Tecnologia verde – Imagem: Freepik
Por – Eduardo Marini, CEO da green4T, especial para Neo Mondo
A Revolução Digital e o Desafio da Descarbonização: Como o Setor de TI está Reinventando Estratégias para a sustentabilidade
O combate contra o aquecimento global será marcado na história da Humanidade como a mais longa das batalhas vivenciadas por nossa civilização. Uma ameaça que começou silenciosamente, como um reflexo da Revolução Industrial (1850) sem qualquer atenção ambiental, se consolidou na forma como o consumo se estabeleceu em nossa sociedade e, hoje, faz demonstrações eloquentes – e cada vez mais frequentes – do seu poder na desestabilização do equilíbrio climático do planeta.
Em virtude das emissões de gases do efeito estufa (GEE), a temperatura da Terra está 1,1ºC acima dos níveis pré-industriais. A última década foi a mais quente em 125 mil anos. A concentração de CO2 não tem precedentes em dois milhões de anos. O mar também está mais ácido, mais quente e com nível em elevação acelerada. As geleiras diminuíram como nunca nos últimos dois mil anos. O gelo no Ártico é o menor desde o ano 1.000. De acordo com os pesquisadores do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no Sexto Relatório de Avaliação (AR6), publicado em março, todo este contexto está relacionado às atividades humanas.
Sob o nível de aquecimento atual, eventos climáticos extremos que aconteciam a cada 10 anos, têm se tornado mais intensos e frequentes. Basta observamos as ondas de calor que atingiram o Hemisfério Norte no último mês de julho – considerado por cientistas da U.N. World Meteorological Organization (WMO) e Copernicus Climate Chance Service, como o mais quente em 120 mil anos. Na Califórnia, Estados Unidos, a temperatura chegou a 54ºC; ao norte da China, 52,2ºC; e 47ºC, na Grécia.
O cenário – discutido na Conferência das Partes (COP 28), em Dubai (UAE) –, tem contribuído para colocar em risco a segurança alimentar das populações nos países mais vulneráveis, desestabilizar economias e aprofundar os indicadores de pobreza mundo afora.
DESCARBONIZAÇÃO E CIRCULARIDADE
Na campanha para reduzir as emissões de carbono e mitigar o impacto das mudanças climáticas, definem-se duas frentes: a urgente descarbonização da economia global, focando na adoção de energia renovável; e a mudança na relação entre produção e consumo – do modelo linear para o circular.
Segundo um estudo da Fundação Ellen MacArthur, o uso pleno de fontes de energia limpa (tecnologia verde) representará 55% das reduções de emissões de GEE. Os 45% restantes devem ser obtidos alterando a modelagem econômica atual.
Como aliada neste teatro de operações, a tecnologia da informação vem apresentando soluções fundamentais para otimizar processos e o uso mais racional e eficiente de recursos físicos e naturais (tecnologia verde), para que empresas e organizações intensifiquem estratégias para descarbonizar suas atividades.
A partir da inteligência de dados e do uso de tecnologias disruptivas – como a Internet das Coisas (IoT) e a inteligência artificial – será possível aumentar a produtividade e, simultaneamente, reduzir o impacto ambiental em setores econômicos como agricultura, logística e petróleo e gás.
Os altos investimentos em tecnologia refletem este interesse. De acordo com a pesquisa “Smart Agriculture Market”, publicada no portal Markets And Markets, o volume gasto em software, hardware e serviços tecnológicos para agricultura de precisão, armazenamento e monitoramento da produção agrícola deve saltar de US$ 16.2 bilhões neste ano para U$ 25.4 bilhões em 2028 – com taxa de crescimento anual constante (CAGR) de 9,4%.
Neste cenário de digitalização para descarbonização (tecnologia verde), a própria indústria de tecnologia da informação e comunicações (TIC) deve buscar uma abordagem energética mais eficiente e soluções que contribuam para mitigar o impacto ambiental de suas atividades.
PRIMEIRO FRONT: ENERGIA
Conforme registra a Agência Internacional de Energia (IEA), o consumo elétrico dos data centers no ano passado foi entre 1-1,5% do volume total de energia produzida no mundo. Em números exatos, 201 TWh, o equivalente a 40,4% de toda eletricidade consumida pelo Brasil em 2021 (497 TWh).
Os ‘hyperscalers’, provedores de processamento de dados em larga escala, consumiram a maior fatia: 93 TWh. Na sequência, servidores em cloud (69 TWh) e os centros de dados tradicionais (39 TWh).
Para além dos centros de dados, conseguir mensurar o consumo total de eletricidade do setor é um desafio, em razão de sua grande capilaridade. Contudo, para efeito de análise, a consultoria britânica Transforma Insights sugere, por exemplo, que novos devices equipados com sensores de IoT aumentarão a carga de gasto elétrico do setor em 34 TWh até 2030.
Igualmente complexo é o cálculo a respeito das emissões de GEE da indústria de TIC. De acordo com IEA, data centers e redes de transmissão de dados corresponderiam a 0.6% das emissões globais CO2.
Para os pesquisadores da Lancaster University (ING) e Small World Consulting, que assinam o relatório The climate impact of ICT: A review of estimates, trends and regulations, de 2020, o percentual mais preciso seria entre 2.1-3.9%. Em cenários piores, como o estimado pelo pesquisador sueco Anders Andrae, os data centers do mundo consumirão cerca de 20% da energia elétrica produzida no mundo, sendo responsável por 5.5% das emissões de carbono.
Buscando alinhar-se ao objetivo firmado pelos países no Acordo de Paris, da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), de limitar o aquecimento global em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, o setor de TIC precisaria reduzir as suas emissões em 45% até final desta década – conforme orienta a International Telecommunication Union (ITU), agência da ONU para tecnologias da informação.
A princípio, todas as empresas, organizações, e governos que demandam processamento de dados para suas atividades, deverão empreender uma jornada de eficiência energética em sua estratégia de TI, visando diminuir as emissões de GEE e mitigar o custo ambiental.
A green4T tem trabalhado para reduzir em até 60% o consumo de eletricidade em data centers, cloud privadas, e ecossistemas de near edge, far edge – partes essenciais da infraestrutura tecnológica que têm permitido o crescimento exponencial dos negócios digitais.
A estratégia inclui a adoção de ações multidisciplinares de gestão, que atuam no campo físico (hardware) e lógico (software) dos ambientes de processamento de dados. O objetivo é promover uma relação mais positiva entre o consumo de energia dos dados que necessitamos em nossa jornada digital (tecnologia verde).
Parte dessa eficiência obtida é medida pela métrica chamada de Power Usage Effectiveness (PUE), que apresenta índices que variam entre 1 e 3, onde este último indica uma infraestrutura altamente ineficiente (gasto 3x superior ao cenário possível de eficiência).
Em 2022, nosso time de especialistas produziu uma simulação quanto a otimização do PUE no Brasil – de 2.40 (índice de consumo do setor no País) para 1.67, próximo à média global. Isso permitiria uma economia de energia de 4.7 TWh, o equivalente a carga elétrica consumida por 2.4 milhões de famílias brasileiras.
O FATOR ÁGUA
Outro ponto relevante no debate sobre a jornada de eficiência energética dos dados é a redução do consumo de água no processo de resfriamento de data centers.
A prática é comum no setor para evitar o aquecimento dos servidores, sobretudo entre as grandes companhias ‘hyperscalers’. Uma destas “tech giants”, por exemplo, afirmou ter usado 4.3 bilhões de galões de água – cerca de 16.2 bilhões de litros – para esta finalidade em 2021. Outra empresa assumiu ter consumido 84 milhões de litros no mesmo ano para resfriar apenas um data center em Middenmeer, norte da Holanda.
A conexão entre processamento de dados e o consumo de água é simples de entender: quanto mais avança a adoção de tecnologias disruptivas, como inteligência artificial e machine learning, mais cresce o número de ciclos de processamento de dados. Isso implica no desenvolvimento de computadores ainda mais potentes que, para processar rápido, gastam mais energia e aquecem os servidores. O uso de água entra como alternativa aos sistemas de cooling por indução de ar frio no ambiente.
Plataformas de vídeo como o YouTube e chatbots são dois exemplos desta relação entre dados e água. Em março, pesquisadores da University of Colorado Riverside e da University of Texas Arlington divulgaram um estudo preliminar indicando que, a cada 20-50 respostas do ChatGPT, plataforma da Open AI, seriam consumidos 500 ml de água para esfriar as máquinas que suportam a conversa.
SEGUNDO FRONT: CIRCULARIDADE
A outra frente de batalha para o setor de TIC nesta cruzada contra o aquecimento global é a aplicação dos conceitos da economia circular na filosofia de trabalho e gestão destas empresas.
Reusar, regenerar, reciclar e reduzir são palavras que devem fazer parte das cartilhas dos líderes de infraestrutura e operações (I&O) para acelerar a circularidade neste mercado a partir de agora.
A transição para o modelo circular pode contribuir significativamente para a redução das emissões de GEE em até 80%, além da conservação de recursos naturais e da promoção da sustentabilidade.
As companhias que adotam essas práticas têm se beneficiado de uma maior eficiência operacional, diminuindo seus custos de produção em 30% e melhorando a reputação, enquanto contribuem para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.
A extensão da vida útil de peças e componentes da infraestrutura de TI adia a reposição de máquinas caras e intensivas de energia, cujo prazo de validade gira em torno de 10 a 15 anos. A medida produz efeito positivo não somente no meio ambiente – ao evitar nova extração de matéria prima –, mas também no caixa das corporações.
Outra boa prática tem a ver com a cultura das empresas. Uma estimativa indica que 52% das informações armazenadas digitalmente pelas organizações são inúteis. Como se não bastasse, a energia consumida para manter estes dados guardados geraria 6,4 milhões de toneladas de CO2. Se este comportamento não for alterado, o volume de ‘lixo’ digital pode chegar a 91 zettabytes de dados até 2025, sobrecarregando os data centers e consumindo energia desnecessariamente.
UM FUTURO MAIS GREEN
Apesar de absolutamente preocupante, o relatório de março do IPCC também indica caminhos para um novo mundo, formatado por modelos orientados pelo desenvolvimento sustentável e resiliente ao clima.
Isso passa pela descarbonização da economia, circularidade no consumo, ampliação do acesso à energia renovável, mais recursos para proteção dos países vulneráveis, sistemas de transporte mais eficientes e limpos, dentre tantas outras medidas que permitam à sociedade humana evitar os mesmos erros cometidos há um século e meio atrás, quando máquinas movidas a combustíveis fósseis passaram a ser adotadas sem critério algum.
Uma economia circular global verdadeiramente consolidada também permitirá que se atenda à todas as demandas de consumo da população mundial utilizando-se apenas 70% das matérias primas que extraímos do planeta atualmente – o que colocaria a Humanidade de volta aos limites seguros e de preservação da vida na Terra.
Em um futuro mais green e mais avesso ao desperdício, otimizar é preciso – e a tecnologia da informação tem um papel vital a cumprir neste processo.