Fórum Global do Pacto de Milão (Fórum MUFPP), realizado de 16 a 19 de outubro no Rio de Janeiro – Foto: Gustavo Porpino
ARTIGO
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Por – Gustavo Porpino*, Aline Bastos* e Virgínia Martins da Matta*, especial para COALIZÃO VERDE (1 PAPO RETO, NEO MONDO E O MUNDO QUE QUEREMOS)
Coalizão Verde é a união dos portais de notícias 1 Papo Reto, Neo Mondo e O Mundo que Queremos com o objetivo de maximizar os esforços na cobertura de temas ligados à agenda ESG
A alimentação urbana, agenda de importância global para as cidades ampliarem a capacidade de ofertar alimentos saudáveis a todas as pessoas, não é moda passageira decorrente da crise alimentar imposta pela pandemia. No Brasil, 84,72% das pessoas vivem na área urbana, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2015). As cidades representam os principais polos de consumo de alimentos e, por esta razão, é fundamental que se engajem em iniciativas para impulsionar a transformação dos sistemas alimentares, de forma a torná-los mais saudáveis, justos e sustentáveis. Os debates da 27ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), a ser realizada de 6 e 18 de novembro no Egito, e as recentes discussões no Fórum Global do Pacto de Milão (Fórum MUFPP), realizado de 16 a 19 de outubro no Rio de Janeiro, apontam para a forte relação entre o modo como plantamos, comercializamos e consumimos alimentos e a necessidade de conter as mudanças climáticas.
Parte da solução para termos cidades mais sustentáveis e contribuirmos com a redução das emissões de gases do efeito estufa é fortalecer a agenda da alimentação urbana. É nas cidades que podem ser executadas iniciativas de valorização da agricultura urbana e periurbana, promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional (SSAN), e fortalecimento da economia circular dos alimentos. As melhores ações têm potencial de replicabilidade e não necessariamente envolvem muitos recursos financeiros.
O fomento aos circuitos curtos de comercialização, redução das perdas e do desperdício de alimentos, expansão de hortas comunitárias, valorização da alimentação escolar, fomento ao empreendedorismo de impacto social no setor de alimentos e fortalecimento da redistribuição de alimentos são algumas das iniciativas que precisam ser pensadas localmente, com envolvimento de agentes públicos, sociedade civil, ONGs e setor produtivo. A governança dos sistemas alimentares começa pelas cidades e deve merecer mais atenção também dos outros níveis de governo.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o antigo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), substituído pelo Programa Alimenta Brasil em agosto de 2021, estão entre as ações de maior impacto para dinamizar as economias locais com geração de renda para pequenos e médios produtores rurais, e ofertar alimentos saudáveis por meio de escolas, restaurantes populares, hospitais públicos e bancos de alimentos. Entretanto, a redução orçamentária destes programas nos últimos anos é visível. Os R$ 0,36 (trinta e seis centavos) repassados por dia para cada estudante dos ensinos fundamental e médio pelo Governo Federal às cidades, via PNAE, não são suficientes para garantir uma alimentação saudável e diversificada. Qual comida é possível comprar com menos de uma moeda de cinquenta centavos de real? É urgente retomarmos o investimento em alimentação escolar, a fim de garantir segurança alimentar a milhões de jovens e crianças cuja única refeição diária é a que recebem na escola. Do mesmo modo, o Alimenta Brasil não consegue cumprir seu papel em função do déficit orçamentário.
Durante a realização do Fórum MUFPP, pela primeira vez realizado na América Latina, cidades de mais de 30 países trocaram experiências sobre políticas alimentares urbanas e diversas complementaridades foram observadas. O dado positivo é o aumento de submissões de boas práticas, alinhadas aos seis eixos de ação do Pacto, para concorrer à premiação anual. Para cada eixo, 1. Governança; 2. Dietas sustentáveis; 3. Equidade social e econômica; 4. Produção de alimentos; 5. Distribuição e abastecimento; 6. Desperdício de alimentos, as cidades submetem iniciativas que são avaliadas por um comitê internacional de especialistas em políticas alimentares.
O Pacto já reúne 251 cidades de 78 países e, no Brasil, Curitiba (PR), Araraquara (SP) e Belo Horizonte (MG), além, é claro, do Rio de Janeiro (RJ), estão entre as cidades mais engajadas. As fazendas urbanas, de Curitiba, e o programa de enfrentamento à insegurança alimentar, de Araraquara, receberam menções honrosas este ano. Neste contexto, cidades como Salvador, São Paulo e Niterói apresentaram exemplos de como o programa de alimentação sustentável nas escolas está sendo implementado considerando as diferentes realidades de cada local. A experiência dos municípios alagoanos, participantes do Concurso de Merendeiras, iniciativa que une o Sebrae Alagoas, Senac e Embrapa Alimentos e Territórios, foi compartilhada com Copenhague e Nova York em painel liderado pela Embrapa, durante o recente Fórum MUFPP. Por que interagir com cidades tão distintas e não focar no local? A abordagem “glocal” (pensar globalmente, agir localmente) é propícia à inovação, que também diz respeito a observarmos boas práticas de governança e adaptá-las à realidade local. O mundo globalizado tem desafios similares na temática dos sistemas alimentares.
Dada a relevância do tema, não é tão difícil captar recursos externos para projetos inovadores. A cidade de São Paulo, por exemplo, captou R$ 8 milhões via Fundação Bloomberg para a iniciativa “Sampa+rural”, plataforma que reúne iniciativas de agricultura, turismo e alimentação saudável. Parcerias são cruciais. A cidade do Rio de Janeiro mapeou desertos alimentares com apoio da Fiocruz e São Paulo mapeou feiras livres com suporte do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). Além do próprio Pacto de Milão (https://www.milanurbanfoodpolicypact.org/), as cidades também interagem em outras redes globais, tais como o ICLEI e C40 Cities. Em todas elas, a alimentação está no centro das discussões.
Outra iniciativa louvável é o Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares (Luppa), idealizado pelo Instituto Comida do Amanhã. O Luppa (https://luppa.comidadoamanha.org/) já conta com mais de 30 cidades brasileiras engajadas, incluindo municípios das regiões Norte e Nordeste. “Cidades e alimentação” é um tema que precisa estar presente na pauta dos próximos governantes. Pelo bem do Brasil e pelo potencial que temos de alimentar todas as pessoas com qualidade, diversidade e sustentabilidade.
*Gustavo Porpino – Analista da Embrapa Alimentos e Territórios, PhD em administração pela FGV-EAESP.
*Aline Bastos – Analista da Embrapa Agroindústria de Alimentos, PhD em comunicação social pela UFMG.
*Virgínia Martins da Matta – Pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos, D.Sc. em Tecnologia de Alimentos pela Unicamp.
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