Rio Negro, Igarapé de Petrópolis, Bacia urbana da Cachoeirinha, Manaus (AM) – Foto: Divulgação
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Na Amazônia, ações serão realizadas no Igarapé de Petrópolis, ligado ao rio Negro, em Manaus; nos rios Itaqui, Apeú, no Pará; no Rio Branco, no Acre; e no rio Amazonas, no Amapá e nos rios Anil e Piquiá no Maranhão
O nível de degradação dos rios brasileiros está fazendo com que muitos deles já não consigam prover seus serviços ambientais porque foram reduzidos a locais para descarte de esgoto e de lixo. É o caso do Igarapé de Petrópolis, em Manaus, que corta os bairros de São Francisco e Petrópolis e recebe parte do esgoto de pelo menos 10 mil casas e algumas indústrias localizadas na área. Ou ainda do rio Anil, em São Luís, onde a poluição por plástico pode ser vista até em imagens do Google. Em Castanhal (PA) os rios Itaqui e Apéu estão em severo processo de degradação ambiental, agravado por construções irregulares, desmatamentos, servindo de esgoto a céu aberto e sendo privatizados pelo avanço de empreendimentos imobiliários. A falta de planejamento do Estado e da rede precária de drenagem e esgotos que são despejados a céu a aberto também comprometem o Rio Branco, no Acre.
Para alertar para a necessidade de preservar os rios brasileiros, um grupo de ativistas criou um Manifesto dos Rios, assinado por 21 rios que também estão recebendo atividades para chamar a atenção sobre a urgência de preservá-los. Ao todo, serão 17 cidades nas cinco regiões do Brasil. A ação acontece às vésperas do Dia Mundial dos Rios, que é sempre comemorado no último domingo do mês de setembro. Na maioria dos casos, serão pintadas cobras – uma alusão à lenda amazônica da Cobra Grande.
Um dos maiores igarapés de Manaus, o Petrópolis faz parte da bacia urbana da Cachoeirinha e corta a orla da capital do Amazonas, desaguando na zona sul, do lado esquerdo da Bacia do Rio Negro. Desde a década de 1970 ele vem sofrendo severa degradação pela ausência de um plano de saneamento básico compatível com o crescimento populacional migratório que acompanhou a expansão do Polo Industrial de Manaus. A estratégia do governo foi construir conjuntos habitacionais desconsiderando os trechos de rio ali presentes. O escoamento superficial da cidade direciona-se essencialmente aos rios, que acabam carregando grande quantidade de resíduos sólidos flutuantes, como garrafas pet. Para chamar a atenção para essa situação crítica do igarapé, o coletivo Orígenas fez atividades de contação de história, performance com uma cobra de pano, oficina de fotografia e uma ação de limpeza, além de uma “Arte performance Cipó-Cobra” da artista visual Priscila Pinto.
“Manaus aterrou seus rios em prol de um discurso de civilização e progresso da Amazônia, discurso esse que perpetua o etnocídio dos corpos amazônidas e que nos deixa como vestígios inundações e desabamentos – situação que se agrava com as mudanças climáticas e o desprezo do estado com a população que vive à margem, o que fica escancarado o quanto as populações de margens estão sendo atingidas de forma mais aguda as mudanças climáticas”, declarou Sarah Campelo, artista e ativista da região. “A atual situação em que se encontra o igarapé de Petrópolis, que são águas rio negrinas, não se assemelha às histórias contadas pelos mais velhos, que relatam que nesse próprio igarapé as famílias usufruíam de lazer e utilidades domésticas. Hoje esse mesmo igarapé nos causa medo e é visto como uma imensa lixeira em movimento”, ressalta.
Em São Luís, no Maranhão, a pintura da cobra foi feita em parceria com artistas locais às margens do rio Anil e as imagens podem ser baixadas aqui. O nome do rio decorre da extração de uma fécula azul que servia para branquear tecidos e que foi denominada pelos árabes de anil. A extração era feita por meio do amolecimento das folhas da planta (chamada pelos indígenas de “cauaçú”) nas águas do rio, que ficavam com a coloração azul. Atualmente sua cor é bem diferente: ele recebe diariamente uma grande carga de esgotos por conta da falta de saneamento básico na cidade. Além disso, o rio também sofre com a ocupação desordenada e o desmatamento em suas margens. No bairro periférico de Salina é possível ver uma “Ilha de Plástico” formada pelo acúmulo de lixo que pode ser vista pelo Google Maps nestas coordenadas: -2.5380092, -44.2558342.
Também no Maranhão, o CDJUV – Coletivo Desenvolvimento e Juventude e Coletivo Edvard Dantas Cardeal realiza ação em prol do Rio Piquiá, em Açailândia. Embora não seja tão conhecido nacionalmente, esse rio desempenha um papel vital na vida da comunidade local e na região em geral por ser uma importante fonte de água. Porém desde 1980 o rio vem sendo constantemente poluído por uma fábrica de cimento, por siderúrgicas e os rejeitos da mineração. Para chamar a atenção para a situação do Rio Piquiá, o coletivo fará uma cobra com cerca de 20 metros de comprimento que será estendida próxima ao rio na altura de em um pano e depois vamos estender próximo do rio na altura do povoado de Piquá, em Açailândia.
Em Castanhal, no Pará, o Coletivo Miri organizará ações denunciando a deterioração dos rios Itaqui e Apeú, na Agrovila Itaqui e Vila Centenária do Apeú. Os dois cursos d’água estão inseridos e são de grande importância para a bacia hidrográfica do Rio Apeú, que deságua no Rio Guamá, no Nordeste do Pará. Serão instalados dois murais, com intervenções em grafite e lambe lambe, assim como um ato performático, com faixas e cartazes nas margens desses rios.
No Acre, o Rio Branco receberá duas ações pedindo sua preservação. A do Comitê Chico Mendes aconteceu em suas encostas na altura da escadaria da Gameleira, segundo distrito de Rio Branco. Além da pintura da cobra grande pela extensão do barranco da gameleira, serão escritas frases com lixos coletados no rio. Já a Frente de Defesa do Rio Branco fará uma cobra de pano, articulada por canos pvc, na Orla Taumanan. O Rio Acre nasce em território peruano, passa pela Bolívia e entra no Brasil pela tríplice fronteira, no território acreano, onde percorre os municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Xapurí, Rio Branco e Porto Acre, desembocando na sua foz no estado do Amazonas. A capital acreana nasceu e se desenvolveu às margens desse rio que serpenteia a cidade, passando por 17 bairros, e que a divide em dois distritos com suas águas barrentas e ainda piscosas. Suas margens em áreas urbanas sofrem com a falta de planejamento do Estado que resultou em uma rede precária de drenagem e esgotos despejados a céu aberto por toda sua extensão. Além da degradação dessas margens e descaso público, a crise climática tem contribuído para as secas e cheias cada vez mais extremas.
Em Macapá (AP), o Instituto Mapinguari fará a pintura de uma grande cobra com colagem de lambes na rua Beira Amazonas, na cidade nova, às margens do Rio Amazonas. Conhecido como o maior rio do mundo, o Amazonas se estende desde o Peru, Bolívia até o Brasil. No Amapá, ele corre em frente
aos maiores pontos turísticos do Estado, como a Fortaleza de São José. Apesar de sua importância, o Amazonas sofre com diversas ameaças como a poluição, tanto de resíduos sólidos quanto de dejetos que são lançados diretamente no rio. Atualmente sua foz está no centro de uma grande ameaça ambiental: a exploração de petróleo.
A preocupação dos ativistas tem respaldo científico. Estudo do WWF sobre 12 milhões de quilômetros de 246 grandes rios do mundo mostrou que pouco mais de um terço (37%) deles pode ser considerado um “rio de curso livre”, que é a condição para que um curso d’água mais ofereça benefícios ambientais e serviços ecossistêmicos. Se nas cidades eles são canalizados, no restante do Brasil eles são interrompidos pelo assoreamento decorrente do desmatamento, mineração e garimpo, bem como pela construção de reservatórios e hidrelétricas, além do despejo de esgoto sem tratamento. Os rios são também vítimas do aquecimento global: um novo estudo da Penn State University em 800 dos rios dos Estados Unidos e da Europa mostrou que em 87% deles a temperatura média da água se elevou e em 70% houve e a perda de oxigênio. Os prognósticos são ainda mais preocupantes: de acordo com os pesquisadores, nos sistemas fluviais estudados, especialmente no sul dos Estados Unidos, poderão ocorrer períodos de extrema desoxigenação nos próximos 70 anos, levando ao risco de uma grande mortandade de espécies de peixes.
As ações serão acompanhadas por um manifesto nas redes sociais. O texto é escrito como se fossem os próprios rios se manifestando. Confira a íntegra a seguir: