O Parque Nacional do Yasuní, na Amazônia equatoriana – Foto: Juan Crespo
POR – LEILA SALIM E PRISCILA PACHECO, OBSERVATÓRIO DO CLIMA / NEO MONDO
Consulta pública no dia da eleição presidencial tem 60% de votos para parar extração em território biodiverso da Amazônia; fim de mineração de ouro em Quito também passou
Em plebiscito realizado junto às eleições presidenciais e parlamentares do Equador no último domingo (21/8), 60% dos equatorianos decidiram paralisar a exploração de petróleo em um dos blocos localizados no Parque Nacional Yasuní, na Amazônia. A vitória histórica da floresta, de seus povos e do planeta é resultado de uma batalha judicial de uma década de organizações da sociedade civil, que conquistaram a realização do plebiscito através de uma campanha popular. Sessenta e oito por cento dos eleitores também votaram a favor do fim da mineração no Chocó Andino, região perto da capital Quito.
As consultas aconteceram em meio a eleições tensas, antecipadas após Guillermo Lasso, atual presidente, dissolver a Assembleia Nacional do país diante da abertura de um processo de impeachment, em maio deste ano. No último dia 9 de agosto, a menos de duas semanas do pleito, o candidato à presidência Fernando Villavicencio foi assassinado a tiros quando saía de uma atividade de campanha.
A eleição presidencial será decidida em segundo turno, em outubro. A esquerdista Luisa González, aliada do ex-presidente Rafael Corrêa, foi a mais votada, com 33% dos votos, e concorrerá com o segundo colocado, Daniel Noboa, filho do megaempresário e político Álvaro Noboa, que obteve 24% dos votos.
Luisa González já se manifestava desde 2013 contra as reivindicações de manter o petróleo intocável em Yasuní. A candidata não mudou de posição durante a campanha. Já Noboa disse que votaria a favor da interrupção da exploração, pragmaticamente argumentando que “o petróleo equatoriano não representa lucro”.
Juan Crespo, coordenador de pesquisas na aliança de organizações indígenas Cuencas Sagradas, considera que o resultado é uma grande vitória para o país. “Uma clara maioria do país decidiu manter o petróleo debaixo da terra. É uma grande notícia, uma consciência de respeito à vida, à natureza e aos povos indígenas isolados”, diz. O pesquisador também celebra o resultado sobre o Chocó Andino e espera que os plebiscitos reafirmem a necessidade de reconstruir um país pós-extrativista, no qual sejam criados outros modelos de desenvolvimento.
Eduardo Pichilingue, integrante do Coletivo Yasunidos – organização que promoveu a campanha pela consulta popular –, também celebra. “Agora está muito claro que a população no Equador está muito sensibilizada por estes temas, está muito preocupada com o que acontece com o meio ambiente. O que os cidadãos equatorianos estão dizendo é que é o momento de mudar, que é o momento de buscar soluções econômicas e mudar o modelo econômico”, diz Pichilingue, lembrando que as lutas pela proteção do Yasuní são mais antigas que a disputa judicial que garantiu a realização do plebiscito.
Ele ainda destaca que as vitórias nos dois plebiscitos merecem aplausos, mas alerta que as reivindicações não devem parar, especialmente na Amazônia. “Com o encerramento [da exploração de petróleo] no Yasuní, é muito provável que os olhos da indústria petroleira se voltem para o sul do país, que deve ser defendido da mesma maneira”, comenta.
Sim à floresta
Com a maioria de suas reservas petrolíferas localizadas na Amazônia, o Equador explora combustíveis fósseis há 51 anos. Parte delas está no Parque Nacional Yasuní, que, com 10 mil quilômetros quadrados, é território de povos indígenas e abriga milhares de espécies da rica biodiversidade amazônica.
O plebiscito do último domingo foi resultado de uma década de mobilização. Desde 2013, o Coletivo Yasunidos organiza uma campanha pelo direito de a população decidir se aceita ou não a exploração de petróleo no chamado Bloco 43, do qual fazem parte os campos Ishpingo, Tambococha e Tiputini (conhecidos pela sigla ITT). Iniciada com coleta de assinaturas, a campanha pressionou a Justiça equatoriana por todos esses anos, até que, em maio deste ano, a Corte Constitucional do Equador reconheceu o direito à realização do plebiscito.
Enquanto isso, as petroleiras conseguiram, em 2016, iniciar a extração de petróleo no campo Tiputini. Em 2019, o povo indígena waorani conquistou na Justiça o direito de impedir a exploração fóssil no bloco 22, localizado em seu território.
Finalmente, neste 20 de agosto, a população equatoriana foi convocada a responder à pergunta: “Você concorda que o governo equatoriano mantenha as reservas de petróleo do ITT, conhecido como Bloco 43, indefinidamente abaixo do solo?”. A vitória do “sim”, com 60% dos votos, obriga a estatal Petroecuador a sair do bloco em no máximo um ano.
Sofía Torres, também integrante do Coletivo Yasunidos, apresentou na tarde desta segunda-feira as reivindicações da sociedade para o pós-plebiscito. Entre elas está a elaboração de um plano integral e concreto para a retirada organizada e progressiva da infraestrutura petroleira do Bloco 43, que inclua a reparação integral da natureza e às comunidades e seja coordenado com os proponentes do plebiscito, o movimento indígena e o Estado.
“Este plano deverá incluir uma política integral de proteção ao Yasuní a médio e longo prazo, desenvolvida pelos povos e nações indígenas e na qual o Estado garanta os direitos da natureza e os direitos humanos, proteja a floresta diante das ameaças extrativistas e cumpra o caráter plurinacional estabelecido pela Constituição, respeitando a autonomia e a autodeterminação dos povos”, afirmou Torres, em entrevista coletiva organizada pelos movimentos indígenas e organizações da sociedade civil. “Nas últimas semanas, fomos notícia. Agora, juntas e juntos, estamos fazendo história”, finalizou.
Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, a vitória no Equador deve servir de exemplo para o Brasil: “Esperamos que o governo brasileiro se mire no exemplo equatoriano e decida fazer a única coisa compatível com um futuro para a humanidade e com a liderança que o Brasil quer ter na luta contra a crise climática: deixar o petróleo da Foz do Amazonas no subsolo e apoiar, quando assumir a presidência do G20, no mês que vem, um pacto global pela eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis”, disse.