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Por – Guy de Capdeville, Diretor de Pesquisa & Inovação da Embrapa, especial para Neo Mondo
A população mundial atingiu cerca de 8 bilhões de pessoas em novembro de 2022. Tal crescimento chega com uma expectativa de crescimento da demanda de oferta de alimentos, água e energia prevista para mais de 40% até 2050. Diante disso, os países produtores de alimentos precisarão trabalhar com afinco para serem capazes de alimentar esse volume populacional, que tende a crescer nas próximas décadas.
Essa é uma situação particularmente desafiadora. A agricultura mundial passa por impactos impostos pelas mudanças climáticas e elas não têm poupado nenhum país produtor. Efeitos climáticos — como frio ou calor intensos, chuvas mal distribuídas e períodos secos e quentes de grande duração ou fora de época — têm afetado, e muito, a produção de alimentos em todo o planeta. Alguns países têm registrado temperaturas tão elevadas e por períodos tão longos que trabalhadores de campo têm tido dificuldades em permanecer em ambientes abertos durante o dia. Tal fato influenciará a capacidade de esses países produzirem alimentos. E poderá afetar a segurança alimentar, particularmente pela fragilidade de produtores familiares e de pequeno porte que, na maioria das vezes, são abastecedores dos mercados internos.
A resposta para esse conturbado cenário está no conhecimento e domínio científico. Todos os países que foram ou são bem-sucedidos em relação à produção de alimentos construíram instituições científicas capazes de desenvolver soluções tecnológicas necessárias à produção em escala e, atualmente, de forma cada vez mais sustentável. Países como EUA, França e Austrália, os quais são superavitários em volume excedente para exportação, possuem instituições como o Agricultural Research Service (ARS-USDA), Institut National de Recherche pour l’agriculture, l’alimentation et l’environnement (INRAE) e o Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), respectivamente. A China, grande produtora de alimentos, mas que importa cerca de 70% da sua demanda, investiu na criação da China Academy of Agricultural Science (CAAS), a exemplo de outros países que importam muito de seu consumo de alimentos.
O Brasil é destaque nesse grupo. Saímos de grandes importadores de muitos tipos de alimentos na década de 1970 para ser o segundo maior exportador de alimentos para o planeta. Nossa principal instituição de pesquisa agrícola é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que há cinco décadas coordena o chamado Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), integrado por instituições públicas e privadas, como universidades federais, agências de extensão rural e representantes do setor produtivo.
Hoje o Brasil é responsável por fornecer alimentos para cerca de 800 milhões de pessoas, ou seja, 10% da população global, com uma tendência de que essa contribuição cresça nas próximas décadas.
Mas é preciso investir para manter e ampliar a produção atual. Os riscos e consequências dos chamados efeitos das mudanças climáticas demandarão ações cada vez mais sofisticadas, pois os desafios atuais são muito mais complexos do que os anteriores.
Qualquer instituição científica que desenvolve soluções para a agricultura precisará considerar a necessidade por convergência de conhecimentos e de tecnologias, de cientistas com formação na fronteira do conhecimento em temas de futuro, capacidade de mapear os prováveis impactos das mudanças climáticas e, por fim, identificar claramente as dificuldades e demandas futuras da humanidade. Portanto, essas instituições precisam de fomento financeiro contínuo, suficiente e estável.
Nos últimos anos, as instituições de CT&I brasileiras, incluindo Embrapa e universidades públicas, têm passado por limitações orçamentárias que impactam o desenvolvimento científico e a formação e qualificação de pessoal. Vivemos hoje, talvez, a maior evasão de cérebros da história do país. É fácil perceber em universidades e institutos de pesquisa, desenvolvimento e inovação fora do Brasil, principalmente na Europa, Estados Unidos e Canadá, número expressivo da presença de brasileiros em seus quadros.
Para sermos um país competitivo precisamos encarar a Ciência como pilar estrutural, sobre o qual todas as demais áreas são construídas. E não tem faltado capacidade gerencial na pesquisa pública. Para se manter como a mais importante instituição de ciência e tecnologia agrária dos trópicos, contribuindo para uma agricultura robusta e descarbonizante, a Embrapa desenvolveu um modelo de planejamento estratégico que é referência para as principais instituições de pesquisa agropecuária do mundo. Tal modelo leva em consideração tendências e desafios globais e as demandas concretas do setor produtivo nacional. Também desenvolveu um arcabouço de gestão da sua programação de pesquisa, desenvolvimento e inovação que especifica as entregas que a empresa pretende fazer. Ao mesmo tempo, considerando a atual fragilidade orçamentária a partir das mudanças na legislação, estrutura um arcabouço que a ajudará a dedicar fundos para boa parte das pesquisas que vem desenvolvendo.
A partir dessas previsões legais, a Embrapa será capaz de reverter os recursos captados por meio do licenciamento de tecnologias para reaplicação dentro da própria empresa, fato que não era possível. Esse movimento permitirá que a Embrapa possa enfrentar períodos de restrições orçamentárias, como os que vivemos nos últimos anos, de forma a evitar impactos profundos e irreversíveis na programação de PDI. Tal estratégia garantirá recursos de forma a cobrir parte das ações de PD&I, principalmente aquelas dedicadas à inovação social. Certamente não será suficiente, mas é um passo importante no sentido de dar maior autonomia à gestão da empresa.
Ciência demanda tempo, continuidade e fomento estável. Previsibilidade é fundamental. Qualquer interrupção pode gerar prejuízos de impacto para a agricultura e para o país. Tais impactos são particularmente sentidos pelos produtores familiares, que dependem do investimento da própria Embrapa para que soluções sejam desenvolvidas e direcionadas a eles. Hoje, na Embrapa, cerca de 65% das ações de pesquisa estão dedicadas à inovação social, ou seja, para a agricultura familiar, micro e pequenos empresários rurais. Cerca de 30% estão dedicadas a médios e grandes produtores.
A Embrapa está se preparando para os desafios dos próximos 50 anos. A empresa moderniza e fortalece seus programas de melhoramento genético concentrados em desenvolver ativos/cultivares que contemplem características que, por sua vez, permitirão enfrentar os desafios climáticos. Além desses ativos, a empresa age no desenvolvimento de bioinsumos e agentes de biocontrole que permitem reduzir o uso de insumos para fertilização do solo e de agentes químicos para o controle de pragas e doenças. Tem produzido soluções em tecnologias Poupa-Terra e nas que ajudam a poupar água — essas últimas fundamentais para garantir a produção sustentável. Atua também no desenvolvimento da socioagroecologia e no estabelecimento de metodologias de quantificação de emissões de gases de efeito estufa, permitindo o desenvolvimento de cadeias produtivas com neutralidade de emissões, como a soja de baixo carbono e carne de baixo carbono.
Na região amazônica, por exemplo, a Embrapa tem direcionado ações em desenvolvimento territorial por meio da adoção de sistemas integrados de produção que respeitam e preservam a floresta e o bioma amazônicos — acabou de lançar edital interno voltado para a bioeconomia na região. Há foco no desenvolvimento de ativos que possam ser disponibilizados para o setor produtivo, ou seja, para empresas/indústrias de base biológica que venham a se estabelecer nos estados da Amazônia Legal. Combinando o fornecimento de ativos bioeconômicos para esses atores, junto com capacitação da sociedade que vive no entorno, a Embrapa seguirá contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico da população da região. São muitos os desafios que o Brasil enfrentará no futuro. Se aumentarmos o fomento das nossas instituições científicas, o Brasil confirmará a expectativa de se tornar o principal provedor de alimentos e soluções para a agricultura global. Já possuímos instituições científicas robustas atuando na fronteira do conhecimento e uma agricultura pujante, ousada e sustentável. É fundamental mantermos o protagonismo.