Protesto de jovens pelo clima durante a COP26, na Escócia – Foto: Felipe Werneck/OC
POR – OBSERVATÓRIO DO CLIMA / NEO MONDO
Estudo ainda inédito de James Hansen, americano que chamou atenção para o problema em 1988, mostra que elevação “contratada” da temperatura ultrapassa previsões atuais
O que já era muito grave pode ser ainda pior. É difícil conceber que a emergência climática possa ser mais severa do que já se sabe, mas é exatamente o que indica a pesquisa inédita Global warming in the pipeline (“O aquecimento global contratado”, em tradução livre). Os dados preliminares sugerem que as atuais concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre podem sozinhas conduzir, no longo prazo, a um aquecimento de 10ºC. Considerados os efeitos de compensação (como, por exemplo, a ação de resfriamento operada por partículas de aerossol na atmosfera), o saldo seria de um planeta no mínimo 7ºC mais quente.
O estudo é liderado pelo climatologista americano James Hansen. Aposentado do Centro Goddard, da Nasa, Hansen foi o primeiro cientista a dizer, em 1988, que o aquecimento global já estava em curso. A pesquisa feita por ele e 14 coautores está em fase de preprint, aguardando a revisão de outros cientistas para a publicação definitiva. Ela foi submetida a um periódico de alto impacto e disponibilizada na internet para ampliar a discussão entre a comunidade científica.
A principal descoberta está relacionada a um indicador chamado sensibilidade climática em equilíbrio (ECS, na sigla em inglês) do planeta. Trata-se da estimativa de quanto a temperatura na Terra aumentaria caso a concentração de CO2 na atmosfera duplicasse. Resumidamente, a equipe de cientistas sugere que a sensibilidade climática do planeta é maior do que se imaginava — o que, dada a atual concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, produz um cenário de mais aquecimento e menos tempo do que se previa.
O AR6, mais recente relatório do IPCC, o painel do clima da ONU, aponta um aumento de 3ºC como “melhor estimativa” (a mais confiável) para o ECS. Mas, segundo a nova pesquisa, o ECS é de ao menos 4ºC — com variação provável de 3,5ºC a 4,5ºC. Pode parecer pouco, mas não é. “Se o ECS for de 4°C, haverá mais aquecimento em curso do que se supõe amplamente. O maior aquecimento poderia tornar grande parte do planeta inóspito para a humanidade e causar a perda de cidades costeiras com o aumento do nível do mar”, diz o texto.
Ainda há tempo
Os pesquisadores destacam que esse ainda é um cenário evitável — mas alertam que, diante das novas descobertas, a fresta temporal para a ação climática é ainda mais limitada. “Esses destinos ainda podem ser evitados por meio de uma resposta política racional, mas devemos entender o tempo de resposta climática para definir políticas eficazes”, afirmam. Entender que a sensibilidade climática do planeta é maior do que se imaginava leva, segundo os pesquisadores, não apenas à conclusão de que o aquecimento global é quantitativamente maior do que se sabia. Também os impactos climáticos precisam ser entendidos em outra escala.
O estudo jogou luz, ainda, sobre outro ponto: a poluição por aerossóis, que, contraditoriamente, “ajudava” a manter a terra mais fria (por conta da ação de resfriamento operada por essas partículas, que refletem a radiação solar de volta para o espaço antes que ela chegue à superfície terrestre, além de ajudar a formar nuvens), tem mais peso na compensação do aquecimento global do que se imaginava. A pesquisa concluiu que o resfriamento da atmosfera pelas partículas de aerossóis é maior do que o estimado pelo último relatório do IPCC, e lembrou que seu despejo na atmosfera caiu significativamente na última década. Não é exatamente uma má notícia: a poluição por aerossóis traz complicações respiratórias a seres humanos e causa, segundo o artigo, “milhões de mortes por ano”. A questão é que o declínio na quantidade de aerossóis irá, daqui pra frente, acelerar ainda mais o aquecimento do planeta.
Nova abordagem
O aquecimento de 7ºC é, segundo os cientistas, a consequência esperada caso o nível atual de gases de efeito estufa na atmosfera seja mantido e a quantidade de aerossóis esteja próxima à registrada entre a era pré-industrial e os anos 2000. Considerando o tempo necessário para que o oceano aqueça e as camadas de gelo se desfaçam, esse aquecimento não seria vivido pelas atuais gerações. “Mas é uma indicação do caminho que estamos estabelecendo para nosso planeta”, dizem.
A pesquisa traz ainda outro alerta: o cenário de uma concentração duplicada de CO2 na atmosfera, usado como modelo para a estimativa da sensibilidade climática do planeta, não é mais imaginário: “O aumento dos gases de efeito estufa desde 1750 até agora produz uma pressão climática equivalente ao dobro de CO2 (…). Neste momento, a humanidade está dando seus primeiros passos para o período das consequências [da concentração duplicada de gases de efeito estufa]”, diz o texto.
Por isso, afirmam, “a enormidade das consequências do aquecimento em andamento” exige não apenas ação imediata, mas também uma nova abordagem da crise climática, capaz de enfrentar tanto as emissões futuras como as passadas (e seus efeitos). Entre as ações necessárias, os cientistas destacam o aumento da taxação global sobre as emissão de gases de efeito estufa, a cooperação Ocidente-Oriente, incorporando as necessidades de países mais vulneráveis, e uma intervenção rápida para reduzir a “geoengenharia” atualmente operada pela humanidade no clima da Terra. Em bom português, corte radical e acelerado de emissões.
Estudo ainda inédito de James Hansen, americano que chamou atenção para o problema em 1988, mostra que elevação “contratada” da temperatura ultrapassa previsões atuais.