Foto – Max Ravier/Pexels
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
O que é a Amazônia para você? Esta pergunta, que parece simples, assume outros contornos quando feita a um dos quase 30 milhões de pessoas que vivem na região. Vista de fora, ela já foi entendida como uma terra a ser explorada, um vazio demográfico, um lugar que precisa ser desenvolvido. Isso porque a esmagadora maioria das narrativas, histórias e versões que ouvimos ao longo dos últimos cinco séculos foram construídas por pessoas que não vivem no local, a partir de um ponto de vista colonialista e predatório.
Embora pouco conhecidas, existem muitas outras histórias, narradas e protagonizadas por quem vive na região e luta pela sua proteção. Para que essas narrativas sejam mais conhecidas e reconhecidas como caminhos concretos para proteção dos territórios, um grupo de organizações locais se reuniu para criar uma Casa de Mensagens – um aplicativo e um kit físico por meio do qual a região e a luta por ela são narradas pela perspectiva local. Esse material está sendo distribuído nas universidades e faculdades dos estados da Amazônia Legal, além de coletivos e organizações da sociedade civil. Também será promovido nas redes sociais.
Todo o material foi concebido por meio de diálogos entre organizações locais, como a Cojovem, o Comitê Chico Mendes, o Instituto Mapinguari e o Observatório do Marajó, em parceria com a Purpose Brasil. As ilustrações foram desenvolvidas por artistas da região:
Henrique de Almeida (Acre); Gil Reis (Amapá – membro do Instituto Mapinguari); Thai Rodrigues (Amapá); Irena Freiras (Amazonas); Fred Hildebrand (Mato Grosso); Renata Segtowick (Pará); Winny Tapajós (Tocantins); e Jailson Belfort (Maranhão). Os vídeos para redes sociais têm narração feita pela Maré Cheia, (Belém/PA).
“Nosso objetivo foi construir juntos mensagens que abordam os pontos-chaves sobre a proteção, defesa e preservação da Amazônia para que as pessoas que aqui vivem se sintam retratadas e incluídas. Isso é fundamental para que possamos inspirar, engajar e até mesmo educar as pessoas em defesa da Amazônia e seus povos”, explica Hannah Balieiro, do Instituto Mapinguari, . “É preciso informar uma Amazônia que existe além das florestas, queremos que as pessoas sintam a Amazônia enquanto lar, assim como nós que moramos aqui sentimos. E que as próprias florestas, rios e cidades aqui se misturam em maneiras diversas e únicas, gerando culturas e tecnologias próprias.
Para Mariane Castro, do Observatório do Marajó, “Mesmo para quem vive na Amazônia marajoara, ainda é incomum se reconhecer como parte. Até mesmo a memória dos povos originários é pouco visível. Isso faz com que a criação de espaços com narrativas locais sejam uma ferramenta de fortalecimento e uma maneira de diminuir a distância que separa quem vive e é a Amazônia, dos que lutam e defendem a Amazônia hoje. Fazer todos estarem sob o mesmo teto foi o que nos moveu a recontar o que é essa casa e como somos parte importante da sua preservação”.
“O projeto não tem a pretensão de abranger toda a complexidade do assunto, mas sim contribuir para a visibilidade da perspectiva amazônida sobre seu próprio território, além de ser um importante recurso para refutar e combater narrativas de desinformação a respeito das temáticas políticas, de memória e construção histórica””, diz Nara Perobelli, campaigner da Purpose Brasil. “Ainda existem muitas histórias distorcidas sobre a Amazônia, a partir de uma perspectiva colonizadora, que construíram sistematicamente um imaginário de que esse território é apenas um lugar abandonado e pronto para ser explorado. Temos o desafio
de refutar e combater todas as narrativas que desmatam e devastam essa grande Casa e aqueles que vivem nela. Resgatar a memória da Amazônia é contar a verdadeira história do Brasil”, completa.
As mensagens construídas coletivamente pelas organizações amazonidas foram inseridas graficamente em uma casa típica da região para destacar que a conversa é sobre o lugar que essas vozes habitam. Na Varanda, estão as mensagens sobre o resgate da memória dos povos. No interior da casa, mensagens sobre a construção de políticas de coexistência. No quintal, mensagens sobre a reintegração de tecnologias ancestrais. Logo na Varanda, por exemplo, somos lembrados que “a construção de memória dos povos tradicionais é tecida na coletividade. É de forma comunitária que se organizam para transmitir seus saberes sobre o manejo, preservação, cultura e as encantarias que mantêm, por séculos, a Floresta viva e em pé. É nas trocas que se constroem as práticas de resistência pela proteção dos territórios e modelos alternativos que respeitem e atendam as demandas das populações locais. Se antes essas práticas eram localizadas, hoje elas atravessaram rios e estradas e chegam ao campo da luta política por direitos. A memória nos conduz à oportunidade de atualizarmos os saberes, fortalecer as resistências e avançar na proteção do território amazônico; a memória é o instrumento que rompe com os silêncios e apagamentos”.