Entrada do Parlamento Europeu, em Bruxelas – Foto: Claudio Angelo/OC
POR – OBSERVATÓRIO DO CLIMA / NEO MONDO
Após retrocessos do Conselho Europeu, proposta aprovada na Comissão de Meio Ambiente propõe responsabilizar bancos e aumenta lista de commodities reguladas
Menos de duas semanas depois de o Conselho Europeu introduzir uma série de retrocessos na proposta de regulação para evitar a importação de commodities produzidas com desmatamento pelo bloco, foi a vez de a Comissão de Meio Ambiente do Parlamento da UE mexer suas peças – no sentido contrário. Na última terça-feira (12), os deputados da comissão aprovaram um texto que avança em vários pontos.
É apenas uma etapa de várias pelas quais a regulamentação ainda passará no intricado sistema de governança da União Europeia, mas a proposta aprovada pelo comitê parlamentar demarca um território. Entre os pontos inseridos nas chamadas “emendas de compromisso” estão um reconhecimento da importância de outros biomas, o descarte da ideia de certificação de commodities como substituta a uma auditoria rigorosa (due diligence), o aumento da lista das commodities sujeitas a avaliação e a possibilidade de responsabilização dos bancos.
Tornada pública em novembro do ano passado pela Comissão Europeia, a proposta visa baixar uma norma comum a todos os 27 países da UE para que commodities provenientes de área desmatada – não importando se o desmate foi legal ou ilegal – não possam ser vendidas para o bloco.
Para isso, compradores europeus de seis commodities (carne, cacau, soja, madeira, café e óleo de dendê) pudessem fazer auditorias (due diligence, em inglês) nos vendedores para garantir que nenhum produto de áreas desmatadas legal ou ilegalmente após dezembro de 2020 pudesse entrar no mercado europeu. As commodities seriam rastreadas até a origem, ou seja, a porção da propriedade onde o plantio ou a criação ocorresse.
A regulação foi bem recebida por ambientalistas, que viram nela um passo importante para eliminar a perda de vegetação nativa no mundo até 2030, conforme prevê a Declaração de Glasgow, assinada por mais de 130 países no ano passado, inclusive o Brasil. No entanto, ONGs brasileiras e europeias apontavam insuficiências no texto, como a falta de menção a direitos indígenas, uma data de corte muito recente (no Brasil, a moratória da soja já veda a compra de grão de áreas desmatadas após 2008) e o uso de critérios muito estritos para definir “floresta”.
A proposta agora tramita em duas instâncias da governança tripartite da UE: no Conselho Europeu, composto por representantes dos 27 Estados-membros, e no Parlamento. Cada um produzirá um texto, a ser compatibilizado com o da Comissão, até que uma redação de consenso entre as três seja votada no Parlamento, em setembro.
O Conselho produziu no final de junho um texto que observadores compararam a um “queijo suíço”, cheio de buracos. A proposta cria uma exceção para o rastreamento da pecuária, que ficaria isenta de georreferenciar toda a área onde os bois são criados (o chamado polígono), bastando informar as coordenadas de um ponto na fazenda. Além disso, elimina o conceito de “degradação florestal” e adia a data de corte para o desatamento zero para o final de 2021, o que premiaria os responsáveis pela explosão do desmatamento na Amazônia no governo Bolsonaro.
A proposta da Comissão de Meio Ambiente recua essa data para dezembro de 2019. Ela não apenas mantém degradação entre as atividades que agridem a floresta e prejudicam o clima, como também inclui o conceito de “conversão” de florestas. Isso é importante porque, como está hoje, a proposta da UE trata apenas de desmatamento – ou seja, literalmente, eliminação de matas – e exclui ecossistemas não-florestais, como o Cerrado, o Pantanal e o Pampa. Segundo um estudo do MapBiomas, somente na América do Sul uma área cinco vezes maior que a França ficaria desprotegida.
Os deputados complementaram a inclusão da “conversão” com uma definição menos estrita de florestas. A proposta inicial da Comissão Europeia foi criticada por ambientalistas por não considerar outros biomas senão os estritamente florestais, como a Amazônia. O novo texto do Parlamento inclui a expressão “other wooded land”, ou “outras terras com árvores”, o que abre a possibilidade de proteção de biomas como o Cerrado, por exemplo.
O texto também inova ao admitir a possibilidade de incluir o sistema financeiro nas auditorias. Em carta aos eurodeputados em março, organizações da sociedade civil brasileira haviam sugerido que os bancos que fazem negócios com empresas reguladas (como exportadoras de soja) também fossem objeto de due diligence.
Além disso, as emendas da Comissão de Meio Ambiente incluem outras commodities, como milho e carnes processadas, na lista de produtos sujeitos a auditoria. Para o Brasil isso é relevante porque o milho é plantado nos mesmos lugares que a soja – um fazendeiro poderia, na mesma área desmatada, produzir milho para a Europa e soja para, digamos, a China – e 40% da carne exportada do Brasil para a UE é processada.
É um progresso. Mas a proposta ainda tem muito chão pela frente até setembro, tanto no Conselho quanto no Parlamento, e será alvo de lobbies intensos no trajeto.