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ARTIGO
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Por – Fernando Xavier* e Mariana Campos*, especial para Neo Mondo
Até pouco tempo atrás, grande parte da indústria automotiva acreditava que a descarbonização do setor de transportes viria necessariamente com a eletrificação. Diversos países, sobretudo Estados Unidos, China e alguns da União Europeia, incentivaram fortemente – e ainda incentivam – a produção de veículos elétricos. Esse movimento prega uma substituição rápida da frota a combustão por veículos elétricos, com alguns países anunciando o fim das vendas de motores a combustão já na próxima década.
Entretanto, essa revolução do norte tem sido cada vez mais criticada, a um lado por ignorar, muitas vezes, a forma como essa eletrificação será feita, e a outro por ignorar que a transição energética, para ter um caráter verdadeiramente internacional e inclusivo, precisa propor soluções que funcionem de acordo com as realidades locais.
Há, de fato, algumas críticas relevantes ao movimento de eletrificação em massa dos automóveis. Muitas dessas críticas apontam para a pegada de carbono na fabricação das peças, os minérios usados nos componentes eletrônicos e a origem da energia que será utilizada no abastecimento (estudos mostram que, a depender da matriz elétrica de um país, carros movidos a etanol podem ser menos poluentes que carros elétricos). Além disso, a criação de uma rede logística e de abastecimento a nível nacional é um desafio custoso e de grandes proporções, o que torna a eletrificação algo distante da maior parte dos países do chamado sul global.
Por essa razão, há uma percepção cada vez maior, sobretudo no Brasil, de que a “solução Tesla” não é o único caminho possível e, para muitos países, certamente não é o caminho mais vantajoso.
Para reduzirmos nossas emissões, diversas estratégias devem ser desenvolvidas em conjunto. O portfólio de soluções verdes para uma economia de baixo carbono é amplo, e entender a vocação e as vantagens competitivas do Brasil é fundamental para trilhar caminhos de transição energética mais eficazes.
Como se sabe, o Brasil é um dos maiores produtores de biocombustíveis do mundo. Trata-se de um mercado já estruturado, que requer ajustes finos para alcançar patamares ainda mais significativos. Além disso, o avanço na tecnologia de biocombustíveis de segunda geração tem mostrado resultados surpreendentes em termos de eficiência. Por isso, governos e associações locais têm se mobilizado para apresentar alternativas nacionais, a exemplo de veículos flex, ressaltando o papel estratégico dos biocombustíveis na matriz brasileira.
Em razão da relevância dos biocombustíveis no cenário nacional, é legítima a aposta nos motores a combustão de etanol, biodiesel e outros combustíveis derivados de biomassa renovável, por sua capacidade de viabilizar uma transição energética mais eficiente e inclusiva do que aquela baseada em uma matriz unicamente elétrica. Tanto é assim que, recentemente, uma miríade de notícias relativas ao uso estratégico de biocombustíveis tem tomado conta dos veículos de comunicação.
Neste mês, Brasil, Estados Unidos e Índia – alguns dos maiores produtores de etanol – lançaram a Aliança Global para os Biocombustíveis (GBA, na sigla em inglês). A missão da aliança é ampliar a cooperação tecnológica visando a expansão de biocombustíveis, a descarbonização do setor de transportes e a transição energética. O que se observa, portanto, é um movimento de mostrar ao mundo que há outros caminhos possíveis para a descarbonização das economias.
Na mesma semana, no âmbito interno, o Presidente Lula encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei “Combustível do Futuro”. Dentre as propostas, o documento institui programas específicos voltados ao combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês) e ao diesel verde; aumenta o limite da mistura de etanol anidro à gasolina para 30%; e regulamenta a produção de combustíveis sintéticos (e-fuels, em inglês), produzidos a partir de fontes alternativas a petróleo e biomassa. A proposta também determina a integração da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), do Programa Rota 2030, e do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE Veicular). Em síntese, o projeto busca fortalecer a política nacional de biocombustíveis, expandindo a participação do etanol, ao mesmo tempo em que cria as bases para o surgimento de uma indústria local de novos biocombustíveis.
Ainda, deve-se mencionar a movimentação do Ministério de Minas e Energia (MME) para garantir a interoperabilidade do RenovaBio com o mercado de carbono. O MME pretende que os créditos gerados com a produção de biocombustíveis (os CBIOs) sejam considerados para fins do mercado regulado. Assim, a demanda por CBIOs poderá aumentar, elevando seu preço.
Tais medidas mostram um amadurecimento do Brasil na busca por soluções domésticas que permitam uma transição energética mais racional, eficiente e segura. Ao apostar nos biocombustíveis, o país fortalece uma indústria local já bem-sucedida, sem, com isso, negar a importância da eletrificação como solução adicional que pode e deve ser adotada localmente. O Brasil, assim, se coloca em uma posição de vanguarda em questões de sustentabilidade, lançando as bases para se tornar um exportador global de soluções para a transição energética.
Nesse esforço, é essencial que o Brasil apresente políticas claras e de longo prazo, regulação simplificada e, acima de tudo, reafirme seu compromisso com a segurança jurídica no mercado de biocombustíveis. Medidas intervencionistas ou alterações repentinas em políticas públicas (como, por exemplo, reduções repentinas no percentual de biodiesel misturado ao diesel) afugentam investidores e geram instabilidade no setor, reduzindo substancialmente a capacidade do Brasil em desenvolver todo o seu potencial.
*Fernando Xavier – Sócio da área de Infraestrutura e Energia do Machado Meyer Advogados
*Mariana Campos – Advogada da área de Infraestrutura e Energia do Machado Meyer Advogados