Foto – Pixabay
POR – LEILA SALIM, DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA / NEO MONDO
Já ações de mitigação podem reduzir em até 55% o aquecimento projetado
Estudo publicado na semana passada na revista Nature Climate Change mostrou que, se mantidos os atuais padrões de produção e consumo de alimentos no mundo, a meta de estabilizar o aquecimento do planeta em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais está fadada ao fracasso. Até 2021, o mundo já estava 1ºC mais quente. Sozinhas, as emissões de gases de efeito estufa pelo sistema alimentar (que engloba desde os métodos de produção até o consumo de alimentos) aumentarão a temperatura da Terra em até 1ºC até 2100.
A boa notícia é que ainda há tempo de agir: segundo a mesma pesquisa, ações de mitigação para o sistema alimentar, se implementadas imediatamente, podem reduzir em até 55% o aquecimento projetado para as emissões do setor. Mas, a despeito do peso do sistema alimentar no cenário global de emissões, apenas um terço dos países signatários do Acordo de Paris contam com medidas para mitigação de emissões da agricultura em suas metas específicas, as chamadas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, na sigla em inglês).
Carne bovina, laticínios e arroz são os maiores vilões das emissões no sistema alimentar. A pesquisa agregou os dados de emissões em 12 diferentes grupos alimentares — grãos, arroz, frutas, vegetais, carne de animais ruminantes, carne de animais não ruminantes, frutos do mar, laticínios, ovos, óleos, bebidas e outros — e descobriu que apenas o grupo de laticínios e carne de ruminantes é responsável por mais da metade do aquecimento projetado até 2030 para o setor, como mostra a figura abaixo.
Mitigação
Mudanças na produção, descarbonização do setor de energia, adoção de dietas saudáveis e redução do desperdício de alimentos são medidas de mitigação que podem, juntas, reduzir em 0,5ºC o aquecimento projetado até 2100, aponta a pesquisa.
Em relação às práticas produtivas, a adoção de tecnologias mais limpas poderia diminuir as emissões de carbono equivalente associadas à carne bovina, laticínios e carne de animais não ruminantes em 35%, 30% e 10%, respectivamente.
Os pesquisadores analisaram, principalmente, formas de mitigação associadas à diminuição das emissões de metano pelo chamado “arroto do boi”, ou seja, o gás resultante da fermentação ruminal. Isso demanda mudanças na dieta desses animais. Segundo o modelo adotado na pesquisa, a adoção imediata de novas práticas produtivas pode evitar aproximadamente 0,2ºC de aquecimento até 2100.
Quanto ao consumo, os cientistas apontam o seguinte: caso seja atingida a meta de descarbonização do setor de energia até 2050, isso se reverteria em outros 0,15ºC de aquecimento evitados até 2100 (o setor de energia entra na conta por produzir gases como os de refrigeração, que impactam na conservação de alimentos). Além disso, a adoção de dietas mais saudáveis globalmente poderia reduzir em outros 0,19ºC o aquecimento projetado. O cálculo foi feito considerando as recomendações de nutrição da Harvard Medical School, que aponta a redução da ingestão de carne, promovendo uma dieta rica em proteínas com menor ingestão de gordura saturada e colesterol.
As recomendações para transformações em dietas, no entanto, precisam levar em consideração não apenas aspectos culturais como, também, a desigualdade no acesso a nutrientes nos diferentes países. Para analisar a mitigação associada à implementação de novas dietas, os cientistas projetaram mudanças nas taxas médias globais de consumo.
Consideradas as distorções no acesso a produtos de origem animal, a média global fica abaixo do que é realmente consumido em países como os Estados Unidos e a Espanha e acima do consumo de Índia e Etiópia, por exemplo. Por isso, a pesquisa sugere que a adoção de mudanças de dieta nas regiões que lideram o consumo de alimentos associados a altas taxas de emissão de gases-estufa iria reduzir as emissões globais do sistema alimentar de maneira semelhante. A pesquisa concluiu ainda que uma redução de 50% no desperdício de alimentos pelos consumidores poderia diminuir em 0,04ºC o aquecimento projetado até 2100.
Desafios
Para os pesquisadores, a adoção de políticas para diminuição das emissões no sistema alimentar depende de uma maior compreensão do seu papel no cenário global de emissões e de sua contribuição para o aquecimento projetado. A dificuldade é que o setor conta com emissões de gases variados, como o CO2, o metano e óxido nitroso, que têm tempos distintos de permanência na atmosfera e impactos diferentes no aquecimento.
Por isso, quando se trata de um estudo do impacto climático do sistema alimentar, métricas simplificadas para as emissões (como as que agregam os gases-estufa em CO2 equivalente) não são suficientes. É o que explica David Tsai, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima. “O estudo é muito interessante e chama atenção para esse quadro que é bastante conhecido por nós: faltam informações detalhadas e recortadas para analisar cadeias alimentares. Para determinar o impacto do sistema alimentar no clima, precisamos de dados de emissões detalhadas e desagregadas, tanto por produtos alimentares como por tipo de gás emitido”, diz.
Ele conta que esse é um desafio também no Brasil, sobre o qual o SEEG busca se debruçar agora. “Olhar para emissões e o impacto climático da alimentação é uma necessidade ainda mais acentuada no Brasil. O nosso perfil de emissões é bastante influenciado pela agropecuária e pela mudança de uso da terra, e muito do desmatamento está justamente relacionado à instalação de monoculturas e outros aspectos vinculados ao sistema alimentar”, explica.
Ele completa: “hoje, no SEEG, temos o detalhamento de emissões por gases, por setor, por fonte emissora, tudo detalhado no tempo e no espaço. O desafio, agora, é conseguir recortar por produtos do sistema alimentar. Buscaremos acoplar toda essa riqueza de detalhes que já temos a esse recorte por produto alimentar, o que demanda um olhar para toda a cadeia para a identificação das diversas fontes e tipos de gases emitidos”, afirma. Segundo David Tsai, isso será fundamental para que se possa identificar responsáveis — tanto por produtos, como por hábitos alimentares — e, assim, avançar no desenho de políticas públicas.