um avanço de 22% ante o visto nos 12 meses anteriores, e o maior índice registrado desde 2006.
Em documento desenvolvido por mais de 200 cientistas, o Painel Científico para a Amazônia advertiu que cerca de 17% das florestas amazônicas foram convertidas para outros usos e pelo menos outros 17% foram degradadas. Esta perda pode comprometer o papel do bioma nos ciclos globais de água e na regulação da variabilidade climática, além de acelerar o seu processo de savanização. A destinação de recursos internacionais, portanto, é imprescindível para evitarmos o colapso de nossos ecossistemas florestais.
Entendemos que é fundamental a criação de um instrumento global que apoie os esforços de conservação das florestas. Para que tal mecanismo seja eficiente e de grande impacto, tomamos a liberdade de indicar alguns princípios para sua operacionalização de forma eficiente e eficaz. São eles:
● Estabelecer um sistema de financiamento simples e transparente, com governança ampla e participação da sociedade civil;
● Constituir regras claras e receptivas a projetos idealizados por todas as esferas do poder público, de comunidades, organizações do terceiro setor, academia e setor privado;
● Destinar recursos com base em resultados, em especial a manutenção da floresta em pé;
● Priorizar o acesso direto a financiamentos aos povos da floresta, que contribuem historicamente para sua conservação e tem seu modo de vida diretamente afetado pela escalada do desmatamento.
Seguimos à disposição para contribuir por todas as formas necessárias para que o Amazon21Act atinja resultados eficientes, que levem à manutenção da floresta em pé e assegurem a qualidade de vida dos amazônidas, beneficiando a comunidade global.
Atenciosamente,
Agropalma
Amata
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
BVRio
CBKK S/A
Climate Policy Initiative
Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
Fama Investimentos
Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS)
Fundação Solidaridad Brasil
Instituto Arapyaú
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)
Instituto Clima e Sociedade (iCS)
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)
Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Instituto Socioambiental (ISA)
Instituto Talanoa
Observatório do Clima
Observatório do Código Florestal
Rede Mulher Florestal
Declarações:
“Não faltam dados que mostram como a Amazônia demanda soluções urgentes contra sua devastação. Na semana passada, mais uma taxa recorde de desmatamento, agora para o mês de abril. As organizações brasileiras que assinam a carta enviada ao presidente Joe Biden e ao Congresso dos EUA conhecem esta realidade e têm legitimidade para contribuir para o emprego mais eficiente possível do financiamento. É incontestável que os povos da floresta devem ter prioridade, porque eles são os mais impactados pelo atual cenário crítico da Amazônia. Precisamos evitar o colapso de seus ecossistemas”.
André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)
e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
“Proteger a Amazônia é garantir a existência dos povos indígenas, portanto, instituir o
AMAZON21 Act é fundamental para garantir a proteção dos territórios, das florestas e das
vidas que nela existem”.
Toya Manchineri, coordenador de Área de Território e Recursos Naturais
da COICA e assessor político da COIAB
“É muito positivo que iniciativas assim sejam propostas pelos países, mas é sempre fundamental garantir que os recursos cheguem nos territórios onde efetivamente a floresta é conservada, e que o papel dos povos e comunidades tradicionais seja valorizado, uma vez que são eles que demonstram conhecer as melhores formas para mantê-la em pé”.
Adriana Ramos, coordenadora de Política e Direito Socioambiental do ISA
“A aprovação da lei norte-americana de apoio às políticas de preservação e desenvolvimento sustentável da Amazônia significará um claro posicionamento internacional em defesa da vida no planeta e um passo importante para o enfrentamento da emergência climática.”
Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos
“Na destinação de recursos internacionais para a prevenção e o combate ao desmatamento, é fundamental assegurar monitoramento efetivo de resultados, transparência e justiça social. Populações indígenas e outras comunidades que vivem em interação com a floresta necessitam ter prioridade. É necessário respeitar os conhecimentos acumulados por esses povos através das gerações e caminhar para desenvolvimento econômico que mantenha a floresta em pé”.
Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima
“O desafio e as oportunidades de enfrentamento das mudanças do clima já não são mais um assunto exclusivo dos governos executivos federais e seus gabinetes. Representantes de múltiplos segmentos da sociedade estão contribuindo ativamente na construção de caminhos que viabilizam, entre outras mudanças, a redução de gases de efeito estufa, rumo a uma economia de baixo carbono que pavimente a redução da desigualdade e reposicione o Brasil na vanguarda da sustentabilidade no mundo.”
Kamyla Borges, Coordenadora de Iniciativa do Portfólio de Uso das Terras e Sistemas
Alimentares do Instituto Clima e Sociedade (iCS)
“Vivemos a urgência de evitar o tipping point da floresta amazônica nesta década e os Estados Unidos podem ser um aliado vital para nos apoiar nessa missão. A proposta do líder da maioria democrata na Câmara, Steny Hoyer, vai na direção certa ao dedicar apoio às organizações indígenas, da sociedade civil, privadas e também de governos subnacionais que estão dedicados a prevenir e a combater o desmatamento na nossa floresta tropical. Assim como o Plano Global de Conservação de florestas anunciado pela Casa Branca na COP 26, vemos com bons olhos iniciativas de cooperação. Porém, reforçamos: elas precisam acontecer já, ou pode ser tarde demais.”
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa
“A Amazônia deve ser compreendida como símbolo de justiça social e climática para o Brasil e para o mundo. Neste sentido, o combate ao desmatamento que acomete o território é necessário e urgente. Considerando as emergências que o tema de mudanças climáticas impõe a todos nós e a relevância da Amazônia para a estabilidade do clima global, o assunto exige a união de vários esforços, setores e recursos.”
Renata Piazzon, diretora do Instituto Arapyaú
“A proteção das florestas tropicais é parte fundamental do enfrentamento das mudanças climáticas. É imperativo que os países mais ricos contribuam de maneira relevante para reduzir o desmatamento e a degradação florestal, sempre respeitando os direitos dos povos e comunidades tradicionais. A criação deste fundo pelo governo dos EUA será um grande exemplo para o mundo.”
Beto Mesquita, diretor de Políticas e Relações Institucionais no Instituto BVRio
“Vivemos uma emergência climática, não da mais para ficar só no discurso de que algo precisa ser feito. Os países mais ricos têm que demonstrar com atos e contribuições de aportes financeiros, técnicos e posicionamento político claro de que não aceitam mais o desmatamento e a degradação florestal. Precisam ouvir os povos da floresta indígenas e populações tradicionais para que se garanta o respeito aos seus direitos. A criação do Fundo pelo Governo Americano demonstrará que o compromisso com a floresta em pé é real, e estará contribuindo para diminuir o avanço do desmatamento e orientando o agronegócio e outros setores da sociedade para o desenvolvimento de uma economia que respeite o meio ambiente e as populações originárias“.
Ivaneide Bandeira Cardozo (Neidinha), indigenista que lidera a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé