“Sustentabilidade azul” impacta ao menos 600 mi, e incorpora práticas de trabalho, diz diretor da FAO – Imagem: Freepik
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Audun Lem, da Divisão de Pesca e Aquicultura do organismo da ONU, participa de evento que trata de direitos dos trabalhadores do mar
Quando os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram criados pela ONU, em 2015, os princípios que tratam dos temas igualdade de gênero, mudanças climáticas e erradicação da pobreza logo se tornaram prioridade para as empresas em todo o mundo. Mas embora os objetivos devam ser alcançados até 2030 pelo conjunto dos países signatários da Agenda 2030, alguns assuntos não ganharam tanta relevância.
Pouca gente, além dos especialistas, sabe, por exemplo, que o ODS 14 tem um objetivo claro de trazer todos os estoques de peixes para o Rendimento Máximo Sustentável. Isso significa que a exploração pesqueira deve ser realizada de forma a garantir a renovação dos estoques de peixes, evitando a sua redução excessiva e mantendo a biodiversidade marinha. Mas isso importa muito para as mais de 50 milhões de pessoas envolvidas diretamente com a pesca no mundo todo. São mais de 600 milhões, se incluídos os familiares, lembra Audun Lem, diretor-adjunto da Divisão de Pesca e Aquicultura do organismo da ONU.
Lem participa do Encontro da Rede Scalabriniana Stella Maris, um evento internacional promovido pela Congregação dos Missionários de São Carlos, para discutir temas como a escravidão contemporânea, tráfico humano e os direitos de pescadores e trabalhadores do mar.
Como é possível apoiar o desenvolvimento sustentável da aquicultura?
Audun Lem: Criando um ambiente propício, por meio de legislação que facilite a aquicultura com direitos garantidos ao local da fazenda e à água. Também ao ter uma política nacional que favoreça o desenvolvimento da aquicultura e o investimento no setor.
Como a cooperação regional entre os países pode contribuir para o desenvolvimento de mercados sustentáveis do mar (atividade pesqueira)?
Audun Lem: O comércio regional é importante, mas muitas vezes se cria uma situação difícil porque as rotas de exportação tradicionais vão para os mercados de importação tradicionais, como a União Europeia, os EUA e o Japão. Além disso, altas tarifas de importação e regras complicadas para importação de peixes impedem que o potencial do comércio regional seja realizado.
Essa é uma das razões pelas quais parte do comércio regional é informal e não registrado. Especialmente para o desenvolvimento da aquicultura, o comércio regional é um fator importante para o sucesso.
Quais são as melhores práticas de manejo para preservar áreas de pesca?
Audun Lem: Não existe uma única melhor prática, mas uma caixa de ferramentas, que inclui o combate à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (IUU), por exemplo. Temos o Código de Conduta da FAO para pescas responsáveis, que celebrará 30 anos em 2025.
Quais são as tendências atuais no mercado de commodities vindas do mar?
Audun Lem: A tendência é que haja mais produtos de aquicultura, já que o fornecimento proveniente de capturas é relativamente estável, em torno de 90 milhões de toneladas por ano. Também mais produtos processados, com valor agregado e produtos resfriados. Certamente haverá maior atenção à sustentabilidade por parte dos consumidores e varejistas.
Falando desse tema, como a sustentabilidade está sendo integrada nas práticas do mercado de commodities marítimas (atividade pesqueira)?
Audun Lem: A sustentabilidade tem sido um fator chave por anos, em particular, a sustentabilidade ambiental. Mas as dimensões sociais também são essenciais e têm recebido muito mais atenção ultimamente.
Uma das razões pelas quais celebramos o Dia Mundial da Pesca [em 21 de novembro] é justamente dar mais atenção às condições dos milhões de mulheres e homens envolvidos no setor, seu bem-estar e segurança. Hoje, 50 milhões de pessoas estão diretamente envolvidas nas pescas e aquicultura. São 600 milhões, se incluirmos seus familiares.
Tanto os consumidores, quanto a imprensa e os varejistas estão muito mais cientes disso hoje em dia, comparado a alguns anos atrás, e os padrões de certificação também incorporam elementos sociais e práticas de trabalho em seus padrões.
Associações da indústria em muitos países também estão criando seus próprios padrões de responsabilidade social, e a FAO também está desenvolvendo orientações sobre isso para o setor, conforme solicitado por nossos países membros. Portanto, estou confiante de que essas iniciativas também melhorarão a sustentabilidade no setor, também na dimensão social.
Gostaria de acrescentar que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14 tem um objetivo claro de trazer todos os estoques de peixes para o Rendimento Máximo Sustentável (RMS) até 2030. E o ODS 8 tem objetivos claros para trabalho decente (atividade pesqueira).
Ainda sobre esse assunto, qual é a importância da rastreabilidade dos produtos para os consumidores?
Audun Lem: A rastreabilidade é de fundamental importância. Ela serve a vários propósitos, sendo o primeiro relacionado à segurança alimentar e possíveis recalls de produtos. Se há um problema, você precisa saber de onde vem, como foi produzido, quais são as matérias-primas, para quem foi vendido etc. Assim, você pode rastrear e recolher produtos, removendo-os do mercado e pode determinar melhor a causa.
O segundo propósito é a legalidade. O pescado foi capturado legalmente? O produtor tem uma licença? Portanto, a rastreabilidade melhora a segurança de um produto alimentar e também melhora a sustentabilidade do produto em termos ambientais e sociais.
Existem exemplos de sucesso na implementação de cadeias de fornecimento rastreáveis no setor marítimo?
Audun Lem: Sim, assim como para produtos alimentares em geral. Além disso, alguns países exigem certificação de documentação de captura para todos os produtos pesqueiros, incluindo importações. Isso melhorou a situação.
Quais são os desafios legais na implementação de sistemas de certificação e rastreabilidade no mercado do mar?
Audun Lem: Geralmente, os sistemas de rastreabilidade são um requisito obrigatório para produtos alimentares. A certificação é voluntária e orientada pelo mercado. Em muitos países, a certificação para produtos pesqueiros é um requisito de mercado imposto pelos varejistas.