Ativistas protestam na entrada da COP26 – Foto: Felipe Werneck/OC
POR – CLAUDIO ANGELO, DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA / NEO MONDO
Climate Action Tracker mostra que reação à invasão da Ucrânia foi aumentar a produção de óleo e gás e os subsídios à energia suja
Não foi só no Brasil que a disparada do preço dos combustíveis fez o governo correr para aumentar o subsídio à gasolina e ao óleo diesel. Um relatório publicado nesta quarta-feira (8) pelo consórcio Climate Action Tracker mostrou que a crise global de energia, causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, fez governos do mundo inteiro correr para garantir suprimentos de combustíveis fósseis em vez de investir em energia limpa.
O aumento brutal do preço da energia com a guerra e os embargos à Rússia, combinado com a crise do clima, poderia mover os governos a dar um jeitinho ou resolver as duas crises de uma vez, disse Niklas Hühne, do New Climate Institute, um dos autores do relatório. “Infelizmente os governos agiram na direção errada. Estamos vendo uma corrida do ouro rumo a nova infraestrutura fóssil, novos gasodutos e novos campos de petróleo e gás no mundo inteiro”, afirmou.
Segundo Hühne, se todos os planos de expansão fóssil se concretizarem, o mundo ficará aprisionado em várias décadas de altas emissões e a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5oC ficará definitivamente fora de alcance.
Um exemplo de mudança de planos no sentido de mais fósseis acontece justamente na União Europeia, a autoproclamada campeã mundial da descarbonização. A fim de se livrar da dependência do gás fóssil russo, nove países europeus estão planejando novos terminais de importação de gás liquefeito. Isso poderia dobrar a capacidade de gás na Europa. O maior importador, que está planejando o maior desses terminais, é justamente a Alemanha, líder em políticas pró-clima.
Mia Moisio, também pesquisadora do New Climate Institute, disse nesta quarta-feira numa entrevista em Bonn que há negociações da Alemanha com o Senegal para explorar um novo campo de gás fóssil. “Isso é problemático, porque a Alemanha assinou um compromisso para acabar com o financiamento a projetos fósseis no exterior no fim deste ano”, disse Moisio. Além de tudo, prosseguiu, a ideia levaria ao Senegal, um país que não tem um setor de gás desenvolvido hoje, uma indústria que “deixará de ser relevante em 20 anos”.
Fora da UE, também planejam expandir sua base fóssil os dois presidentes de duas conferências do clima: o Reino Unido, que sediou a COP26, em 2021, e acaba de dar o sinal verde para um grande projeto de gás fóssil no Mar do Norte; e o Egito, que fechou um contrato com a petroleira italiana Eni para fornecer mais gás. Japão, EUA, Canadá e Noruega também aumentaram sua produção doméstica de combustíveis fósseis.
“Há uma percepção errada de que o gás fóssil poderia ser uma ponte ou um combustível de transição. O IPCC [o painel de climatologistas da ONU] já mostrou que ele deveria estar em declínio hoje”, disse a pesquisadora.
O Climate Action Tracker aponta que até existem bons exemplos de apoio a renováveis – inclusive aumento de meta de energia limpa pelos mesmos países europeus que estão expandindo o gás natural. Há novos contratos para expandir a produção de hidrogênio verde para transportes (produzido por meio de energia elétrica limpa) e antecipando metas de uso desse combustível, mas ainda a um ritmo menor do que o necessário.
A maioria dos países analisados também está subsidiando o consumo de combustíveis fósseis, mas não está taxando o lucro extra das empresas, que disparou com a alta dos combustíveis. Somente Itália, Romênia, Bulgária e Reino Unido tomaram essa medida. E nenhum governo adotou incentivos a mudanças de comportamento como reduzir limites de velocidade para economizar combustível.
“Quase dois anos atrás os governos se viram na mesma situação quando tiveram de lidar com a recuperação pós-pandemia; gastaram um monte de dinheiro para cimentar o status quo e muito pouco incentivando energias renováveis”, disse Niklas Hühne. “Estão cometendo o mesmo erro outra vez agora.”