Estoque de carbono modelado em 2018 em florestas em recuperação (degradadas e secundárias) nas três regiões: (a) Amazônia, (b) Bornéu, e (c) Congo Foto: Heinrich et al./Nature
POR – LUCIANA CONSTANTINO, AGÊNCIA FAPESP / NEO MONDO
Pesquisa publicada nesta quarta-feira (15/03) na revista Nature traz uma nova metodologia que permite calcular ao longo do tempo a capacidade de absorção de carbono de áreas em regeneração de florestas tropicais, podendo contribuir na discussão de planos de mitigação de efeitos das mudanças climáticas e de pagamentos por serviços ambientais.
Liderado por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade de Bristol (Reino Unido), o estudo é o primeiro deste tipo realizado em larga escala com o uso de sensoriamento remoto. Os dados de satélite, obtidos entre 1984 e 2018, permitem não só monitorar o crescimento das florestas secundárias como entender a distribuição etária dessa vegetação ao longo dos trópicos.
Com base na idade, foi possível construir curvas de crescimento, que levam em consideração variações de clima, condições ambientais e distúrbios provocados pelo homem (como queimadas e extração seletiva de madeira) e possibilitam quantificar a capacidade de absorção de carbono das florestas secundárias – áreas totalmente desmatadas, onde a vegetação nativa já foi toda removida.
De acordo com o trabalho, as regiões em recuperação nas três maiores florestas tropicais do mundo – a amazônica (América do Sul), a do Congo (África central) e a de Bornéu (Sudeste Asiático) – estão removendo pelo menos 107 milhões de toneladas de carbono da atmosfera por ano, tendo acumulado até 2018 3,56 bilhões de toneladas.
Esse total acumulado é suficiente para compensar 26% – pouco mais de um quarto – das emissões brutas de carbono provocadas pelo desmatamento global (10,52 bilhões de toneladas) e pela degradação gerada por ação humana (2,91 bilhões de toneladas), principalmente fogo e corte seletivo de madeira, na maioria das vezes ilegal.
“Os resultados da pesquisa têm importância tanto para os inventários nacionais de emissão de carbono apresentados às Nações Unidas como para o grande potencial do Brasil de atrair recursos financeiros por meio de investimentos em áreas de gestão e pagamento por serviços ambientais”, explica à Agência FAPESP o chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática (DIOTG) do Inpe, Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, coautor do artigo.
Aragão se refere ao programa de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (REDD+), um incentivo desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para compensar financeiramente países em desenvolvimento por resultados em programas de redução de emissões de gases de efeito estufa originados do desmatamento e da degradação das florestas.
O programa considera o papel da conservação e do aumento de estoques de carbono florestal, além do manejo sustentável de florestas. Os inventários nacionais são relatórios publicados pelos países e enviados à UNFCCC com dados e um panorama das ações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
“Nosso estudo fornece as primeiras estimativas pantropicais de absorção de carbono acima do solo em florestas em recuperação de degradação e desmatamento. Embora continue sendo prioridade proteger as florestas tropicais antigas, demonstramos o valor de gerenciar de forma sustentável as áreas que podem se recuperar de ações humanas”, afirmou à assessoria da Universidade de Bristol a pesquisadora Viola Heinrich, primeira autora do artigo e orientanda de Aragão.
Potencial
Segundo a pesquisa, até 2018, cerca de 35% das áreas degradadas das três florestas tropicais também haviam sido desmatadas. Os pesquisadores calculam que, se elas tivessem sido preservadas armazenariam 5,89 bilhões de toneladas de carbono, o que seria suficiente para contrabalançar 48% das emissões brutas derivadas da perda da floresta (12,34 bilhões de toneladas).
São consideradas florestas degradadas as áreas que sofreram algum tipo de dano, seja por fogo ou corte seletivo, por exemplo, e perderam parcialmente seu estoque de carbono. Nas regiões desmatadas, toda a vegetação original foi retirada, podendo ter mudança do uso do solo para pastagens ou agricultura e altas taxas de emissão de gases.
“Com a metodologia que apresentamos na pesquisa, é possível avaliar, por exemplo, se houve queda no potencial de recuperação de biomassa de uma área atingida pelo fogo. Isso pode contribuir com o mercado de carbono para que um investidor avalie o potencial de regeneração de uma determinada área. De qualquer maneira, quanto mais preservar a floresta em pé, melhor”, diz à Agência FAPESP Ricardo Dal’Agnol, um dos autores do artigo, que atualmente é pesquisador no Instituto Ambiental e de Sustentabilidade da Universidade da Califórnia Los Angeles (UCLA) e no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (agência espacial norte-americana).
Antes, Dal’Agnol integrou a DIOTG/Inpe, quando teve apoio da FAPESP por meio de uma bolsa de pós-doutorado.
A FAPESP também apoiou o estudo publicado na Nature por meio de bolsas de pós-doutorado no Brasil e no exterior concedidas ao pesquisador do Inpe Henrique Luis Godinho Cassol.
Pelas estimativas dos autores, conservar a recuperação de áreas degradadas e das florestas secundárias pode ter um potencial futuro de sumidouro de carbono de 53 milhões de toneladas por ano nas principais regiões tropicais estudadas.
“Focar na proteção e restauração de florestas tropicais secundárias e degradadas é uma solução eficiente para a construção de mecanismos robustos para desenvolvimento sustentável dos países tropicais. Isso agrega valor monetário para os serviços ambientais fornecidos pelas florestas, beneficiando de forma econômica e socialmente as populações locais”, completa Aragão.
No entanto, o grupo destaca que os esforços para proteger as florestas secundárias e degradadas não podem ocorrer à custa da conservação das áreas nativas (primárias), que continuam sendo as mais rentáveis estratégias de mitigação climática.
Sumidouros
As florestas tropicais são um dos ecossistemas mais importantes para mitigar as mudanças climáticas, juntamente com oceanos e solos. Consideradas sumidouros de carbono, as florestas funcionam como uma espécie de “via de mão dupla” – enquanto crescem e se mantêm absorvem carbono e quando degradadas ou desmatadas liberam gases de efeito estufa.
Com o objetivo de evitar que a atmosfera global aqueça mais que 2 oC, preferencialmente não ultrapassando 1,5 oC em relação ao período pré-industrial, as emissões de carbono teriam de cair pelo menos 45% até 2030 e chegar a zero em 2050. No entanto, a trajetória ainda é de crescimento no mundo, como mostrou o relatório Emissões de CO2 em 2022, da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês).
O documento, que traz um panorama da poluição climática gerada pelo setor de energia com foco no CO2 resultante da queima de combustíveis fósseis, revelou aumento de 0,9% (321 milhões de toneladas) em 2022, atingindo novo recorde de mais de 36,8 bilhões de toneladas emitidas.
No Brasil, as emissões de gases de efeito estufa tiveram em 2021 (último dado divulgado) a maior alta em quase duas décadas. Relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima mostra que o país emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 – alta de 12,2% em relação a 2020. A principal fonte de emissão foi o desmatamento, principalmente da Amazônia, seguido pela agropecuária.
Em março de 2021, o grupo de cientistas já havia publicado na revista Nature Communications um estudo mostrando que a manutenção da área de floresta secundária na Amazônia tem o potencial de acumular 19 milhões de toneladas de carbono por ano até 2030, contribuindo com 5,5% para a meta de redução de emissões líquidas do Brasil até lá. Se fossem evitados incêndios e o desmatamento repetido, o estoque de carbono da floresta secundária amazônica poderia ser 8% maior.