Deslizamento de terra no Morro da Oficina, em Petrópolis, em fevereiro de 2022 – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Planejamentos envolvem ações para aumentar resiliência das cidades contra eventos climáticos extremos, como as inundações e deslizamentos, que somente nos últimos 10 anos causaram R$401,3 bilhões de prejuízos no Brasil, segundo TCU
Entre 2013 e 2022, o Governo Federal gastou R$ 19,3 bilhões dos recursos de defesa civil com riscos e desastres no país. No entanto, 69% desse valor foi investido em ações de recuperação e resposta, ou seja, após as tragédias acontecerem, enquanto que apenas 31% deste montante foi gasto com prevenção.
Os dados, do painel de informação do TCU (Tribunal de Contas da União), ainda mostram que entre 2013 a 2023, as tragédias causaram R$ 401,3 bilhões em prejuízos no país. O TCU divulgou os dados com a reflexão de que trabalhos de identificação de áreas de risco, gestão, controle e políticas públicas de prevenção são urgentes na pauta brasileira.
A partir de modelos climáticos que simulam o comportamento futuro da atmosfera baseados em um conjunto de variáveis aplicadas a equações matemáticas e físicas para realizar as previsões de tempo e clima, é possível saber quando chuvas extremamente intensas se aproximam e onde elas irão ocorrer.
No Brasil, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) é responsável por prevenir e gerenciar a atuação governamental perante desastres ocorridos no território, emitindo alertas e boletins para as cidades e monitorando potenciais eventos.
No entanto, com os padrões de planejamento urbano, as cidades brasileiras não estão preparadas para altos volumes de chuvas, como explica Melina Amoni, Gerente de Risco Climático e Adaptação na WayCarbon, maior consultoria estratégica com foco em sustentabilidade e mudança do clima na América Latina. “A resiliência climática é um desafio para o Brasil. Não temos uma cultura de preparo, mas de resposta. A cada ano, com a chegada da temporada seca, parecemos nos esquecer das tragédias causadas pelas chuvas no verão. E na próxima temporada chuvosa, temos novamente tragédias. O mesmo acontece com a seca dos meses de outono e inverno, que é esquecida com a chegada das chuvas”, explica a executiva.
A WayCarbon trabalha ativamente no apoio técnico para a elaboração de Planos de Ação Climática, levando o risco como fator norteador de novos investimentos em ações de adaptação e já atuou nas seguintes cidades brasileiras:
– Belo Horizonte: a capital mineira lançou, em 2016, a Análise de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas. Foram avaliadas as ameaças de inundação fluvial, vetores de arboviroses, ondas de calor e deslizamentos, a exposição e a vulnerabilidade para o momento atual (2016) e futuro (2030) ao longo de todo seu território. A análise identificou os 10 bairros mais vulneráveis e os principais desafios a serem enfrentados pelo município para ampliar a sua capacidade de adaptação e reduzir a sensibilidade da população. A Análise também foi utilizada como embasamento na construção de ações de adaptação no seu Plano Local de Ação Climática, lançado em 2022. Belo Horizonte também tem sido cenário de projetos como o Urban LEDS, (“Promovendo Estratégias de Desenvolvimento Urbano de Baixo Carbono em Países Emergentes”), parceria entre ICLEI, a ONU-Habitat e Comissão Europeia.
– Betim: o município, por meio da identificação de riscos climáticos, publicada em 2020, obteve clareza da exposição e vulnerabilidade ligados à mudança do clima, com estudos sobre as ameaças de enchentes, inundações, secas meteorológicas e doenças transmitidas por vetores. A análise fez parte da iniciativa Urban-Leds II, financiada pela Comissão Europa e implementada pelo ICLEI, que contou com a WayCarbon para a elaboração das análises técnicas.
– Curitiba: o plano foi elaborado com objetivo de reduzir as emissões de GEE até 2050 e aumentar a capacidade de adaptação aos riscos climáticos. Para que essa meta seja atingida, são mais de 20 ações divididas em cinco setores-chave: qualidade ambiental e urbana, eficiência energética, resíduos sólidos e efluentes, mobilidade urbana sustentável, e hipervisor urbano e inovação. O Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas de Curitiba (PLANCLIMA) teve Assistência Técnica do Programa de Ação Climática C40, da C40 Cities, assim como os planos das cidades brasileiras de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.
– Recife: o Plano Local de Ação Climática da cidade de Recife foi lançado em 2020 com o objetivo de alcançar a neutralidade climática e criar oportunidades socioeconômicas, reduzir a pobreza e desigualdade, melhorar a saúde das pessoas e a proteção da natureza. Como uma forma de dar continuidade, a cidade desenvolveu um Plano de Adaptação Setorial que foi finalizado em 2023 e ainda será disponibilizado ao público. Visando construir resiliência, o Plano Setorial incluiu a análise de riscos climáticos e vulnerabilidades e o desenvolvimento de ações de adaptação para os setores de Saneamento Básico, Transformação Urbana, Mobilidade Urbana e Economia.
– Rio de Janeiro: o Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática do Rio de Janeiro incluiu a avaliação de riscos climáticos atuais (período histórico) e futuros (2030 e 2050) no município, com foco nas ameaças de elevação do nível do mar, deslizamentos, ondas de calor e inundações. A cidade estabeleceu 24 metas prioritárias, sendo que as metas de adaptação visaram a realocação de pessoas para fora de áreas de alto risco, a melhoria da resposta a emergências e iniciativas de aumento da proteção e bem-estar da população.
– Salvador: O Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima da cidade está dividido em quatro eixos, equivalentes aos quatro temas da visão futura da cidade (Salvador Inclusiva, Salvador Verde-Azul, Salvador Baixo Carbono e Salvador Resiliente), e em 20 diretrizes. Cada uma dessas diretrizes é composta por ações cujos resultados auxiliarão a atingir as metas gerais do plano: a neutralidade de emissões a garantia da universalização dos serviços de água e esgoto, a redução da população que vive em áreas de risco, a renaturalização de rios e a redução de doenças causadas por vetores até 2049.
– São Bernardo do Campo: o estudo de 2021, financiado pelo CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina),combinou elementos de exposição e vulnerabilidade da população com análises sobre a incidência de cada risco climático na cidade, para identificar os bairros mais afetados pelas ameaças de inundação, deslizamentos, ondas de calor e proliferação de vetores nos cenários futuros de 2030 e 2050. A partir dos resultados, foi elaborada uma estratégia de adaptação territorial aos efeitos da mudança do clima, com o desenvolvimento de 12 medidas com diferentes prazos de implementação, além de descrição, principais atividades e indicadores previstos, bairros prioritários, análise de oportunidades e as secretarias envolvidas.
– São Paulo: o plano, batizado como PlanClima SP, foi desenvolvido para responder às mudanças do clima e orientar a ação do governo municipal em processos decisórios. Os objetivos principais são empreender ações para a redução das emissões de GEE e implementar medidas para reduzir as vulnerabilidades sociais, econômicas e ambientais, com pontos norteadores como: jornada rumo ao carbono zero em 2050 e geração de trabalhos e rendas sustentáveis, aumento da oferta de habitações populares, redução de alagamentos e inundações, diminuição de vulnerabilidades e fortalecimento da Defesa Civil, entre outros.
– Sorocaba: o estudo,publicado em 2020, foi desenvolvido também como parte da iniciativa Urban-Leds II, como na cidade de Betim, a partir de análises dos riscos de inundação, deslizamento, ondas de calor e proliferação de vetores. A partir dele, o município pôde identificar os bairros mais vulneráveis e as áreas mais críticas a cada um dos riscos, tendo subsídios para o desenvolvimento de medidas de adaptação efetivas.
Atualmente, a WayCarbon está trabalhando para a entrega de planos para João Pessoa, até o final do primeiro semestre deste ano, e de Porto Alegre e Niterói, até o fim de 2024. “O planejamento ambiental deve ser integrado ao planejamento urbano. Nos planos climáticos que desenvolvemos, fazemos projeções para 10, 20, 30 ou 40 anos, tentando entender os principais riscos que causam vulnerabilidade naquela determinada região. Com esses dados, somados às projeções sobre os cenários de mudança do clima, fazemos recomendações para o aumento da resiliência climática naquela cidade”, explica Melina, responsável pelos projetos.
Os planos de ações climáticas envolvem ações a serem tomadas para impedir deslizamentos de encostas, inundações, proteção contra o aumento do nível médio do mar e contra a disseminação de doenças, entre outras. A combinação dessas estratégias leva à diminuição da vulnerabilidade climática do município alvo do plano. É uma mudança de paradigma da “cultura da resposta” para a “cultura do preparo”. No caso de João Pessoa, o Plano já passou por Audiência Pública e incorporou as considerações de diversos atores-chave da sociedade civil, universidades e organizações, e tanto sua versão final quanto o Sumário Executivo possuem previsão de lançamento em junho de 2023.
Já em Porto Alegre, a WayCarbon iniciou o trabalho de análise sobre áreas de risco e estratégias para que a cidade possa discutir propostas, inclusive com a população, para se prepararem para resiliência climática. Outro projeto que irá iniciar em breve é o de Niterói, município que, assim como a capital gaúcha, já possui uma trajetória recente de envolvimento na agenda climática.