Expedição PAT Xingu, Rio Xingu – Foto: Gustavo Fonseca
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Expedição do PAT Xingu localizou animais no rio Xingu e pode ter descoberto novas espécies
A missão de encontrar três espécies de peixes de até 10 centímetros, classificados como criticamente em perigo de extinção, nas margens do rio Xingu, no coração da Amazônia, não parece muito fácil diante da dimensão da floresta. E se esses animais são da família dos rivulídeos, conhecidos como peixes-anuais, a tarefa parece ainda mais complicada. Isso porque eles vivem em ambientes temporários, que podem ser poças, alagados, brejos ou áreas marginais de rios.
Mas uma equipe de pesquisadores topou o desafio e, no final de maio, percorreu, em sete dias, 500 quilômetros às margens do rio e o resultado não poderia ter sido melhor: além de confirmar a presença dos peixes, ainda descobriram novas espécies.
A expedição Xingu organizada pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (IDEFLOR-Bio) no âmbito do projeto Pró-Espécies: Todos contra a extinção por meio das ações previstas pelo Plano de Ação Territorial para Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção do Território Xingu (PAT Xingu) contou com a participação de pesquisadores da Universidade Federal do Pará/Campus Altamira e da Universidade do Rio Grande do Sul. Representantes do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Rivulídeos, coordenado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Universidade Federal do Pará/Campus Marajó-Soure, da Universidade Federal da Paraíba e da ONG Meandros também participaram da viagem.
O PAT Xingu visa a conservação de oito espécies-alvo, sendo quatro de flora e quatro de fauna. A maioria é classificada como Criticamente em Perigo (CR) de extinção e não é contemplada em instrumentos legais de monitoramento e conservação, ou seja, considerada CR Lacuna. O território do PAT Xingu abrange uma grande área na região do Médio e Baixo rio Xingu, totalizando uma área de 37.844,86 km² e os principais vetores de pressão estão relacionados à expansão da fronteira agrícola e pecuária, além do desmatamento ilegal e dos empreendimentos hidrelétricos, que trazem alterações ambientais que modificam a paisagem.
Planejamento
Dentre as espécies-alvo do plano estão os três peixes-das-nuvens encontrados durante a expedição: Pituna xinguensis, Plesiolebias altamira e Spectrolebias reticulatus, todos endêmicos da bacia do rio Xingu, ou seja, só são encontrados nesse local.
“Fizemos um planejamento para definir o melhor momento para realizar a expedição, pois os peixes têm características peculiares e precisaríamos estar no local certo e no momento certo. Juntamos esforços para otimizar o trabalho e graças ao empenho de especialistas encontramos as três espécies”, reforçou a assessora técnica do PAT Xingu, Renata Emin.
Outro resultado importante da expedição é a probabilidade de identificação de novas espécies, nunca antes descritas pela ciência. “O importante dessas expedições é a parceria que se forma. Levantamos muitas informações para aumentar a amostra de conhecimento, que é um dos principais objetivos do PAT Xingu. Tínhamos poucos dados sobre essas espécies de rivulídeos, mas com as coletas conseguimos cumprir essa missão. E além de ter confirmado a presença dos peixes, ainda há possibilidade da descoberta de novas espécies, o que também é um ganho incrível para o projeto”, complementou Nívia Pereira representante do IDEFLOR-Bio e coordenadora executiva do PAT Xingu.
Buscas e resultados
Os peixes-anuais ou peixes-das-nuvens das Américas fazem parte da família dos Rivulídeos e são muito sensíveis às mudanças do ambiente. Por conta das pressões antrópicas na região, a preocupação dos pesquisadores da expedição era confirmar a presença das três espécies-alvo do PAT Xingu na área. De acordo com professor André Netto Ferreira da UFRGS, doutor em zoologia, com a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a ilha onde esses animais haviam sido identificados pela primeira vez, em 2003, e que supostamente seriam o único local de ocorrência delas, acabou sofrendo modificações, o que poderia ter provocado o desaparecimento desses animais naquele local. A boa notícia é que as equipes encontraram populações das três espécies em ambientes temporários protegidos pela RESEX e o Parque Nacional da Serra do Pardo, ao longo de diferentes trechos do rio Xingu, entre Altamira e São Félix do Xingu.
André explicou, ainda, que a viagem terá como desdobramentos a tentativa de entender melhor como as populações das espécies se relacionam entre si. Para isso, os pesquisadores coletaram amostras para fazer um estudo genético e, assim, ampliar o conhecimento sobre esses peixes. “Eles vivem em um trecho de rio que tem cerca de 500 quilômetros, o que é algo atípico para esses animais. Normalmente, por viver em ambientes restritos, em poças isoladas, e o rio Xingu ter muitas corredeiras, por enquanto, não conseguimos enxergar uma possível conectividade entre essas populações”, argumentou o professor.
O professor Leandro Sousa da UFPA, também doutor em zoologia, ressalta a importância do trabalho de integração promovido pelo Pró-Espécies, que foi capaz de reunir uma equipe de especialistas, de diferentes regiões do Brasil, para estudar as espécies-alvo do PAT Xingu. “Se em sete dias na Amazônia nós já encontramos espécies ameaçadas de extinção, descobrimos outras nunca antes descritas, entendemos melhor os ambientes que elas vivem, imagina o que não será possível fazer e descobrir se continuarmos com esse trabalho?”, comemorou o professor.
Nívia Pereira reforçou que, apesar de anos trabalhando com pesquisa, foi perceptível o empenho e o esforço da equipe durante a expedição. “Leandro e André, por exemplo, trabalham com isso há mais de 20 anos, mas se mostram sempre empolgados com suas descobertas e constatações. E isso nos dá ânimo para continuar investindo no aumento de conhecimento dessas espécies. Sabemos que os desafios são muitos, pois várias instituições foram sucateadas, sem recursos para pesquisa. Precisamos continuar nosso trabalho, promovendo ações como estas e aproveitando as oportunidades que surgem a partir dessa importante parceria”, afirmou.
Envolvimento da comunidade
Para o Dr. Leandro Sousa um dos pontos mais relevantes da expedição é o contato com os moradores locais. Muitos deles nunca tinham observado os rivulídeos, apesar de pescarem todos os dias nos rios próximos às casas e conhecerem bem o ambiente. “Nós mostramos os peixes, explicamos sobre o ciclo de vida e com certeza essas informações serão muito importantes para essas pessoas. A região sofre com as pressões de grandes empreendimentos, como as usinas, e as comunidades tradicionais precisam de argumentos para tentar barrar algumas dessas atividades. Essas espécies de um centímetro podem ser muito valiosas para eles”, contou.
Renata Emin mencionou o trabalho executado pelo PAT Xingu de envolver as comunidades locais no trabalho de conservação das espécies-alvo. Entre as ações previstas está a elaboração de um diagnóstico etnobiológico, que tem o objetivo de estudar sobre as relações das comunidades com as espécies-alvo do PAT para, a partir daí, elaborar material educativo e de divulgação para este público. “Entendemos que as comunidades que coabitam e se relacionam diretamente com essas espécies ameaçadas precisam ser nossos principais aliados na luta pela conservação das espécies e, especialmente, dos seus habitats”, reforçou Renata.
Para o Dr. André Ferreira, um caminho seria uma formação para os líderes dessas comunidades. “Eles seriam agentes do monitoramento dessas espécies. Poderia ser algo simples mesmo, apenas para transmitir informações básicas, mas que complementariam os dados sobre esses animais. Podemos falar nas escolas, conversar com fazendeiros também. Explicar sobre a importância de preservar alguns ambientes para conservar os peixes e é a natureza quem agradece”.
Conservação
O empenho dos pesquisadores para preservar os rivulídeos demonstra como é importante preservar a biodiversidade brasileira. Esses animais coloridos, com menos de 10 centímetros, convivem com outros pequenos bichos e plantas garantindo, assim, o perfeito equilíbrio desse pequeno ecossistema.
“Para nós, biólogos, é uma questão moral e ética garantir a preservação dessas e de todas as espécies. No caso desses peixes, eles desempenham um papel fundamental no ecossistema e só os encontramos se o ambiente está bem conservado. É o que chamamos de espécie bioindicadora: só são encontradas onde a mata está íntegra, com o ciclo hidrológico completo. Considerando sua beleza natural, apesar do pequeno tamanho, poderiam ser ótimas espécies-bandeira para ações de conservação”, esclareceu Leandro Sousa.
André Ferreira reforçou, ainda, que todos os seres que coabitam o planeta “merecem viver”. “Não temos o direito de acabar com um produto da evolução e da natureza. E no caso dos rivulídeos, eles indicam quais áreas devemos priorizar para conservação. Essa é uma boa ferramenta, inclusive, para combater um eventual desmantelamento de regiões que sofrem com o desmatamento. A preservação desses peixes pode ser argumento muito importante para garantir a manutenção de áreas como a RESEX e o PARNA Serra do Pardo, além de evitar que mais áreas fora destas áreas de preservação sejam degradadas”, concluiu.