Embora não tenha vetado integralmente o projeto, o Presidente Lula retirou dispositivos que, ao fragilizar as regras de proteção a territórios já demarcadas – Foto: Katarina Silva/WWF-Brasil
Por – WWF-Brasil / Neo Mondo
Congresso Nacional deve manter vetos e honrar com os compromissos internacionais assumidos pelo país
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou na noite desta sexta-feira (20), com vetos, o texto do projeto de Lei 2903/2023, aprovado em setembro pelo Congresso Nacional. Ao sancionar o projeto, vetou trechos que retiravam proteção a terras indígenas, permitiam a revogação de áreas já demarcadas e tornavam quase impossível a demarcação de novas terras no futuro. Um dos pontos vetados foi o que tentava reviver a tese do Marco Temporal, rejeitada em setembro pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
O movimento indigena, as organizações ambientalistas (dentre elas o WWF-Brasil), o Ministério Público, o Conselho Federal de Direitos Humanos e diversos outros órgãos pediram que o projeto fosse integralmente vetado pelo Executivo, por significar o maior retrocesso na proteção a direitos indígenas desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Embora não tenha vetado integralmente o projeto, o Presidente retirou dispositivos que, ao fragilizar as regras de proteção a territórios já demarcadas, poderiam levar ao desmatamento de até 55 milhões de hectares de florestas nos próximos anos, uma área quase do tamanho de Minas Gerais. Com isso, manteve aberta a possibilidade de cumprir com seu compromisso de zerar o desmatamento no país até 2030 – o que seria impossível sem esses vetos – e manteve acesa a esperança de evitar que a Floresta Amazônica, a grande fábrica de chuvas do país, venha a entrar em colapso (ponto de não retorno) pelo excesso de degradação, o que afetaria a vida de todas brasileiras e brasileiros.
Ao retirar o artigo que possibilitava a extinção de terras indígenas já demarcadas caso alguém do governo avaliasse que as comunidades haviam “alterado” seus traços culturais, o Presidente mandou um recado claro: as terras indígenas são um direito dos povos originários e um patrimônio nacional da mais alta importância, e não haverá volta atrás.
Nos últimos 30 anos, enquanto as terras privadas perderam quase 20% da vegetação nativa original, as terras indígenas perderam apenas 1,2%, ou seja, 17 vezes menos. Atualmente elas protegem ¼ do que restou de florestas preservadas na Amazônia. Estudos mostram que os territórios indígenas da Amazônia enviam para o restante do Brasil, gratuitamente, todos os dias, 5.2 bilhões de toneladas de vapor de água, por meio da transpiração dos bilhões de árvores que preservam. É essa umidade que forma as chuvas que permitem aos produtores brasileiros colher duas safras ao ano em grande parte do território nacional, tornando o país um campeão agrícola. São verdadeiras fábricas de água, nas quais são protegidas mais de 517 mil nascentes.
Por essa razão é salutar que o trecho do PL 2903/23 que permitia a construção de obras com significativo impacto ambiental (rodovias, linhas de transmissão, ferrovias etc.) em terras indígenas, sem qualquer consulta às comunidades impactadas, tenha sido vetado. Além de afrontar diretamente o disposto na Convenção 169 da OIT, que tem força de lei no Brasil, essa regra desrespeitosa criaria problemas de diversas ordens, o que seguramente afastaria investidores do país, que não gostariam de ver seus recursos aplicados em projetos que evidentemente desrespeitam os direitos das comunidades locais e aumentam o desmatamento.
Para o WWF-Brasil, portanto, é essencial que o Congresso Nacional mantenha os vetos do presidente Lula, o que não só é uma medida de bom senso, como honra os compromissos internacionais assumidos pelo país, como os Acordos de Paris (do clima) e de Kunming-Montreal (sobre biodiversidade).