Rainha Elizabeth II – Foto: Frank Augstein/POOL/AFP
ARTIGO
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POR – DANIEL MADEIROS*, PARA NEO MONDO
A Inglaterra foi o grande centro de resistência contra o autoritarismo político no século XX e, ao mesmo tempo, a grande nação imperialista do século XIX. Uma contradição que nunca diminuiu suas importantes contribuições para a governança mundial. País que inventou a Monarquia Constitucional e o Liberalismo, além do Empirismo, base fundamental para o desenvolvimento da Ciência, os ingleses compreendem claramente o papel civilizatório de adiar o prazer do desejo em nome dos interesses coletivos. Por isso, a discrição e a contenção sempre foram a marca desse país onde há um pub em cada esquina, mas que fecham impreterivelmente no horário estabelecido pela lei e onde o que importa é como cada um quer viver do jeito que quiser viver, apesar de os tabloides de fofocas venderem mais do que em qualquer outro lugar do planeta. E que possui um Parlamento no qual os deputados levantam quando um deles vai falar e sentam muito próximos uns dos outros sem que haja as cenas deploráveis e cotidianas de violência verbal – quando não episódios de pugilato – típicas dos países de democracia deficitária. E onde um primeiro ministro perde o cargo por ter tido um comportamento inadequado durante a pandemia e reconhece o erro e promove uma transição pacífica de seu governo. Um país admirável.
Essa Inglaterra é a terra na qual mulheres fortes dominaram a cena política por bastante tempo. Desde os tempos da rainha Elizabeth I, “a rainha virgem”, passando pelo longo reinado da rainha Vitória, a “avó da Europa”, e chegando ao reinado de Elizabeth II, que finda agora, quando já imaginávamos “imorrível”. Elizabeth foi aprendiz de feiticeira do pai, o “rei gago”, em um momento chave da civilização Ocidental, quando a Inglaterra bancou a defesa quase solitária de seu país contra o monstro do fascismo, sob a liderança do polêmico e incansável liberal Winston Churchill. Elizabeth assumiu o Reino em 1952 e, desde então, enfrentou o longo processo de recuperação econômica da Inglaterra, a Guerra Fria, os conflitos com a Irlanda, as lutas de independência colonial, o processo de integração europeia, a queda do Império Soviético, a ascensão do terrorismo islâmico, o furação Lady D., a onda de imigração, o recrudescimento da xenofobia, o Brexit, o isolamento pela covid, e a idade, o peso da idade. Para ela – embora nem tanto com sua mãe, irmã, filho e netos -, a simplicidade e a discrição eram a chave da estabilidade, o segredo do Império. Mulher simples e de poucos estudos, Elizabeth soube atravessar as décadas e sobreviver aos desafios de um mundo em constante mudança, sem nunca, ou quase nunca, mudar. Soube adaptar-se à televisão e depois à Internet, assim como seu pai enfrentou o rádio durante a segunda guerra. Fez da sua imagem um símbolo da permanência que conforta em meio a tantas mudanças. Recebeu atores e atrizes, jogadores de futebol, cantores de rock, mas nunca foi vista ou flagrada em cenas “plebeias”, nunca um aceno ao populismo, nunca uma concessão ao mau gosto em busca dos likes. Suportou as crises familiares, o “fogo amigo”, além das perdas dolorosas, com indisfarçável estoicismo. Atingiu os 70 anos de reinado, ficando atrás apenas de Luís XIV, com seus 72 anos e 110 dias de reinado, mas com a vantagem de estar à frente não de um Estado absolutista, mas de uma Nação democrática, criativa e inquieta quanto ao seu próprio destino e papel no cenário global. Agora, sem a sua rainha. Mas ainda com muita majestade.